quarta-feira, 17 de julho de 2024

A Transição do Poder Municipal no 25 de Abril


Quando da imposição de uma ditadura militar, em 28 de Maio de 1926, foram dissolvidos todos os corpos administrativos, e nomeadas comissões administrativas para gerir o poder municipal. Esta situação conheceu várias vicissitudes e alterações, resultado da indefinição política saída desse golpe militar, situação que só se clarificou com a aprovação da Constituição de 1933, que inaugurou o regime do Estado Novo.

Só com a promulgação do Código Administrativo de 1936, desenvolvido no Código Administrativo de 1940, se estabilizou o modelo organizativo da administração municipal do Estado Novo.

Uma das medidas tomadas em 1936 foi abolir o cargo de Administrador do Concelho, que tinha sido criado em 1835. Sendo um cargo de nomeação governamental, desde longa data, a suas funções e competências passaram, naquela data, para os Presidentes da Câmara.

A partir de então, o Presidente e o vice-presidente  da Câmara passaram a ser de nomeação governamental. Por sua vez o Código de 1940 dividiu os órgãos de administração municipal em “comuns” e “especiais”.

Dos órgãos “comuns” faziam parte o Presidente da Câmara, a Câmara Municipal e o Conselho Municipal.

Dos órgãos “especiais” faziam parte as Juntas de Turismo e comissões especiais de Turismo, que tinham um papel importante a nível das decisões urbanísticas, as Comissões Municipais de Assistência, com funções caritativas de apoio a populações carenciadas, e um órgão municipal  com funções meramente consultivas nos domínios da arte, arqueologia, higiene e turismo.

Mas eram os chamados órgãos “comuns” que detinham um verdadeiro poder político a nível concelhio. Como vimos atrás, o Presidente e o Vice-presidente do município eram de nomeação governamental, com um mandato de 4 anos sem limites de renovação, liderando o executivo camarário, ao qual se juntavam 6 vereadores nomeados pelo Conselho Municipal. Este Conselho Municipal era um órgão com características corporativas, formado por representantes das juntas de freguesia, das ordens profissionais, dos sindicatos, dos grémios, das Casas do Povo e das misericórdias, todos com o necessário aval governamental.

Quando se deu o 25 de Abril, a câmara torriense era presidida por Joaquim Pedro Belchior Fernandes, que assumiu essas funções em Maio de 1971, vereador municipal desde 1963. O seu curto mandato conheceu algumas vicissitudes. O vice-presidente nomeado para esse cargo, um jovem militar sem experiência autárquica, demitir-se-ia do cargo em finais de 1973, desagradado com o modo como se viu envolvido no encerramento de um comício da oposição democrática, em Outubro de 1973. Foi substituído no cargo, oficialmente em Janeiro de 1974, por um dos vereadores mais antigos, António Maria de Sousa, vereador desde 1959.

Se os dois membros do executivo de nomeação governamental, acima referidos, eram políticos experientes, seis dos  restantes sete vereadores, nomeados pela Conselho Municipal em 1972, não tinham experiência anterior nesse cargo, reflectindo uma certa tentativa de renovação do executivo, característico do período “marcelista” em vigor.

As divergências entre os nomeados pelo governo e os nomeados pelo conselho municipal corporativo vão-se tornar evidentes nos dias a seguir ao 25 de Abril.

A primeira reunião desse executivo, no pós 25 de Abril, teve lugar no dia 29 de Abril, com a presença de vários cidadãos, dentro e fora do edifício, que exigiam a demissão dessa câmara.

Sob a presidência de Joaquim Belchior Fernandes e com a presença da maior parte dos vereadores, um dos seus membros, o vereador Guia, levantou o problema da legitimidade das funções desse executivo, principalmente do seu presidente e do vice-presidente, devido à destituição do governo e do ministro que os tinham nomeado, respondendo-lhe o presidente que se considerava em situação legitima, já que o governador civil de Lisboa, do qual dependia directamente, não tinha sido demitido.

O então jovem vereador Guia apresentou uma moção de apoio à Junta de Salvação Nacional, propondo que a Câmara se colocasse à disposição da mesma, com um voto de apoio ao 25 de Abril, moção aprovada pelos vereadores presentes.

Contudo, essa manobra foi de imediato denunciada por Francisco Fernandes, intervenção aplaudida e apoiada pelo público presente.

Nos dias seguintes a situação evoluiu rapidamente.

No dia 30 de Abril os oposicionistas locais, organizados à volta do CDE, publicam um comunicado intitulado “Saudação ao povo de Torres Vedras” (1), apelando à urgência de se formar uma nova instituição politica e administrativa, tema de muitas das intervenções da grande manifestação do 1º de Maio que percorreu as ruas da vila de Torres Vedras, encerrando com intervenções de , entre outros, Afonso de Moura Guedes, João Carlos, e Francisco Fernandes, responsáveis, nos meses seguintes, pela implantação em Torres Vedras dos três principais partidos fundadores do regime pós-25 de Abril, PSD, PS e PCP (2).

No dia 2 de Maio é publicada um portaria da JSN exonerando todos os presidentes de Câmara, mas não se definindo em relação à restante vereação.

No dia 6 de Maio a Câmara ainda em funções volta a reunir, digladiando-se mais uma vez as duas facções, uma liderada pelo ex-presidente Belchior Fernandes, outra pelo engenheiro Guia, confronto provocado em parte por se ter sabido que o presidente, sem consultar a restante vereação, tinha contactado o Governo Civil, do qual teria recebido ordens para continuar em funções. A facção Guia, criticando essa iniciativa, defende uma deslocação de toda a vereação a Lisboa para contactar a JSN, para porem os seus lugares à disposição da mesma, mas oferecendo-se para continuar a dirigir o executivo camarário até à realização de eleições municipais(3).  

Essa manobra, de tentativa de colagem ao novo regime, habitual noutros momentos históricos (vejam-se as actas da Câmara torriense na primeira metade do século XIX), acabou por fracassar, ultrapassada pelos acontecimentos.

Já sem poderes, mais para encerrar actividade, a câmara deposta ainda se reuniu uma última vez em 13 de Maio, presidida pelo vice-presidente, “presidente” por um dia.

As forças oposicionistas, legitimadas pelo derrube do regime em 25 de Abril, ainda unidas à volta do CDE, depois de várias reuniões públicas, acaba por convocar uma grande Assembleia Popular para 12 de Maio, que decorreu no estádio do Torreense, depois de um jogo do clube, e que contou com mais de duas mil pessoas, para propor a aprovar uma comissão provisória de 18 personalidades, para dirigir o executivo camarário (4).

Depois de uma deslocação a Lisboa, essa comissão reuniu em 14 de Maio com um delegado da JSN, na sede local do CDE (antiga sede local da ANP, ocupada em 26 de Abril), para efectivar a constituição de uma comissão administrativa, reduzida para 9 membros, por sugestão desse delegado, tendo-se escolhido para a presidir Francisco Fernandes.

Essa Comissão Administrativa tomou posse do cargo no dia 15 de Maio, realizando a primeira sessão em 20 de Maio (5).

Essa comissão administrativa conheceu algumas vicissitudes ao longo da sua existência, mas foi responsável por muitos melhoramento e obras de saneamento, de que o concelho carecia, apoiada no voluntarismo da população organizada em dinâmicas comissões de moradores e nas comissões administrativas das juntas de freguesia.

Esteve em funções até Janeiro de 1977, substituída pela primeira Câmara Municipal eleita em 12 de Dezembro de 1976.Mas esta é outra história (6).

(1)    – Documento do aquivo pessoal do autor;

(2)    - CARLOS, João, “Dia 1º de Maio – Festa do Trabalho”, reportagem publicada nas páginas do Jornal “Badaladas” de 11 de Maio de 1974;

(3)    - acta da reunião camarária de 6 de Maio de 1974, in “Voz do Município”, “Badaladas” de 25 de Maio de 1974. Consultem-se igualmente os livros de acta da Câmara, depositados no Arquivo Municipal para acompanhar o que se passou nas referidas reuniões do executivo. Leia-se também o conjunto de artigos da autoria do ex-vereador Guia no jornal “Badaladas”, sob o título de “Os actos incómodos a as actas malditas”, provocatoriamente assinados como “a ex-vereação “Fascista” e a polémica que eles provocaram com vários “oposicionistas”, publicadas nas páginas daquele  semanário entre as edições de 18 de Maio e 29 de Junho de 1974;

(4)    - Convocatória para a assembleia popular de 12 de Maio. Arquivo do autor;

(5)    - CARLOS, João, “Democratas de Torres Vedras aprovaram a nomeação de uma comissão para a gerência da Câmara”, in “Badaladas” de 18 de Maio de 1974;

(6)    - Para acompanhar os vários episódios deste período leia-se a obra fundamental de Andrade Santos, CRÓNICA DE TANTOS FEITOS, 1ª edição, Livros Horizonte, 1986, e com mais duas reedições.

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