terça-feira, 8 de setembro de 2009

TORRES VEDRAS E A REVOLUÇÃO DE SETEMBRO DE 1836 - 3ª parte

Uma das primeiras medidas legais dos vencedores da "Revolução de Setembro" foi a publicação de uma nova legislação eleitoral, datada de 8 de Outubro.

A lei eleitoral de 8 de 0utubro de 1836 destinou-se a preparar as eleições de Dezembro desse ano para eleger os representantes às Cortes Constituintes.

Com base nos cadernos eleitorais da maioria das freguesias de Torres Vedras, elaborados com base nessa lei, procurámos obter uma aproximação à realidade social e profissional deste concelho em 1836.


A legislação "cartista", anteriormente em vigor, restringia o eleitorado a "uma minoria de nível económico elevado", preconizando a eleição indirecta e mantendo um sistema de divisão de círculos eleitorais que favorecia "o caciquismo, o suborno e a preponderância dos grandes proprietários rurais". Pelo contrário, a nova legislação setembrista suprimiu o voto censitário, tornando-o práticamente universal, sendo extensivel a todos os homens maiores de 25 anos ou, sendo casados, oficiais militares, bacharéis ou clérigos, maiores de 20 anos.. Além disso, a eleição passou a ser directa, e "as novas divisões eleitorais introduzidas pelo setembrismo" tenderam"a efectuar uma descentralização que" favoreceu "uma maior independência dos eleitores e" facilitou "a participação no acto eleitoral"( in A REVOLUÇÃO DE SETEMBRO DE 1836-Geografia eleitoral, de Sacuntala de Miranda, ed. Livros Horizonte, 1982, pp.18 e 19)..
A lei eleitoral de 8 de 0utubro de 1836 destinou-se a preparar as eleições de Dezembro desse ano para eleger os representantes às Cortes Constituintes. O voto censitário (voto censitário: a condição de eleitor ou eleito depende do rendimento de cada um) voltou a ser reposto pela lei de 9 de Abril de 1838, mantendo-se em vigôr até ao final da monarquia(Para se conhecer a evolução do sistema eleitoral português, recomendamos a leitura da síntese, sobre o assunto, escrita por António Lopes Cardoso, intitulada OS SISTEMAS ELEITORAIS, edições Salamandra, 1993).
Embora o Arquivo Municipal de Torres Vedras (A.M.T.V.) não nos revele o resultado dessas eleições neste concelho, em contra partida existem nesse arquivo os cadernos eleitorais de quase todas as freguesias, elaborados tendo por base a lei de 8 de Outubro.
Com base neles podemos obter uma visão muito próxima da realidade sobre o peso dos vários grupos sociais e profissionais deste concelho, tendo em conta a excepcional abrangência eleitoral dessa lei, quase única no século XIX.
Contudo faltam os cadernos eleitorais de cinco importantes freguesias, Turcifal , Freiria, S.Pedro da vila, Dois Portos e Carmões. Estas duas útimas não surgem porque pertenciam então ao concelho da Ribaldeira. Pelo contrário existem os cadernos eleitorais da freguesia de Fanga da Fé (Encarnação) e Sobral da Abelheira então pertencentes ao concelho de Torres Vedras e hoje integradas no de Mafra. Não se encontra qualquer registo sobre os eleitores da freguesia da Azueira, também actualmente pertencente ao concelho de Mafra, mas que integrava então a administração de Torres Vedras.

Uma aproximação à sociedade Torriense em 1836.
Elaborámos, com base nesses cadernos eleitorais, um Quadro, o qual não podemos incluir neste blog por razões técnicas, mas que, tal como o anterior, pode ser consultado nas páginas do “Frente Oeste” de Setembro/Outubro de 1996. Arriscamos, mesmo assim, fazer a leitura dos seus dados. Esse quadro inclui o total de fogos, o número de eleitores registados, a relação percentual entre eleitores e "fogos" e a sua distribuição percentual pelos três sectores de actividade em todas as freguesias do concelho.
O número de fogos baseia-se nos dados publicados em anexo ao decreto eleitoral de 8 de Outubro de 1836, que tinham por base o recenseamento de 1828. Um "fogo" corresponde a uma habitação familiar. Os restantes dados baseiam-se nos já mencionados cadernos eleitorais do A.M.T.V. Quanto aos totais concelhios, entre (...) registamos a soma de todas as freguesias, enquanto os restantes totais se referem apenas ao total das freguesias para as quais obtivemos dados eleitorais.
Tendo em conta que, a cada "fogo" correspondia uma família e que as mulheres e menores não tinham direitos eleitorais, a relação percentual entre "fogos" e eleitores mostra-nos que, tomando aquele critério como válido, estavam representadas eleitoralmente cerca de 2/3 das famílias do concelho, chegando esse índice a ultrapassar os 80% em A-Dos-Cunhados, Sobral da Abelheira e Stª Maria.
Pelo contrário, em freguesias como o Maxial, S.Pedro da Cadeira, Ponte do Rol e mesmo Ventosa, cerca de metade das famílias não estavam eleitoralmente representadas.
Mesmo assim podemos considerar que, para a época, o corpo eleitoral era significativamente representativo.
Observando agora os dados referentes aos sectores de actividade, não é de admirar o peso então representado pelo sector primário, com um peso médio de 76,6%, ultrapassando os 80% em 6 freguesias. Esta percentagem devia ser ainda mais significativa se fossem incluídos os menores de 25 anos não casados, pois o trabalho rural começava em idades muito mais baixas.
Também não espanta que os eleitores do sector primário, residentes na vila, repartidos pelas freguesias de Stª Maria, S.Miguel e Santiago, não cheguem a representar 50%. A falta de dados sobre a freguesia de S.Pedro distorce de algum modo este resultado, pois era nesta que se concentrava a maior parte da população urbana, e por isso esta percentagem devia ser ainda menor. O resultado da freguesia de S.Tiago reflecte o facto de ser nesta que se concentra a maior parte da população da vila entre os eleitores conhecidos. O índice abaixo do normal registado em Ponte de Rol é pouco representativo, dado o número reduzido de eleitores que serve de amostra. Já em relação à freguesia de Runa , situação idêntica parece dever-se ao peso do sector terciário, nomeadamente aos militares do então Asilo Militar.
A maior parte, mais de metade, dos eleitores do sector primário do concelho, era constituído por trabalhadores assalariados, enquanto 1/3 era de "fazendeiros" e "lavradores" e só menos de 2% do total desse sector por "proprietários".
Quanto ao sector secundário era formado, maioritariamente, por actividades artesanais para consumo local, não se registando qualquer concentração significativa que revelasse qualquer industria de tipo capitalista. O grosso deste sector era representado pelos "sapateiros", actividade registada em todas as freguesias e que representava mais de 1/4 deste sector. Seguia-se a actividade de "carpinteiro", representando cerca de 1/6 do sector, seguida muito de perto pelos "moleiros" .
Quanto ao sector terciário revela-se muito pouco representativo no total de eleitores, concentrando-se quase 1/3 na vila. A profissão de "Almocreve" é a a mais referenciada neste sector, representando cerca de 20% , profissão que se acha disseminada por 10 freguesias e por várias localidades. A maioria concentrava-se nas freguesias da Ventosa e de A-dos-Cunhados, respectivamente nos lugares de Fernandinho e Póvoa, em número idêntico aos existentes na vila. Estes "almocreves" tinham uma importante função comercial, fornecendo as populações com produtos essenciais nos intervalos dos mercados. A sua concentração em zonas rurais leva-nos a colocar a hipótese de terem um papel importante no comércio da produção agrícola no concelho e arredores.
Sem pretendermos esgotar o tema, até por razões de espaço, e deixando ainda muita informação por tratar, pretendemos apenas traçar algumas tendências sobre o peso dos vários grupos sociais e profissionais no concelho de Torres Vedras em 1836.

Nota Final
Por razões técnicas, não conseguimos inserir notas de rodapé com as referências bibliográficas e de fontes, pelo que as referimos junto do texto. Pelo facto pedimos desculpa aos nossos leitores.

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