Figura controversa do colonialismo português do século XIX, mitificado pelo Estado Novo, Joaquim Mouzinho de Albuquerque ficou conhecido pelo episódio de Chaimite, em Moçambique, em Dezembro de 1895, que levou à prisão do célebre líder local Gungunhana.
Nomeado
Governador-Geral de Moçambique em 1896, regressou a Portugal em Dezembro de
1897, sendo recebido com grandes manifestações calorosas por parte da
população, fazendo depois uma digressão pelo país e pelo estrangeiro.
Numa dessas digressões,
uma viagem de comboio até Leiria para homenagear a sua centenária avó, passou
por Torres Vedras.
As autoridades locais
prepararam uma recepção apoteótica, descrita nas páginas do jornal “A Vinha de
Torres Vedras”, órgão de informação conotado com o chamado Partido
Progressista, dominante no executivo municipal até à República, um dos partido
do rotativismo da segunda metade do século XIX. O outro partido era o
“regenerador”.
A passagem por Torres
Vedras, a caminho de Leiria, de tão ilustre personagem, foi noticiada na edição
de 30 de Dezembro de 1897 no jornal “A Vinha e Torres Vedras”, que, na sua
edição de 6 de Janeiro de 1898, faz o relato detalhado dos principais momentos
dessa visita.
Foi no dia 5 de Janeiro
de 1898, uma 4ª feira, que Mouzinho passou pela então vila de Torres Vedras.
Mouzinho de Albuquerque
foi acompanhado na viagem de comboio, desde a sua saída da estação do Rossio,
pelo “sr. Alfredo Lecoq, deputado” pelo círculo eleitoral de Torres Vedras,
pelo cunhado deste, “o sr. Joaquim Belford e pelos srs. Dr. Hermínio Duarte Ferreira
e Dr. João Gualberto de Barros e Cunha”, este então redactor principal do jornal
“A Vinha de Torres Vedras”, “como representantes do centro progressista d’esta
villa e do syndicato agricola da região de Torres Vedras”. Mouzinho era também
acompanhado pela esposa e pelo cunhado.
Todas aquelas
personalidades “tomaram lugar no salão que a companhia real [do
caminho-de-ferro] tinha posto à disposição do illustre official”.
Uma primeira paragem
teve lugar na estação da Malveira para as saudações do comandante e oficiais da
escola prática de infantaria e do executivo camarário de Mafra.
Nova cerimónia teve
lugar quando o comboio chegou à primeira estação do concelho de Torres Vedras,
a estação de Pêro Negro.
Recorde-se que, à data,
o concelho torriense integrava o território do extinto concelho de Sobral de
Monte Agraço, fruto de uma contestada decisão tomada pelo decreto de 26 de
Setembro de 1895 que tinha extinto esse concelho e o de Arruda dos Vinhos,
integrado-os no concelho de Torres Vedras, ao mesmo tempo que a freguesia
torriense da Freiria era integrada nos limites de Mafra. Curiosamente, 10 dias
depois da referida visita, em 15 de Janeiro de 1898, aqueles dois municípios
voltaram a ganhar autonomia, ao mesmo tempo que a freguesia da Freiria foi
reintegrada no concelho de Torres Vedras.
Esse foi o motivo de
ter sido a estação de Pêro Negro, hoje pertencente ao Sobral, a escolhida pelo
executivo torriense para receber o ilustre visitante, acompanhando-o a partir
daí na viagem até Torres Vedras.
Um novo momento dessa
viagem teve lugar na estação de Dois Portos, onde o comboio era aguardado pela
“philarmónica da Ribaldeira, acompanhada de muito povo que recebeu com vivas e
foguetes a chegada do comboio”.
Nessa estação, o
visitante foi apresentado ao “sr. Silvério Botelho de Sequeira, secretario do
syndicato agricola” e a “outros cavalheiros d’aquella freguesia”.
Na estação seguinte, a
de Runa “estava na gare toda a officialidade do Asylo [militar], corpo de
inválidos, e bastante povo”, sendo aí “Mousinho d’Albuquerque
enthusiasticamente saudado”.
A maior recepção
esperava-o na estação da vila:
“Renunciamos a
descrever o aspecto verdadeiramente imponente que apresentava a gare d’esta
villa, cuja ornamentação fôra dirigida pelo thesoureiro da commissão do Grémio
Artístico Commercial, o sr. José Miranda, vistosamente embandeirada, e apinhada
de povo a ponto de difficilmente se poder romper por entre a multidão compacta.
A um lado da plataforma via-se um
numeroso pelotão dos soldados d’este concelho que hoje pertencem à reserva, e
que tomaram parte nas batalhas de Moçambique. Eram ao todo 72 praças, de
caçadores 7, cavallaria 2 e 4, e artilharia 1 e 6, todos uniformisados , tendo
ao peito a medalha da Rainha D. Amélia, e commandados pelo sargento
expedicionário de artilharia Luiz Augusto de Couto Lima.
“Ao centro via-se o
Grémio Artístico Commercial, agrupado em volta do seu estandarte hasteado pelo sócio José Cabral”.
Nessa ocasião Mouzinho
recebeu “uma bonita pasta de pelluche azul e branca contendo o diploma de sócio
honorário” concedido por essa colectividade.
“Três filarmónicas,
duas d’esta villa e uma do Turcifal prestaram-se espontaneamente a abrilhantar
a recepção”.
Depois de discursar o
“sr. Lecoq, exaltando as vitorias militares do visitante”, subiram à carruagem
salão, para o cumprimentarem, as “autoridades do concelho”, entre elas o administrador
do concelho e o cónego António Francisco da Silva.
Agradecendo a recepção,
Mouzinho não deixou de recordar a memória do seu avô, sepultado na Igreja de S.
Pedro, falecido nesta vila na sequência de ferimentos sofridos na Batalha de
Torres Vedras em 22 de Dezembro de 1846, um dos episódios mais dramáticos da
guerra civil da Patuleia.
O comboio partiu depois
a caminho de Leiria, juntando-se para o acompanhar até à última estação do
concelho, a do Outeiro da Cabeça, várias personalidades locais e representantes
de várias colectividades.
Os festejos continuaram
em Torres Vedras, iluminando-se nessa noite o edifício da Câmara, a sede do
Grémio Artístico e Comercial, a redacção do jornal “A Vinha de Torres Vedras”,
a Associação 24 de Julho “e muitas casas particulares”.
“O Grémio Artístico
mandou também illuminar o castelo com barricas d’alcatrão. Um grupo do Casino
Torreense percorreu as ruas com archotes e acompanhado de uma filarmónica,
dando vivas ao Mousinho de Albuquerque , ao executivo e à Pátria.
“O Casino deu também
uma soirée em honra” desse “nome
glorioso”.
A pacatez habitual de
uma vila de província do século XIX, muito marcada pelos ritmos agrícolas, foi
assim marcada por um acontecimento incomum e que ficou na memória de muitos dos
seus habitantes.
Incompatibilizado com
os seus contemporâneos, desgostoso com a sua vida e a falta de reconhecimento ,
Mouzinho suicidou-se em 1902.
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