A história e a acção cívica da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras confunde-se com os últimos cinco séculos da História torriense.
Fundada por alvará de 26 de Julho de 1520, revelou-se
a mais marcante iniciativa tomada localmente durante o reinado de D. Manuel
(nascido em 1469, reinou entre 1495 e 1521).
A sua fundação vem na sequência
da necessidade sentida, desde os finais
do século XV, em ordenar e unificar a assistência, que se iniciou quando D.
João II lançou a primeira pedra do Hospital de Todos os Santos, reunindo para
esse fim os rendimentos de vários estabelecimentos pios, obra continuada por
sua mulher D. Leonor, quando, já viúva, fundou a Misericórdia de Lisboa em
Agosto de 1498.
A História dessa instituição em
Torres Vedras, e da sua acção ao longo dos séculos, está suficientemente
estudada, numa primeira síntese por Madeira Torres (1), aprofundada por Salinas
Calado (2) e, mais recentemente, numa obra de fôlego e definitiva, por Célia
Reis (3).
Registem-se ainda alguns estudos
sobre aspectos mais particulares dessa instituição, como os de Manuela Catarino
(4) e Joana Balsa de Pinho (5).
Registe-se ainda o volume
dedicado às Misericórdias, numa visão global, incluído na edição de actas dos
encontros Turres Veteras (6)
Neste texto, apenas pretendemos
fazer uma breve evocação dessa instituição, remetendo um conhecimento mais
aprofundado sobre a mesma para a
consulta das obras acima referida, em especial para o livro de Célia Reis.
A sede torriense dessa
instituição foi instalada no Hospital do Santo Espírito, que já possuía os bens
do Hospital de Santa Maria dos Farpados e do Hospital do Mostardeiro,
juntando-se então a esses, os bens da Confraria das Ovelhas Pobres e os do
Hospital de S. Gião, ou Confraria dos Sapateiros, aos quais se juntariam outros
bens ao longo dos séculos.
A Misericórdia de Torres Vedras
começou a sua vida “com duas salas para ambos os sexos e uma capela, e segundo Madeira Torres, com
um rendimento de : 6 moios de trigo, 3 de cevada, 36 almudes de vinho, 3 potes
de azeite, 56 galinhas e frangos, um carneiro, 13.888 réis em dinheiro e 2
óvos, além dos sobejos de todos os outros Hospitais e Albergarias.
“Além destes rendimentos, estava
a Santa Casa autorizada a ter Mamposteiros ou arrecadadores d’esmola em todas
as freguesias do arciprestado, encarregados de pedirem para ela” (7).
Em
1767 foi aí construída uma enfermaria de mulheres e, em 1795, foi autorizada a
criação de uma “botica” no hospital, só concretizada em 1814.
O
edifício foi acrescentado em 1796 com a compra de uma casa nobre a sul,
alargando as enfermarias para quatro.
O
Hospital funcionou aí até à inauguração do Novo Hospital da Misericórdia, no
local do actual Hospital Distrital, em 18 de Julho de 1943, com a presença do
então Presidente da república Óscar Carmona.
As
obras do novo hospital começaram em 1926, mas a inauguração só ocorreu nessa
data.
O
novo hospital foi “construído por contribuição do Estado e da Câmara
Municipal”, e com a contribuição de vários beneméritos locais, homenageados
numa lápide comemorativa descerrada na ocasião, no átrio do hospital”. Entre os
beneméritos foram citados os “srs. Álvaro Galrão, dr. José Alberto Bastos,
Joaquim Vaquinhas, dr. Júlio Lucas e D. Teresa de Jesus Pereira” (8).
Com
a mudança das instalações do Hospital, no edifício então desocupado estiveram
instalados o Museu Municipal e a Biblioteca Municipal de 1944 a 1989.
Em
19 de Maio de 1681 deu-se inicio à construção da Igreja da Misericórdia,
contigua àquele hospital, obra concluída em 1710, ano em que foi benzida
em acto solene, realizado a 6 de
Setembro desse ano, presidido pelo Bispo de Tagaste, o torriense D. Manuel da
Silva Francês.
Entra-se
para a Igreja pelo adro que serviu de cemitério onde se enterravam os pobres
falecidos no Hospital, antes de a Santa Casa ter cemitério pegado para norte e,
talvez, para poente.
O
Pórtico tem as armas reais do século XVII, e a porta é datada de 1718.
A
igreja é de uma nave coberta por abobada de berço, onde estão pintadas as armas
reais, com a cruz da ordem de Cristo
(típico do século XVIII).
No
altar mor existe, no centro, uma imagem de N.ª Senhora da Misericórdia com o
menino (seiscentista) e, segundo Salinas Calado, à “mão direita da Senhora da
Misericórdia, no seu altar de talha dourada, existe um pequeno esconderijo; ali
escaparam, como protegidos pelo seu manto piedoso, às prisões de 22 de
Dezembro” (de 1846) “alguns patuleias, torrienses de então”.
A
sacristia foi construída em 1752, por ordem do provedor Nuno da Silva Teles
(Tarouca e Alegrete).
Leia-se,
a propósito desse monumento, o interessante estudo sobre a sua arquitectura da
autoria da já citada Joana Balsa de Pinho.
Sobre
o valioso património artístico dessa instituição, visite-se o pequeno museu
instalado no espaço sede da instituição, baptizado com o nome de Manuel Rosado,
um quase centenário e dedicado cidadão à causa pública e a essa instituição.
Em
1975 a instituição perdeu as suas funções hospitalares, passando o edifício do
Hospital a ter gestão estatal. Em contrapartida a associação ganhou novas
valências, com a criação de uma creche e jardim de infância em Outubro de 1980,
a inauguração de uma nova sede e de um centro de dia em Maio de 1987, e, em
Dezembro de 2002, a inauguração do lar de Nossa Senhora da Misericórdia no
lugar do Sarge.
Entretanto,
no edifício original, para além dos serviços administrativos, existe um bem
organizado arquivo histórico, englobando quinhentos anos da história de uma
instituição que se confunde com a História de Torres Vedras, bem como o já
mencionado museu.
Esperamos
, com esta modesta e sintética evocação dessa importante “associação”
torriense, despertar o interesse pelo conhecimento da sua actividade e da sua
importância histórica e social no concelho torriense.
(1) – MADEIRA TORRES, Manuel
Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de
Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), com nova edição
fac-similada editada pele Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras;
(2) - CALADO, Rafael Salinas,
Origens e Vida da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras, ed. 1936;
(3) – REIS, Célia, A Misericórdia
de Tores Vedras (1520-1975), ed. Da
Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras, 2016;
(4) – CATARINO, Manuela,
“Assistência no século XIX”, in Torres
Vedras – Passado e Presente, Vol. I, obra colectiva, ed. Pala Câmara Municipal
de Torres Vedras em 1996, pp. 299 a 316;
(5)- PINHO, Joana Balsa,
“Persistência e atualidade de um modelo tipológico: a Casa da Misericórdia de
Torres Vedras e a arquitetura das Misericórdias quinhentistas”, in A Misericórdia – História, Arte e Património, Turres
Veteras XXIII, cord. Carlos Guardado Silva, ed. Colibri, CMTV, Universidade de
Lisboa (…), ed.2022
(6) – SILVA, Carlos Guardado,
(coord.), A Misericórdia – História, Arte e Património, Turres Veteras XXIII,
ed. Colibri, CMTV, Universidade de Lisboa (…), ed.2022 ;
(7) – CALADO, ob. Cit., pág.6;
(8) - in Novidades de 19 de Julho de 1943;
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