Foi há 60 anos que Leonel Trindade e Afonso do Paço elaboraram a primeira síntese sobre o que então se sabia àcerca dos primeiros habitantes da região deste concelho. Trata-se da publicação, na revista Arquivo de Beja, do estudo intitulado “Subsídios para uma carta arqueológica do concelho de Torres Vedras – I – Algumas estações paleolíticas”, publicado como separata em 1964 com a data de Abril desse ano.
Fazendo
um breve historial sobre os primeiros trabalhos arqueológicos onde se fizeram
descobertas sobre a ocupação paleolítica nesta região, em especial junto ao
litoral de Santa Cruz, trabalhos esses iniciados em 1934, os autores fazem o
levantamento desses primeiros achados, acompanhados por ilustrações da autoria
de Maria João Lopes do Paço e por um mapa com a sua localização neste concelho
(mapa que ilustra este artigo).
Os
primeiros objectos desse período, cerca de um milhar, foram recolhidos na costa
de Santa Cruz, na Ponta da Vigía, a norte de Santa Cruz, no chamado lugar de “A
Mina”, a este daquela localidade e perto do “Porto Escada”, a sul.
A
maior parte desses materiais líticos datavam, uns do paleolítico inferior, em
pequeno número, e a maior parte do paleolítico superior.
Anos
depois, Leonel Trindade descobriu outras estações arqueológicas e vestígios do
Paleolítico Superior, “uma na zona de Cambelas e outra no Rossio do Cabo”, esta
situada na freguesia de A-Dos-Cunhados, e numa estação “a W. do Casalinho”.
Do
mesmo período existiam à época, no Museu Municipal, alguns utensílios desse
período, um biface recolhido por outro importante arqueólogo local, Aurélio
Ricardo Belo, no “Vale de Carros”, no Maxial, outro recolhido por Leonel
Trindade junto ao cemitério da então vila de Torres Vedras.
Na
freguesia da Silveira tinham também sido recolhidos vestígios líticos desse
período no Casal da Portela e no Casal das Pedrosas.
A
partir de então o conhecimento sobre esse período, o mais antigo com ocupação
humana na região, conheceu um grande desenvolvimento, com novas descobertas e
publicações que actualizaram o esse conhecimento, com destaque para a nova
síntese sobre a pré-história torriense da autoria de Cecília Travanca (ver
bibliografia) e para a monumental obra de João Zilhão em dois volumes, O
Paleolítico Superior da Estremadura Portuguesa, de 1997.
Com
base nessas obras e noutras indicadas na bibliografia publicada em baixo, é
possível fazer um breve levantamento sobre as estações paleolíticas e o tipo de
vestígios recolhidos que documentam a primeira ocupação humana deste território.
Chama-se
contudo a atenção que este é um tema sempre em evolução, não só em relação a
novas descobertas, como em relação à datação para cada período, pelo que alguns
dados referidos podem já estardesactualizados:
1 –
Paleolítico Inferior ( 3 milhões de anos a 300 000 aC) (Na
região europeia a ocupação humana só aconteceu há cerca de 800 mil anos atrás).
1– 1 –
Acheulense (400 000 a 300
000 aC) – Bifaces como vestígios mais frequentes, usados pelo Atlantropo
1– 1
– 1 – Pré – Acheulense: Santa Cruz ( Corresponde a três sítios ao
longo do litoral desse sítio .Ponta da Vigia, a norte, “a Mina”, a Este e perto
do “Porto da Escada”, a Sul); perto da fonte da Água do seixo, Santa Cruz; e Seixosa
(?).
1– 1
– 2 – Acheulense Médio: Casal das Pedrosas, Silveira; Casal da
Portela, Silveira; Torres Vedras, área do mercado municipal; Vale de Carros,
Maxial
1 –
1 – 3 – Acheulense Superior: Seixo, Santa Cruz.
1 –
1 – 4 – Outros sítios com vestígios do Paleolítico Inferior: Ponte
do Rol; Galegueira, Ponte do Rol; A-Dos-Cunhados; Carrascais, A-Dos-Cunhados; Sobreiro
Curvo, A-Dos-Cunhados; Gruta de Lapa da
Rainha, Maceira.
2
–Paleolítico Médio (300 000 a 35 000 aC, última glaciação
(Wurm), ocupação Neanderthal):
Penafirme,
A -Dos- Cunhados; Casal do Soito, Ponte
do Rol; Casal do Calvo, Ponto do Rol.
3 -
Paleolítico Superior (35 000 aC – 10 000 aC) – Homo Sapiens
Sapiens.
3 –
1 – Aurinhacense (28 000 aC
– 26 000 aC) (Cro-Magnon) (Primeiras manifestações de arte figurativa:
figuras de animais muito esquemática e signos gravados em blocos de calcário):Santa
Cruz; achado isolado, em lugar desconhecido.
3 –
2 – Gravettense e Proto-Solutrense ( 26 000 aC – 21 000 aC).Período
caracterizada pela indústria do buril de truncatura retocada. Na arte
caracteriza-se pelas estatuetas
femininas em marfim (“Vénus”)
São
deste período, neste concelho, espólio constituído por artefactos líticos,
encontrados em Cova da Moura (Cambelas, S. Pedro da Cadeira) e em sítio ao ar
livre localizado no Vale da Fonte ou Vale de Almoinha, a 500 metros da mina de
água que lhe deu aquela designação.
3 – 3 - Solutrense (21 000 aC – 16 000 aC).Período caracterizado
pela grande perfeição na técnica de talhe. A “folha-de-loureiro” e a raspadeira
são dois dos instrumentos típicos deste período:
-
Vale Almoinha, Cambelas, S. Pedro da Cadeira. A causa provável da escolha deste
lugar como acampamento pré-histórico pode dever-se à existência, a 100 metros
do lugar de uma nascente de água doce, já existente na época. A maioria do
material lítico é constituído por peças em sílex (95% do total), algumas em
quartzo, nomeadamente raspadeiras, “folhas de loureiro”, lascas, lamelas,
lâminas, núcleos.
–
Lapa da Rainha, Maceira. Gruta de abrigo esporádico, tendo servido
fundamentalmente de toca de carnívoros. Para além de vestígios ósseos humanos
fossilizados, foram encontrados ossos de animais já extintos na região, como o
rinoceronte e a hiena.
3 –
4 – Magdalenense (16 000 aC – 10 000 aC). Caracteriza-se pelo
importante desenvolvimento da indústria óssea e pela qualidade das obras de
arte mobiliária ou parietal. Transição entre Paleolítico e o Mesolítico:
- Baio
ou Cerrado Novo ou W. do Casalinho, junto à foz do rio Sizandro, margem
esquerda , Gentias do Meio, S. Pedro da Cadeira. Produção de lascas e lamelas. Data
provavelmente de entre cerca 11000 e de 10500 aC. Os seus vestígios prolongam-se pelo Neolítico;
- Vale da Mata, na margem esquerda do rio
Sizandro,Gentias, S. Pedro da Cadeira;
- Rossio
do Cabo, Santa Cruz, no sítio onde se construiu o campo de tiro, 3 km. a NE. da
praia de S.tª Cruz. Parece “ ter sido um acampamento de superfície, de pequena
extensão, ocupado por caçadores durante um período de tempo relativamente
curto” (RODRIGUES, 1999, p.60).
Esta
estação arqueológica foi descoberta por Leonel Trindade em 1950.“A estação do
Rossio do Cabo é um contributo importante para a arqueologia portuguesa:
confirmando a influência europeia no ocidente da Península em pleno Paleolítico
Superior, dá-nos elementos para verificarmos o estabelecimento no litoral
estremenho de tribos aurinhacenses. Estas viveram, por certo em espaço de tempo
reduzido, num acampamento ao ar livre, trabalhando com segurança material que
iam buscar (...) a localidades distantes”, como Runa, Torres Vedras e, talvez,
Rio Maior, Nazaré e Lisboa. (FREITAS, 1959, p.62).
–
Pinhal da Fonte, Cambelas, S. Pedro da Cadeira.
3 –
5 – Outros lugares com vestígios do paleolítico superior: a
SE de Casalinhos de Alfaiates; Escaravelheira (Vestígios líticos, do
paleolítico superior final ou Epipaleolítico); Porto Escada, a sul de Santa
Cruz; lugar da Mina Santa Cruz; Vale do Pizão, Santa Cruz; Vale do Cortiço,
Santa Cruz; Ponta da Vigia, Santa Cruz; Póvoa de Penafirme; Varatojo; Fonte
Grada; Ponte do Rol; Casal do Calvo,
Ponte do Rol.
Achados
de superfície: Galegueira, Ponte do Rol; Casal da Portela,
no vale do Sizandro; Vale do Covo, A-Dos-Cunhados; Cabeça Ruiva; Curral Velho,
S. Pedro da Cadeira; Concheiro do Pinhal da Fonte, S. Pedro da Cadeira.
Em
termos gerais, num período marcado pelo nomadismo dos grupos humanos, e tendo
em conta as condições climatéricas, geográficas e
naturais, muito diferentes das actuais, a maior parte dos vestígios desse
período, encontrados neste concelho, concentram-se no litoral e ao longo do
vale do Sizandro, que teriam também características diferentes das actuais
geográficas
(em relação à linha de costa, nível do mar e ao leito dos rios).
Não
queremos terminar sem destacar o trabalho esforçado realizado aos longo dos
anos pela equipa de arqueólogos torrienses ligados ao Museu Municipal Leonel
Trindade.
BIBLIOGRAFIA:
CARVALHO, Emmanuel e outros, “More Data for na archeological map os the county of Torres Vedras” (paleolítico), in Arqueologia, nº 19, Junho de 1989, Porto 1989, pp. 16 a 33.
FREITAS, Cândido Manuel Varela de , A Arqueologia do Concelho de Torres Vedras (Contribuição para o seu estudo até à época Lusitano-Romana), Dissertação de licenciatura no Curso de Ciências Históricas e Filosóficas, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2 volumes, Lisboa 1959,
“Freguesias”, suplemento do jornal BADALADAS, de T. Vedras, 1998, 1999 e 2000.
LOURENÇO, Sandra, e ZAMBUJO, Gertrudes, “Duas novas datações absolutas para a Ponta da Vigia (Torres Vedras)”, Revista Portuguesa de Arqueologia, Volume 6, nº 1, 2003, pp. 69-78;
LUNA, Isabel de, “Investigação arqueológica em Runa”, in “Freguesias” (Runa), suplemento nº 13 do jornal Badaladas, 15-10-1999.
PAÇO, Afonso do e TRINDADE, Leonel, Subsídios para uma carta arqueológica do concelho de Torres Vedras, separata do “Arquivo de Beja”, vol.XX-XXI, 1963-1964, ed. Minerva Comercial, Beja, 1964.
ROCHE, J. e TRINDADE, L., La Station Prehistorique de Rossio do Cabo (Santa Cruz – Estremadura), Porto 1951, separata do Boletim da Sociedade de Geológica de Portugal, Vol. IX (pg. 219-228), 1951;
RODRIGUES, Cecília Travanca, “O Passado Longínquo: da Pré-História à Romanização”, in Torres Vedras – Passado e Presente, vol I, pp. 35 a 60, C.M.T.V., 1996.
RODRIGUES, Cecília Travanca, Reconhecer Leonel Trindade, Cooperativa de Comunicação e Cultura, T. Vedras, 1999 (publica uma vasta bibliografia sobre a arqueologia torriense, com autoria ou coautoria de Leonel Trindade).
VIANA, A. E ZBYSZEWSKI, G., Gruta da Maceira (Vimeiro), Porto 1949, Instituto para a Alta Cultura-Centro de Estudos de Etnologia Peninsular, Porto, separata do fascículo 1-2, vol XII de Trabalhos de Antropologia e Etnologia;
ZILHÃO, João, O Paleolítico Superior da Estremadura Portuguesa, 2 vol., ed. Colibri, Lisboa 1997.
ZILHÃO, João, O Solutrense da Estremadura Portuguesa – uma proposta de interpretação paleoantropológica, IPPC, Lisboa 1987.
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