Completam-se, neste mês de Janeiro, 40 anos passados sobre a edição do fanzine de
Banda Desenhada “Impulso”.
Foi editado no então Liceu de Torres Vedras e foi um dos
primeiros fanzines portugueses, citado em quase todos os livros e textos que
abordam a história da BD e dos fanzines em Portugal.
Na altura apenas se editavam mais quatro fanzines no país, o
“Argon”, que, salvo erro, foi o pioneiro, o “Quadrinhos”, o “Copra” e o “Saga”.
O movimento de fanzines de banda desenhada teve o seu início
em Portugal nos inícios da década de 70 e beneficiou de algum abrandamento da
censura, após o afastamento de Salazar em 1968, que se acentuou após a sua
morte em 1970.
Neles publicavam-se críticas e noticias sobre o mundo da BD,
bem como trabalhos originais de autores portugueses.
Um outro factor que muito contribuiu para o nascimento e
expansão desse movimento foi a divulgação, nas páginas da revista Tintin, do
movimento de fanzines de Banda Desenhada que despoletava na Europa francófona,
muito na senda da afirmação criativa e libertária do pós Maio de 68. Vasco
Granja foi um dos responsáveis pela divulgação dessas edições de tipo
“underground”, quer na secção de notícias daquela revista, quer na sua
colaboração com colunas de informação sobre BD, que começavam a surgir
regularmente em páginas da imprensa nacional, com destaque para o jornal “A
Capital” e o seu suplemento “Quadradinhos”.
Em Janeiro de 1973 editavam-se em Portugal quatro revistas
de BD com edição regular : para além do já citado Tintin, existiam o “Jornal do
Cuto”, o “Jacto” e o “Mundo de Aventuras”.
Por sua vez, na imprensa editavam-se suplementos semanais
colecionáveis de BD. Par além do citado “Quadradinhos”, o jornal “O Século” publicava o “Pim-Pam-Pum”
e o “Diário de Notícias” o “Nau Catrineta”.
O grupo que esteve na origem da edição do Impulso tinha em
comum, para além da amizade pessoal, escolar e de vizinhança, de longa data
entre alguns dos seus membros, o gosto pela leitura de Banda Desenhada e o
desejo de editar aquilo que, de forma por vezes muito naif, cada um de nós ía
fazendo.
Para a edição do Impulso contámos com o apoio do então
reitor do liceu, o Dr. Semedo Touco, homem liberal e compreensivo, e que nos
garantiu, não só o suporte técnico, mas também o suporte financeiro para a
edição desse fanzine, sem nunca ter intervindo nos conteúdos deste.
O fanzine tinha uma tiragem média de 150 exemplares e um
custo de cerca de mil escudos (cinco euros) por edição, dois terços dos quais
eram suportados pela escola e o restante pelas vendas. Inicialmente o “Impulso”
vendia-se ao preço unitário de dois escudos e meio (pouco mais de …um cêntimo),
mas o seu preço foi subindo ao longo do ano, 3$50 a partir do nº3, 5$00 a
partir da 4ª edição.
Pessoalmente já tinha
alguma experiência com a edição de pranchas de BD da minha autoria, incluídas
nas páginas de um jornal escolar desse liceu, O Padrão, editado em 1971,trabalho
que era feito com o recurso ao “stencil a cera”.
Além disso, eu, o meu irmão, o Carlos Ferreira e o seu
irmão, o saudoso Marcos que nos deixou bem cedo, costumávamos fazer revistas de
BD à mão, de um exemplar único.
Para a formação da equipa do Impulso juntámo-nos, não só eu,
o meu irmão Mário Luis e o Carlos Ferreira, mas também outros colegas do liceu,
como o João Nogueira (Janeca), também meu vizinho, o Mário Rui Hipólito, o
Manuel Vilhena, o Calisto, e o José Eduardo Miranda Santos (Zico), este
exterior à escola mas amigo que tinha conhecido pelo Carlos Ferreira e que
possui uma das mais variadas e extensa colecções de álbuns e revistas de BD que todos liamos avidamente.
Conhecemos então dois prometedores autores de BD, o Joaquim Esteves e o Antero
Valério, sem dúvida os que, de todos nós, possuíam melhores qualidade
artísticas. Mais tarde juntaram-se à equipa o Jorge Barata e o António Trindade.
Entretanto começaram a colaborar, nuns casos com textos
sobre BD, noutros com desenhos, outros amigos de outra regiões do país, como
José de Matos-Cruz, e o Carlos Pessoa, de quem me tornaria amigo, o Jorge
Magalhães, o Al Bonjour, o Carlos Nina,
o A. Vilarinho a Maria Clara, alguns deste que nunca conheci pessoalmente.
Do Impulso foram editados 5 números ao longo de 1973, feitos
com a “revolucionária” tecnologia de então , o “stencil electrónico”, existente
no liceu para a feitura dos testes escolares, contando então com a preciosa
colaboração do Emílio Gomes que dominava essa tecnologia e nos ensinou a usá-la.
Como todos nos envolvemos na vida associativa e política em
1974 e 1975, só voltaríamos, e pela última vez, a editar o “Impulso” em 1976,
agora financiado pelo Cine-clube de Torres Vedras. Aliás, em Novembro deste ano
a equipa do Impulso organizou a primeira exposição de BD realizada em Torres
Vedras.
Em Novembro de 1985, desta vez patrocinada pela Cooperativa
de Comunicação e Cultura, alguns elementos da mesma equipa organizaram uma nova
e mais elaborada Exposição de Banda Desenhada, ocasião na qual foi editado um
número único de um novo fanzine torriense de BD, o “Bêdêzine”.
Da equipa do Impulso, apenas o Antero Valério acabou por se
notabilizar como autor de BD, muito activo actualmente com a edição de um blog,
Anterozóide, e uma página do facebook, Facetoons, dedicados à divulgação dos
seus cartoons.
Contudo, quase todos nos fomos encontrando e cruzando ao
longo da vida, reencontrando-nos regularmente nos mais variados projectos culturais torrienses, como o Cineclube, o
jornal Área, a Cooperativa de Comunicação e Cultura, a Associação do
Património, o movimento das rádios locais e, mais recentemente, também na
blogosfera.
Penso que todos nós
aprendemos muito com a experiência efémera da edição do Impulso e crescemos com
este projecto.
Eu tinha então, em Janeiro de 1973, 16 anos, quase 17, e era o mais velho do grupo. Os mais novos
tinham cerca de 11 anos.
Hoje aqui recordamos esse projecto e reproduzimos as capas
dos números editados.
2 comentários:
A simplicidade gráfica das capas reproduzidas na Tintin acrescentava uma aura mítica ao seu pioneirismo. Demorei a conseguir um exemplar, depois conheci três ou quatro números; mas não recordo se o Venerando de Matos me enviou algum a meu pedido ou recebi através doutra pessoa (!).
Cumprimentos.
Parabéns! Um documento que interessa registar para a história da BD. Impressionante a idade dos miúdos, a sua dinâmica e a vontade de fazer…
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