segunda-feira, 20 de abril de 2015

Baquero Moreno e a História Torriense – 2 – As elites torrienses no tempo do regente D. Pedro e da batalha de Alfarrobeira

( a figura do regente D. Pedro reproduzida no Padrão dos Descobrimentos em Belém)

Concluímos hoje um conjunto de dois textos de homenagem ao falecido historiador Humberto Baquero Moreno, onde recordamos a sua importância para a história local torriense.

Desta vez recordamos o seu contributo para nos dar a conhecer os reflexos em Torres Vedras da crise política ocorrida durante a regência de D. Pedro e que culminou dramaticamente na Batalha de Alfarrobeira.

Os dados aqui divulgados foram retirados da sua obra, em dois volumes, “A Batalha de Alfarrobeira – Antecedentes e significado histórico”, editados pela Universidade de Coimbra, respectivamente em 1979 e 1980.

Tudo começou com a morte de D. Duarte, filho de D. João I, que reinou pouco tempo, apenas cinco anos, entre 14 de Agosto de 1433 e 9 de Setembro de 1438.

O herdeiro á coroa, o futuro D. Afonso V, era menor e por isso colocou-se o problema da regência durante a menoridade do rei, questão politicamente importante já que a regência implicava o controle politico do país e da própria educação do futuro monarca.

Enfrentaram-se então duas facções, uma liderada pela rainha viúva D. Leonor, e outra liderada pelo irmão do falecido rei, o infante D. Pedro, facções que, grosso modo, representavam respectivamente uma corrente mais “conservadora” e “senhorial” e outra mais “progressista” e “burguesa”, ou, em termos das opções a tomar em relação ao rumo da expansão, iniciada com a Conquista de Ceuta em 1415, mais “militarista” ou mais “comercial”.

As cortes de Lisboa de 10 de Setembro de 1439 aprovaram a candidatura de D. Pedro às funções de regente, o que implicou o afastamento da rainha víuva.

Significativamente, segundo revela Baquero Moreno, entre as 72 cidades e vilas que comparecem às cortes não está nenhum representante de Torres Vedras, (vol.1 pp.56 e 57) situação que não está esclarecida mas que pode nãos ser estranha ao apoio que as elites locais deviam dar à rainha, já que este concelho era tradicionalmente “terra de rainhas”.

Uma das consequências para quem se colocava no lado errado da história era o confisco de bens e a perda de regalias e cargos, a nível das elites, já que o “povo”, geralmente, vivia  alheado dessas questões.

Baquero Moreno refere vários apoiantes de D.Leonor, ligados a Torres vedras, a quem foram confiscados bens após a tomada do poder, como regente, por D. Pedro:

D. Diogo Gomes de Abreu, “cavaleiro-fidalgo, que foi juiz em Torres Vedras e corregedor do rei [D. Duarte]na comarca da Estremadura” viu serem-lhe confiscados bens móveis e de raíz existentes na vila de T. Vedras, sendo estes doados a Huelxira Duarte “cavaleiro-fidalgo da casa do rei”. (vol 1 p.104).

Voltaria a recuperar mais tarde os seus bens por ter combatido ao lado de D. Afonso V em Alfarrobeira, recuperando também o cargo de Corregedor da Comarca da Estremadura. A partir de 1459 passou a receber uma tença anual de 6 mil “reais brancos”, que acrescentou ao ordenado mensal de 2 mil e cem “reais brancos” que usufruía como cavaleiro da casa real.

Era falecido em 1474, data em que a sua filha Mécia de Abreu “obteve doação de um casal na vila de Torres Vedras”. (vol 2, pp.676 e 677).

Por sua vez, João de Pallos, morador do Turcifal, exilado em Castela, viu serem-lhe confiscados, em Maio de 1443, bens móveis e de raíz existentes no Turcifal, entregues a Leonel de Lima, conselheiro do rei. (vol 1, p.122).

Outros apoiantes da rainha foram presos, como Afonso Dinis, morador em Torres Vedras, conseguindo fugir para Castela, porque “dissera e fizera alguuas cousas contra o Iffante dom Pedro”. (vol 1, p.134).

Um tal Fernão Gonçalves de Miranda, casando-se em Torres Vedras, foi igualmente detido por apoiar a rainha, acabando por conseguir fugir para o norte do país e depois para a Galiza (vol 1, pág. 136). Um escudeiro desse Fernão Gonçalves, João Paulo, seria  perdoado pelo regente em 5 de Maio de 1445 (vol 1, p.182), não seguindo assim o seu senhor.

Houve  outros casos de criados que não seguiram os seus senhores no apoio à rainha, como foi o caso de João Gonçalves, criado de Vasco Martins de Resende, morador em Torres Vedras. Este Vasco de Resende também viu os seus bens confiscados em 20 de Julho de 1443 a favor de Rui Fernandes, escudeiro de D. Pedro, tendo de se exilar em Castela (vol 1, p.113).

Mas nem todos os que foram nomeados pela rainha para exercer cargos em Torres Vedras foram afastados dos seus cargos. Foi o caso de Gil Vasques, que se viu confirmado pelo regente em 19 de Setembro de 1442 no cargo de tabelião da vila de Torres Vedras, para o qual tinha sido nomeado por D. Leonor em 10 de Junho de 1434, bem como noutros cargos que já possuía, como o de contador dos órfãos e de escrivão das ovelhas dos pobres na mesma vila. (vol. 1 p. 138).

O mesmo aconteceu a Vicente Martins, tabelião das terras da vila de Torres Vedras, que tendo obtido o privilégio de D. Leonor de isenção de pagamento de pensão pelo exercício do cargo e viu esse privilégio confirmado por D. Pedro em 24 de Abril de 1422 (vol.1, p. 145).

Também Pero Martins, merceeiro da rainha na vila, nomeado por esta em 7 de Agosto de 1435 foi confirmado no cargo pelo regente em 2 de Maio de 1442 (vol1, p.141).

Outras merceeira da rainha, Maria Afonso, nomeada por ela em 22 de Dezembro de 1433, foi confirmada no cargo pelo regente em 24 de Março de 1442.(vol 1 . p. 142), assim como Isabel Pires e Catarina Eanes, ambas nomeadas por ela naquela mesma data, foram confirmadas no cargo pelo regente , respectivamente em 20 e 21 de Junho de 1442 (vol.1, p 143), não deixando de ser significativo, numa época como aquela, o exercício de cargos públicos por mulheres.

Por sua vez, pelo apoio dado ao regente, foram nomeado para cargos em Torres Vedras, pela primeira vez, Rui Fernandes, criado e escudeiro do infante D. Pedro, para coudel da vila de Torres Vedras(vol 1, pag.278). Além desse cargo, o mesmo Rui Fernandes recebeu vários bens no reino, entre os quais alguns no concelho de Torres Vedras que haviam pertencido a João Gonçalves, exilado em Castela na companhia da Rainha D. Leonor.(vol 1 – p.308).

Em 21 de Julho de 1443 o infante D. Pedro  designou-o  “vedor  dos vassalos  do rei na vila de Torres Vedras “ e termo. Dois anos depois foi nomeado para coudel da dita vila, substituindo  Fernão Álvares de Sarria, que terminou o mandato. Acompanhou D. Pedro em Alfarrobeira, pelo que viu os seus bens confiscados, doados a João Vasques Francês. Conseguiu obter do rei, D. Afonso V, uma carta de perdão em 4 de Agosto de 1451. (vol.2 ,pp. 1037 e 1038).

Durante esta época era alcaide de Torres Vedras Martim Afonso de Miranda “rico-homem do conselho de el-rei”, nomeado para o cargo antes de Alfarrobeira e que seria confirmado no cargo pelo rei D. Afonso V(vol. 1 , pág.417).Era senhor do morgado da Patameira. Tinha estado em Ceuta em 1429 . Inicialmente esteve ao lado de D. Pedro, mas lutou ao lado de D. Afonso V em Alfarrobeira. Por uma carta de perdão de 4 de Fevereiro de 1446, sabe-se que, nesta data, já era alcaide-mor de Torres Vedras. (vol 2 pp. 890 e 891).

Ainda durante a regência de D. Pedro, em 1443, as duas facções até aí em confronto conciliam-se e o infante manteve as suas funções até D. Afonso V atingir a maioridade, o que aconteceu em 9 de Junho de 1448. De forma pacífica D. Pedro larga o poder e entrega-as ao sobrinho. Contudo, na corte desenvolve-se a intriga política para afastar o antigo regente da corte, intriga promovida pelo Duque de Bragança e por outros que tinham estado ao lado da rainha, pelo que D. Pedro resolve retirar-se para o seu ducado de Coimbra. Apesar de ter jurado fidelidade ao rei, este é levado, pela intriga do Duque de Bragança e outros que tinham perdido poder e privilégios durante a regência, a considerar o tio inimigo a eliminar.

No meio de outros episódios que não interessa agora aprofundar, D. Pedro avança com os seus apoiantes de Coimbra para Lisboa e encontra as tropas e os apoiantes do rei em Alfarrobeira, perto de Alverca, onde se dá o recontro armado conhecido por Batalha de Alfarrobeira, em 20 de Maios de 1449. D. Pedro é morto na batalha (ou assassinado, segundo outras versões) e os inimigos do infante consolidam a sua influência e poder junto do rei.

Nesta batalha participaram vários elementos de Torres Vedras, uns ao lado do infante, outros ao lado do rei.

Entre os primeiros estiveram João Pires Diogo, cavaleiro-fidalgo (vol 1, p 432), o já mencionado  Rui Fernandes escudeiro-criado, “vedor dos vassalos da coroa na vila de Torres Vedras” (perdeu os bens e obteve posteriormente, em 4 de agosto de 1451, carta de perdão) (vol.1 p. 442 e 640).

Por sua vez, por estarem  lado de D. Afonso V contra o regente, foram perdoados os seguintes homiziados:

- Fernando Eanes, morador na “Hordasqueira” , no termo de Torres Vedras, perdoado de homicídio na Ordasqueira, por carta de perdão de 2 de Abril de 1450 (vol.1, p.377);

- Rodrigo Eanes, escudeiro de Vasco Martins de Resende, perdoado por homicídio cometido em Torres Vedras, por carta de perdão de 15 de Dezembro de 1452 (vol.1, p. 379).

Consolidado o poder de D. Afonso V, invertem-se agora as situações este concede vários “bens móveis e de raiz confiscados aos partidários  do Infante D. Pedro” como foi o caso de João Vasques Francês, escudeiro do rei, recebeu bens confiscados a Rui Fernandes, escudeiro de D. Pedro, morador em T. Vedras já mencionado em cima, por carta de 20 de Agosto de 1450. (vol.1 p. 602);

Também João Martins , escudeiro do rei Afonso V, morador em T. Vedras, recebeu deste bens confiscados a João Esteves , aposentador de D. Pedro, morador em Alenquer, por carta de 20 de Julho de 1450 (vol. 1, p. 552 e 605).

A memória de D.Pedro, denegrida pelos partidários de D. Afonso V durante o reinado deste (1438-1481), seria recuperado durante o reinado de D. João II que exerceu o poder ainda em vida do pai, em 1477, afastando o Duque de Bragança e matando com as próprias mãos o Duque de Viseu, os representantes das duas casas que mais haviam combatido D. Pedro.


Aqui na região esse período de transição, entre a regência e a coroação de D. João II, seria marcada pela chamada “guerra de bandos”, que trouxe ao de cima as velhas rivalidades das elites locais durante o período da regência de D. Pedro. Mas isto já é outra história à qual talvez voltemos um dia destes.

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