( a figura do regente D. Pedro reproduzida no Padrão dos Descobrimentos em Belém)
Concluímos hoje um conjunto de dois textos de homenagem ao falecido
historiador Humberto Baquero Moreno, onde recordamos a sua importância para a
história local torriense.
Desta vez recordamos o seu contributo para nos dar a conhecer os
reflexos em Torres Vedras da crise política ocorrida durante a regência de D.
Pedro e que culminou dramaticamente na Batalha de Alfarrobeira.
Os dados aqui divulgados foram retirados da sua obra, em dois volumes,
“A Batalha de Alfarrobeira – Antecedentes e significado histórico”, editados
pela Universidade de Coimbra, respectivamente em 1979 e 1980.
Tudo começou com a morte de D. Duarte, filho de D. João I, que reinou
pouco tempo, apenas cinco anos, entre 14 de Agosto de 1433 e 9 de Setembro de
1438.
O herdeiro á coroa, o futuro D. Afonso V, era menor e por isso
colocou-se o problema da regência durante a menoridade do rei, questão
politicamente importante já que a regência implicava o controle politico do
país e da própria educação do futuro monarca.
Enfrentaram-se então duas facções, uma liderada pela rainha viúva D.
Leonor, e outra liderada pelo irmão do falecido rei, o infante D. Pedro,
facções que, grosso modo, representavam respectivamente uma corrente mais
“conservadora” e “senhorial” e outra mais “progressista” e “burguesa”, ou, em
termos das opções a tomar em relação ao rumo da expansão, iniciada com a
Conquista de Ceuta em 1415, mais “militarista” ou mais “comercial”.
As cortes de Lisboa de 10 de Setembro de 1439 aprovaram a candidatura
de D. Pedro às funções de regente, o que implicou o afastamento da rainha
víuva.
Significativamente, segundo revela Baquero Moreno, entre as 72 cidades
e vilas que comparecem às cortes não está nenhum representante de Torres
Vedras, (vol.1 pp.56 e 57) situação que não está esclarecida mas que pode nãos
ser estranha ao apoio que as elites locais deviam dar à rainha, já que este
concelho era tradicionalmente “terra de rainhas”.
Uma das consequências para quem se colocava no lado errado da história
era o confisco de bens e a perda de regalias e cargos, a nível das elites, já
que o “povo”, geralmente, vivia alheado
dessas questões.
Baquero Moreno refere vários apoiantes de D.Leonor, ligados a Torres
vedras, a quem foram confiscados bens após a tomada do poder, como regente, por
D. Pedro:
D. Diogo Gomes de Abreu, “cavaleiro-fidalgo, que foi juiz em Torres
Vedras e corregedor do rei [D. Duarte]na comarca da Estremadura” viu serem-lhe
confiscados bens móveis e de raíz existentes na vila de T. Vedras, sendo estes
doados a Huelxira Duarte “cavaleiro-fidalgo da casa do rei”. (vol 1 p.104).
Voltaria a recuperar mais tarde os seus bens por ter combatido ao lado
de D. Afonso V em Alfarrobeira, recuperando também o cargo de Corregedor da
Comarca da Estremadura. A partir de 1459 passou a receber uma tença anual de 6
mil “reais brancos”, que acrescentou ao ordenado mensal de 2 mil e cem “reais
brancos” que usufruía como cavaleiro da casa real.
Era falecido em 1474, data em que a sua filha Mécia de Abreu “obteve
doação de um casal na vila de Torres Vedras”. (vol 2, pp.676 e 677).
Por sua vez, João de Pallos, morador do Turcifal, exilado em Castela, viu
serem-lhe confiscados, em Maio de 1443, bens móveis e de raíz existentes no
Turcifal, entregues a Leonel de Lima, conselheiro do rei. (vol 1, p.122).
Outros apoiantes da rainha foram presos, como Afonso Dinis, morador em
Torres Vedras, conseguindo fugir para Castela, porque “dissera e fizera alguuas
cousas contra o Iffante dom Pedro”. (vol 1, p.134).
Um tal Fernão Gonçalves de Miranda, casando-se em Torres Vedras, foi
igualmente detido por apoiar a rainha, acabando por conseguir fugir para o
norte do país e depois para a Galiza (vol 1, pág. 136). Um escudeiro desse Fernão Gonçalves, João
Paulo, seria perdoado pelo regente em 5
de Maio de 1445 (vol 1, p.182), não seguindo assim o seu senhor.
Houve outros casos de criados
que não seguiram os seus senhores no apoio à rainha, como foi o caso de João
Gonçalves, criado de Vasco Martins de Resende, morador em Torres Vedras. Este
Vasco de Resende também viu os seus bens confiscados em 20 de Julho de 1443 a
favor de Rui Fernandes, escudeiro de D. Pedro, tendo de se exilar em Castela
(vol 1, p.113).
Mas nem todos os que foram nomeados pela rainha para exercer cargos em
Torres Vedras foram afastados dos seus cargos. Foi o caso de Gil Vasques, que
se viu confirmado pelo regente em 19
de Setembro de 1442 no cargo de tabelião da vila de Torres Vedras, para o qual tinha
sido nomeado por D. Leonor em 10 de Junho de 1434, bem como noutros cargos que
já possuía, como o de contador dos órfãos e de escrivão das ovelhas dos pobres
na mesma vila. (vol. 1 p. 138).
O mesmo aconteceu a Vicente Martins, tabelião das terras da vila de
Torres Vedras, que tendo obtido o privilégio de D. Leonor de isenção de
pagamento de pensão pelo exercício do cargo e viu esse privilégio confirmado
por D. Pedro em 24 de Abril de 1422 (vol.1, p. 145).
Também Pero Martins, merceeiro da rainha na vila, nomeado por esta em 7
de Agosto de 1435 foi confirmado no cargo pelo regente em 2 de Maio de 1442
(vol1, p.141).
Outras merceeira da rainha, Maria Afonso, nomeada por ela em 22 de
Dezembro de 1433, foi confirmada no cargo pelo regente em 24 de Março de
1442.(vol 1 . p. 142), assim como Isabel Pires e Catarina Eanes, ambas nomeadas
por ela naquela mesma data, foram confirmadas no cargo pelo regente ,
respectivamente em 20 e 21 de Junho de 1442 (vol.1, p 143), não deixando de ser
significativo, numa época como aquela, o exercício de cargos públicos por
mulheres.
Por sua vez, pelo apoio dado ao regente, foram nomeado para cargos em
Torres Vedras, pela primeira vez, Rui Fernandes, criado e escudeiro do infante
D. Pedro, para coudel da vila de Torres Vedras(vol 1, pag.278). Além desse
cargo, o mesmo Rui Fernandes recebeu vários bens no reino, entre os quais alguns
no concelho de Torres Vedras que haviam pertencido a João Gonçalves, exilado em
Castela na companhia da Rainha D. Leonor.(vol 1 – p.308).
Em 21 de Julho de 1443 o infante D. Pedro designou-o
“vedor dos vassalos do rei na vila de Torres Vedras “ e termo.
Dois anos depois foi nomeado para coudel da dita vila, substituindo Fernão Álvares de Sarria, que terminou o
mandato. Acompanhou D. Pedro em Alfarrobeira, pelo que viu os seus bens
confiscados, doados a João Vasques Francês. Conseguiu obter do rei, D. Afonso
V, uma carta de perdão em 4 de Agosto de 1451. (vol.2 ,pp. 1037 e 1038).
Durante esta época era alcaide de Torres Vedras Martim Afonso de Miranda
“rico-homem do conselho de el-rei”, nomeado para o cargo antes de Alfarrobeira
e que seria confirmado no cargo pelo rei D. Afonso V(vol. 1 , pág.417).Era
senhor do morgado da Patameira. Tinha estado em Ceuta em 1429 . Inicialmente
esteve ao lado de D. Pedro, mas lutou ao lado de D. Afonso V em Alfarrobeira. Por
uma carta de perdão de 4 de Fevereiro de 1446, sabe-se que, nesta data, já era
alcaide-mor de Torres Vedras. (vol 2 pp. 890 e 891).
Ainda durante a regência de D. Pedro, em 1443, as duas facções até aí
em confronto conciliam-se e o infante manteve as suas funções até D. Afonso V
atingir a maioridade, o que aconteceu em 9 de Junho de 1448. De forma pacífica
D. Pedro larga o poder e entrega-as ao sobrinho. Contudo, na corte
desenvolve-se a intriga política para afastar o antigo regente da corte,
intriga promovida pelo Duque de Bragança e por outros que tinham estado ao lado
da rainha, pelo que D. Pedro resolve retirar-se para o seu ducado de Coimbra.
Apesar de ter jurado fidelidade ao rei, este é levado, pela intriga do Duque de
Bragança e outros que tinham perdido poder e privilégios durante a regência, a
considerar o tio inimigo a eliminar.
No meio de outros episódios que não interessa agora aprofundar, D.
Pedro avança com os seus apoiantes de Coimbra para Lisboa e encontra as tropas
e os apoiantes do rei em Alfarrobeira, perto de Alverca, onde se dá o recontro
armado conhecido por Batalha de Alfarrobeira, em 20 de Maios de 1449. D. Pedro
é morto na batalha (ou assassinado, segundo outras versões) e os inimigos do
infante consolidam a sua influência e poder junto do rei.
Nesta batalha participaram vários elementos de Torres Vedras, uns ao
lado do infante, outros ao lado do rei.
Entre os primeiros estiveram João Pires Diogo, cavaleiro-fidalgo (vol
1, p 432), o já mencionado Rui Fernandes
escudeiro-criado, “vedor dos vassalos da coroa na vila de Torres Vedras”
(perdeu os bens e obteve posteriormente, em 4 de agosto de 1451, carta de
perdão) (vol.1 p. 442 e 640).
Por sua vez, por estarem lado de
D. Afonso V contra o regente, foram perdoados os seguintes homiziados:
- Fernando Eanes, morador na “Hordasqueira” , no termo de Torres
Vedras, perdoado de homicídio na Ordasqueira, por carta de perdão de 2 de Abril
de 1450 (vol.1, p.377);
- Rodrigo Eanes, escudeiro de Vasco Martins de Resende, perdoado por
homicídio cometido em Torres Vedras, por carta de perdão de 15 de Dezembro de
1452 (vol.1, p. 379).
Consolidado o poder de D. Afonso V, invertem-se agora as situações este
concede vários “bens móveis e de raiz confiscados aos partidários do Infante D. Pedro” como foi o caso de João
Vasques Francês, escudeiro do rei, recebeu bens confiscados a Rui Fernandes,
escudeiro de D. Pedro, morador em T. Vedras já mencionado em cima, por carta de
20 de Agosto de 1450. (vol.1 p. 602);
Também João Martins , escudeiro do rei Afonso V, morador em T. Vedras,
recebeu deste bens confiscados a João Esteves , aposentador de D. Pedro,
morador em Alenquer, por carta de 20 de Julho de 1450 (vol. 1, p. 552 e 605).
A memória de D.Pedro, denegrida pelos partidários de D. Afonso V
durante o reinado deste (1438-1481), seria recuperado durante o reinado de D.
João II que exerceu o poder ainda em vida do pai, em 1477, afastando o Duque de
Bragança e matando com as próprias mãos o Duque de Viseu, os representantes das
duas casas que mais haviam combatido D. Pedro.
Aqui na região esse período de transição, entre a regência e a coroação
de D. João II, seria marcada pela chamada “guerra de bandos”, que trouxe ao de
cima as velhas rivalidades das elites locais durante o período da regência de
D. Pedro. Mas isto já é outra história à qual talvez voltemos um dia destes.
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