quinta-feira, 9 de junho de 2011

S: Gonçalo de Lagos, padroeiro de Torres Vedras e da escola com o mesmo nome, recordado em brochura


No contexto do 650.º aniversário do nascimento de Gonçalo e aproximando-se o 600.º aniversário da sua entrada no Convento de Nossa Senhora da Graça de Torres Vedras, o município de Torres Vedras e a Escola 2.3 de São Gonçalo promoveram ontem o lançamento da brochura «S. Gonçalo de Lagos: Patrono da Escola de S. Gonçalo: Torres Vedras»

Esta é a terceira brochura editada pelo município torriense dedicada aos patronos das escolas torrienses (já foram editadas as dedicadas a Madeira Torres e Henriques Nogueira).

Nascido em 1360 na localidade algarvia de Lagos, o mais correctamente designado Beato Gonçalo, era filho de pescadores do atum e desde cedo revelou vocação religiosa, na sua solidariedade para com o pobres, com quem repartia o atum das dornas de seu pai, acto que está ligado aos primeiros milagres que lhe foram atribuídos, pois muitos diziam que, depois de distribuir o peixe, encontravam as barricas sempre cheias, como se delas nada se tivesse retirado.

Certo dia, partiu de barco com uns seus parentes para Lisboa, onde ingressou no Convento da Graça, da ordem dos Eremitas de Santo Agostinho. A sua inteligência tornou-o notado pelos seus superiores que, depois do noviciado, o mandaram frequentar as Escolas Gerais Universitárias, então instaladas próximas daquele mosteiro.

A sua humildade levou-o a recusar doutorar-se em Teologia, preferindo ficar apenas como prégador.

Foi prior do Mosteiro da Graça de Santarém, do Convento de S. Lourenço dos Francos e do Convento da Graça de Lisboa. Finalmente, em 1412, tornou-se Prior do Convento da Graça de Torres Vedras.

Este convento era tão pobre, que o próprio frei Gonçalo “tinha de andar de alforges às costas a pedir esmolas para manter os seus irmãos exercendo, sempre que necessário, outras funções, como as de “porteiro, de cozinheiro e sempre de enfermeiro para auxiliar os doentes, missão de que não prescindia”.A sua cama era “um molho de vides, sem travesseiro nem cobertores, vides que eram renovadas todos os anos pelas colheitas”. Dormia muito pouco e levava o tempo que lhe restava “em oração e penitência”.

“Para uma melhor e mais eficiente evangelização S. Gonçalo sentava-se todos os dias ao pôr do sol à porta do seu convento, por onde passavam os trabalhadores que vinham dos campos e muitos dos que exerciam as suas profissões na vila, para lhes dar conselhos salutares e ensinar-lhes a Doutrina Cristã. A porta do seu convento de Torres Vedras era a sua cátedra (...).”

“Nas suas visitas pelos montes e casas, pedindo auxílio para o seu convento de Torres Vedras, sentava-se nos bancos existentes à porta das residências, certamente em alvenaria, onde aproveitava a oportunidade para ensinar a doutrina cristã e dar bons conselhos, regressando muitas vezes apenas com alguns bocados de pão e pouco mais, mas sempre alegre e contente, dando graças a Deus.

“Diz-se que todos muito se honravam por possuirem os bancos onde o Santo Prior se sentava”.

“Sendo Prior do Convento da Graça de Torres Vedras e realizando-se em 1413 o Capítulo Provincial no seu Convento (...), em face da pobreza da casa viu-se na necessidade de se deslocar a Lisboa a pedir uma esmola ao Arcebispo D. João Escudeiro, seu antigo aluno das primeiras letras. (...) O arcebispo em face de semelhante pedido e de quem o fazia (...), ordenou que lhe dessem tudo o que quisesse, mas S. Gonçalo limitou-se aos pães que os alforges podiam comportar e encheu uma pequena almotolia de azeite e uma borracha de vinho, o que podia conduzir a pé de Lisboa a Torres Vedras.

“E partiu contente, como sempre, dando graças a Deus pelo que tinha obtido do seu grande amigo.

“Porém, o arcebispo enviou-lhe, seguidamente, azémolas carregadas de pão, vinho, carnes, pescado e tudo o que fosse necessário para o funcionamento do Capítulo, ficando o referido prelado edificado com a atitude humilde de S. Gonçalo de Lagos”.

Neste convento viveu os seus últimos anos de vida, aí falecendo em 15 de Outubro de 1422.

Logo após a morte de S. Gonçalo, a nobreza de Torres Vedras instituiu uma confraria que se encarregava de realizar anualmente uma festa em honra do beato, “havendo também nesse dia, uma grande feira” a que vinha gente “de muitas partes do reino; e do Algarve vinham muitos devotos com suas ofertas”.

Após a sua morte, continuaram a ser-lhe atribuídos muitos milagres, correndo veloz a sua fama, pelo que, à “sua sepultura, no Convento da Várzea Grande, (...) ía imensa gente de toda a parte e, como a afluência fosse muita e o presbitério onde o corpo do Santo se encontrava fosse pequeno, perturbando tal afluência a celebração do Santo Sacrifício da Missa, resolveu a comunidade do convento colocar as relíquias de S. Gonçalo dentro de um arco, na capela onde estava sepultado, do lado do Evangelho, “em rico cofre fechado com duas chaves”.

Mas como os fiéis continuavam as visitas à antiga sepultura, “para dela tirarem terra como relíquia, (...) foi forçoso tirar aquela terra para fora do presbitério, para o que fizeram um túmulo pequeno em pedra, com um buraco em um dos topos para os devotos tirarem terra e meterem os pés e os braços doentes”.

Construindo-se no século XVI um novoconvento, foram aqueles restos mortais trasladados para o novo edifício em 5 de Agosto de 1559. O velho túmulo de pedra só seria levado para o novo convento em 1570.

Antes, e por sugestão de D. João II de 26 de Setembro de 1495, a Câmara de Torres elegeu, no dia 13 de Outubro desse ano, o beato Gonçalo como padroeiro e defensor da vila e concelho de Torres Vedras.

Durante o domínio Filipino o culto a S. Gonçalo entrou em declínio, sendo recuperado após a Restauração. Por drcreto do Papa Pio IV, datado de 27 de Março de 1778, Frei Gonçalo seria finalmente beatificado.

( baseado em: J. Fernandes Mascarenhas, Páginas Gonçalinas(...), Vila Real de Santo António, 1979).

O Beato Gonçalo, Precursor da Pedagogia Moderna ?

“(...) Se há faceta da rica e multiforme personalidade de São Gonçalo de Lagos que se evidencie bem nas crónicas da sua vida terrena esta da sua vocação de educador é uma delas; e parece-me (...) que, a par da sua edificante humildade e da sua extrema caridade, é a sua vocação de educador de adultos e crianças o que mais avulta na biografia desta grande figura medieval portuguesa (...).

“Nesse tempo - primeiro quartel do século XV -, o ensino em Portugal, exclusivamente a cargo da Igreja, ministrava-se já em não poucas escolas  (...) e dada a importância política da vila de Torres Vedras nesse tempo, dado  mesmo que o seu mosteiro agostiniano já então era considerado (...) como viveiro de varões ilustres (...) é possível que o povo torriense disfrutasse o privilégio de uma escola paroquial, quem sabe se funcionando no próprio convento de que S. Gonçalo era (...) prior. Em qualquer caso, pelo menos funcionaria já então, na igreja paroquial de Torres Vedras, aquilo que (...) com outro nome, corresponderia ao que hoje chamamos uma Catequese; e em que (...) se ensinaria práticamente quase o mesmo que nas escolas paroquiais, visto ser exactamente pelo Catecismo que se aprendiam as primeiras letras. (...) Os pedagogos quinhentistas, para fazerem a criança pensar, proceder, comportar-se e aprender tal como se homem fosse, tinham de forçá-la por uma disciplina férrea e por vezes brutal, capaz de reprimir tudo o que nela não fosse próprio de um homem (...) capaz de impedir a alegria e o próprio riso, já que a sisudez era uma característica do homem de brios e de saber, e até as simples brincadeiras ou jogos, que são, ao fim e ao cabo, exercício indispensável ao desenvolvimento físico-psíquico do indivíduo e mesmo à formação da personalidade.

“(...) S. Gonçalo de Lagos, que na sua infância possivelmente frequentara a Catequese desta sua terra natal e seguira depois, jovem ainda, estudos escolares em Lisboa (...), se não fora educado e instruído em tais métodos, não os devia pelo menos ignorar ou desconhecer, quando se fez catequista do povo torrense; mas, seriam esses, também os métodos que ele próprio usava no seu ensino, sobretudo no ensino de crianças que absorveu por completo os últimos dez anos da sua vida terrena? (...) Ácerca da actividade educativa de São Gonçalo de Lagos, recolho, sem dificuldade,(...) o seguinte: (...) as suas lições de catequese às crianças eram, como diz um daqueles cronistas,” familiares e acomodadas às suas idades”.

“- Conhecendo que “para as crianças toda a coisa de siso é desgostosa”, ao que afirma outro cronista, “para que não fugissem dele, trazia sempre as mangas do hábito cheias de pedaços de pão e de fruta e de outras coisas com que os pequenos folgavam”.

“- E trazia também, garante outro cronista, “verónicas, contas e registos que ele mesmo debuxava (desenhava) com os meninos, nos retalhos de pergaminho que lhe sobravam dos livros de coro, e dando-lhes esses mimos, porque lhes ansinava depois as orações e devoções (...)”.

“- E as crianças, acrescenta o mesmo cronista, mal o viam na rua, logo (...) se juntavam a brincar com ele, como se fora outro da sua idade, (...) fazendo travessuras, as quais consentia o Servo de Deus(...), sofrendo todas as momices dos meninos, à conta de lhe sofrerem seus sisos e ensino”.

“Nestas poucas palavras (...) está (...) aquilo a que hoje poderiamos chamar o método de ensino de São Gonçalo de Lagos; está também, sem dúvida nenhuma, uma autêntica,(...) “revolução” nos métodos de ensino da sua época .(...)Afinal São Gonçalo de Lagos já opunha a educação pelo amor à educação pelo temor (...)”.

( Antero Nobre, “S. Gonçalo de Lagos, Precursor Medieval dos Pedagogos Modernos”, in Iº Colóquio Gonçalino, Lagos 1962, pp. 84 a 88).

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