quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Primórdios dos movimentos sociais, de base “operária”, em Torres Vedras


Neste breve ensaio pretende-se fazer um breve balanço de alguns movimentos sociais, de cariz “operário” e sindical, registados em Torres Vedras no século XIX e nas primeiras décadas do século XX.

Claro que, para falar em “movimento operário”, é preciso que existam “operários”, isto é, assalariados ligados à actividade industrial.

Acontece que, no concelho, de acordo com vários dados conhecidos (inquéritos indústrias, recenseamentos de população com dados sociais, quer oficias, quer registados em monografias várias, como na parte económica da “Madeira Torres”), a percentagem de população registada como profissional do sector secundário, entre 1817 e 1930, ronda os 10%, ou menos, do total de activos (8,2% em 1817, 9,3% em 1862, 11,9% em 1890, 11% em 1911 e 8,2% em 1930).

Não se conhecendo dados entre 1930 e 1960, só neste último recenseamento a percentagem era ligeiramente superior, 16%, ultrapassando finalmente os 20% em 1970 (23%) e chegando ao seu máximo do século XX em 1981 ( 36,5%), entrando depois em declínio.

Registe-se, contudo, que, pelo menos até 1930, a esmagadora maioria dos profissionais registados no sector secundário deste concelho eram meros artesãos, trabalhando em “micro-empresas” de base familiar, longe das características sociais do “operariado” contemporâneo, base do desenvolvimento dos movimentos sociais de tipo “socialista” e sindical que aqui pretendemos registar.

O Inquérito Industrial de 1881 regista apenas 4 empresas desse ramo no concelho, empregando um total de 16 assalariados (uma média de 4 por empresa). No inquérito camarário de 1913 registam-se 11 estabelecimentos indústrias, empregando 96 “operários”, sendo de registar que a única empresa ligada à indústria metalúrgica empreguava 12 pessoas e uma outra, classificada com da indústria de alimentos”, empregava um total de 14 trabalhadores. Estes números são pouco diferentes dos registados para o concelho no inquérito nacional de 1917, 15 estabelecimentos empregando um total de 99 assalariados, destacando-se, neste caso, a “indústria metalúrgica”, onde 2 empresas empregavam 25 trabalhadores. No inquérito industrial de 1930 esses números já são mais significativos, 68 empresas empregando 230 trabalhadores, 46 empregados nas 7 empresas ligadas à metalurgia e 97 às 41 empresas de fabrico alimentar, apesar de tudo uma média por empresa abaixo dos 10 trabalhadores.

Não serão assim de estranhar os raros registos de lutas sociais, de cariz sindical e operário, ocorridos durante o período abordado, entre a implantação do liberalismo e o início do Estado Novo.

Quase todas as revoltas e movimentações sociais registadas na primeira metade do século XIX, neste concelho, são de base camponesa, lideradas pelas elites locais de pequenos proprietários rurais, pela Igreja ou pela pequena burguesia urbana, revoltas dessas muitas vezes de cariz político (miguelismo, setembrismo, “patuleia”, …), ou contra os impostos (como a “janeirinha” de 1868).

Só nos finais do século XIX se registam as primeiras revoltas com reivindicações salariais e por melhoria de condições de trabalho, despoletadas pelos trabalhadores do caminho-de-ferro, como aconteceu no dia 5 de Maio de 1885 quando “à noite, marchando até à Quinta das Fontainhas”, os operários exigiram o pagamento dos salários em atraso, partindo os vidros dessa quinta onde vivia o engenheiro responsável pelas obras, Abel Marty. O jornal que descreveu essa revolta considerava que “os operários têm tido bastante razão de queixa à pontualidade do pagamento” (1).

Os conflitos sociais provocados por essa situação acabaram, aliás, de forma trágica, pouco menos de um ano depois, com o assassinato daquele engenheiro em 26 de Abril de 1886, na sequência de uma violenta discussão com um alguns operários que lhe exigiam o pagamento do salário em atraso, tema já por nós abordado em crónica anterior.

Data, aliás, desse mesmo ano de 1885 a fundação de uma colectividade de cariz operária, a “Associação de Socorros Mútuos 24 de Julho de 1884”,  fundada em 27 de Dezembro de 1885, tema também por nós tratado noutro estudo.

Não é de estranhar que surja por essa altura, num artigo do jornal “A Voz de Torres Vedras” de 6 de Julho de 1889, intitulado “As Classes”, a primeira referência local à obra e pensamento de Karl Marx, a propósito do qual o articulista se interrogava : “Quem não sente o arruído das classes escravizadas pelo salário, classes que em altos brados reclamam por toda a parte o seu quinhão no banquete social, apresentando-se para tomarem nas suas mãos o destino d’este mundo (…)?”.

Nos finais do século XIX, início do século XX o descontentamento popular e as reivindicações sociais vão ser absorvidos pelo crescente movimento republicano.

Neste concelho, o movimento operário só volta a ter alguma iniciativa autónoma nos anos da Primeira Guerra, devido às dificuldades económicas que atingem principalmente os assalariados, a chamada “questão das subsistência” ( tema que abordámos noutro estudo).

A primeira greve local registada aconteceu nesse ano de  1917, no dia 27 de Fevereiro, uma greve dos operários tanoeiros da viúva de António da Silva.

Ao crescente despertar do incipiente movimento operário local não terá sido estranho à criação do “Núcleo de Propaganda Socialista de Torres Vedras”, criado em Abril de 1917, inaugurando a sede, na Rua Mouzinho de Albuquerque nº 32, em Setembro desse mesmo ano, com a execução do “hino operário A Internacional” (2).

Na sequência dessa iniciativa, o núcleo local do Partido Socialista, liderado localmente pelo marceneiro António Vicente Santos Júnior, concorreu, pela primeira vez,  às eleições autárquicas em Maio de 1919, obtendo 45 votos.

Por outro lado, está por conhecer a influência local e  a sua implantação, nos anos da República, do movimento sindical anarcossindicalista, enquanto a influência local do PCP, fundado em 1921, só comece a ter algum impacto junto dos trabalhadores deste concelho a partir dos finais da década de 1930, situação também já abordado anteriormente.

Sabe-se, contudo, que, quando da publicação da legislação corporativa de 1933, que acabou com a independência do movimento sindical, existiam em Torres Vedras representações da Associação de classe dos caixeiros, do Sindicato único dos operários da Industria e construção civil e do Sindicato único dos metalúrgicos (3).

Ficam assim registadas algumas pistas para quem queira investigar as origens do movimento social de cariz operário e sindical neste concelho.

(1)    – in “Jornal de Torres Vedras” de 7 de Maio de 1885;

(2)    - leiam-se as edições de 5 de Abril e 19 de Julho de 1917 de “A Vinha de Torres Vedras”;

(3)    – leia-se RAMOS, Hélder Ribeiro, A Consolidação do Estado Novo em Torres Vedras – Poder e oposição – 1926/1949, T. Vedras, ed. Colibri/CMTV, 2019.

 

 

 

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Sizandro em Fúria

                         




segunda-feira, 21 de novembro de 2022

TUNA - Histórias de uma associação centenária

 

A Tuna Comercial Torreense é uma associação centenária desde  5 de Abril de 2004.

Com base num rápido  levantamento de fontes sobre a  origem e evolução dessa prestimosa associação local, pretendo neste texto elaborar um primeiro balanço, ainda que incompleto e lacunar, dos principais dados  recolhidos que possam servir para, futuramente, aprofundar e contribuir para um primeiro historial da Tuna.

É do conhecimento público que esta associação foi fundada a partir de uma cisão no interior do “Grémio Artístico-Commercial”, (actual Clube Artístico Comercial), em 1904, oficialmente provocada por divergências sobre a acessibilidade do público às sessões de animatógrafo que então se tinham iniciado no Salão-Teatro desta associação.[1]

Parece-nos, contudo, terem existido também razões políticas por detrás dessa cisão, pois vamos encontrar à frente dos destinos da Tuna, desde o princípio e ao longo de vários anos, algumas das mais destacadas figuras do então embrionário movimento republicano torriense, como José da Silva Carnide, José António Lisboa, Celestino da Silveira Almendro, José Lobo Mendes ou Álvaro Lafaya de Castro.

A Tuna chegou mesmo a actuar durante um banquete de homenagem aos deputados republicanos António José de Almeida, Alexandre Braga, Bernardino Machado e Afonso Costa, realizado no Hotel Natividade, em 14 de Abril de 1907 , tendo de enfrentar a proibição, por parte das autoridades locais, de tocar na estação de caminhos-de-ferro na despedida daquelas personalidades.[2]

Ainda em pleno regime monárquico, no dia 18 de Outubro de 1909, teve lugar no salão da Tuna uma “conferência anti-clerical”, proferida por António Macieira, que veio a ser ministro da Justiça e dos Negócios Estrangeiros em dois dos governos republicanos. Para essa sessão, o “salão encheu-se litteralmente de ouvintes, entre os quaes algumas senhoras”, causando essa conferência “grande enthusiasmo nos assistentes”.[3]

Quando Machado dos Santos, pouco mais de um mês após a proclamação da República, visitou a vila de Torres Vedras, foi na Tuna uma das colectividades onde aquele mais se demorou, sendo proclamado presidente honorário e homenageado com o descerramento de um retrato na sede da Tuna.[4]

Como prova de agradecimento, aquela figura histórica do republicanismo ofereceu à associação uma granada usada na Rotunda no dia 5 de Outubro.

Todos estes dados parecem comprovar a origem republicana desta associação.

Fundada oficialmente no dia 5 de Abril de 1904, no dia 29 desse mês anunciava-se publicamente a organização de “uma tuna composta de empregados de commercio, em número de 25, sob a regência do sr. Joaquim Nicolau Jorge”, tomando o nome “Tuna Commercial Torrense” e entrando “já em ensaios”. [5]

Aquela data fundadora é confirmada na primeira reunião formal da associação que se realizou no dia 6 de Maio de 1904  e que teve lugar numa cassa pertencente ao Grémio Artístico e Comercial.

A esta reunião assistiram todos os sócios da Tuna Comercial Torreense , entre os quais Joaquim Nicolau Jorge “regente da referida Tuna” que propôs, “para melhor andamento e regularidade dos assumptos d’este grupo”, a nomeação de uma direcção, “o que immediatamente se fez, sendo unanimemente aclamados os cidadãos seguintes: Ulpino da Silva, Presidente; António Alves, Secretário; Candido Francisco d’ Avellar, Thezoureiro[6]

Uma das primeiras preocupações dessa nova associação foi encontrar instalações onde pudesse desenvolver as suas actividades.

Só em 1906 foi inaugurada a sua primeira sede, um salão de 1º andar no “edifício do sr. Angelo Custódio Rodrigues, ao fim da rua Dias Neiva”. A inauguração desta sede e a estreia do estandarte da colectividade tiveram lugar no dia 23 de Setembro de 1906, incluindo também  a comemoração, por parte dos empregados de comércio, do 10º aniversário  do encerramento dos estabelecimentos de Torres Vedras ao Domingo e dias santificados, de tarde[7] :

Do programa dessa “Festa dos Caixeiros” e da inauguração da sede da Tuna constava o seguinte:

Ás 4 horas da manhã – alvorada pela Tuna, percorrendo em seguida as principais ruas da villa;

Á 1 hora da tarde, chegará uma deputação de socios da Tuna Commercial de Lisboa com o seu valioso estandarte, que será acompanhado pela Fanfarra União Torrense, desde a estação até á séde da Tuna;

Ás 4 horas da tarde – distribuição de distinctivos á classe dos caixeiros na mesma séde:

Ás 4 e meia – a Tuna com o seu estandarte, irá cumprimentar a auctoridade administrativa, percorrendo em seguida varias ruas da villa.

Ás 5 e meia – será recitada uma poesia allusiva pelo sr. S. H. Gouveia, a qual será distribuida  em seguida por toda a assistência;

Em seguida, distribuição de um bôdo a 60 pobres no salão da Tuna, durante o qual, a mesma sociedade se encontrará tocando o seu novo reportório.

Ás 9 horas da noite – recitará outra poesia allusiva, o sr. F. J. Jeronymo, que será também distribuida profusamente.

A seguir, a Tuna dará começo á “soirée” sendo intervallada por diversos monologos, e a qual terminará por um bonito cotillon, para o qual se estão confeccionando marcas de magnifico effeito[8], tendo a soirée durado até às 5 horas da manhã.[9]

Com a inauguração deste salão a Tuna passou a poder “recreiar os socios (...) promovendo bailes e saraus dramatico-musicaes, bem como” prestar “, sempre que possa, o seu concurso a qualquer festa de caridade”.[10]

Ainda nesse ano a direcção da colectividade propôs-se instituir um “gabinete de leitura”, pelo que solicitou a várias pessoas a oferta de livros, iniciativa que encontrou bom acolhimento.[11]

Nessa sala organizaram-se bailes para os sócios, geralmente intervalados  com cançonetas  e monólogos, actuações da Tuna (incluindo no seu repertório “valsas”, “passe-calle”, “polkas” e “mazurkas[12]), saraus dramático-musicais, execuções musicais ao piano, etc..

Em 1909 foi contratado Artur Rodrigues para, “às 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras dar lições de musica” aos sócios da Tuna e aos seus filhos.[13]

Entre outras iniciativas da Tuna contavam-se os passeios recreativos, destacando-se o que se realizou à praia de Santa Cruz em finais de Outubro de 1908, merecendo uma detalhada reportagem nas páginas da Folha... :

Pouco depois do meio dia [de Segunda-feira 26 de Outubro] dava entrada, tocando, na aprazivel e pittoresca Santa Cruz aquella sociedade que foi recebida com chuveiro de flôres, que gentis senhoras as colonia balnear, lançavam sobre os tunos.

A gentileza da parte das senhoras que alli se encontram a banhos não ficou só por aqui.

Ao parar a tuna no largo principal, as srªs D. Hilda Batoreu e D. Maria Valente distribuiram a todos os tunos graciosos raminhos de flôres que collocaram nas “bastonnières”.

 Ao jantar, que correu animadissimo compareceram aquellas damas, vestidas á moda do Minho, servindo ao “toast” vinhos finos, offerecidos por varios cavalheiros

 Ás 6 horas principiou o concerto no Casino, que se achava vistosamente  ornamentado, o qual durou  até ás 8 horas.

Em seguida teve logar o baile que correu animadamente até ás 11 horas, regressando a Torres a tuna, depois de ter sido novamente obsequiada por uma commissão se senhoras, de que faziam parte D. Suzana Reis e D. Maria Celeste Fonseca, e que lhe offereceu dôces e vinhos finos”.[14]

Em assembleia geral realizada no dia 3 de Janeiro de 1910 decidiu-se  mudar a sede “para o 1º andar  da rua de S. Pedro sobre o estabelecimento dos srs. Trindade e Cª.”.[15]

Ao que parece, essa mudança de instalações ter-se-á ficado a dever aos estragos provocados na primeira sede por uma inundação na véspera de Natal.[16]

A nova sede foi inaugurada no Domingo de Carnaval, 6 de Fevereiro de 1910:

A casa em que se acha agora installada reune todas as condições necessarias para uma collectividade como a Tuna, cujo fim é o recreio dos seus socios.

Alem da elegante sala de baile com palco, tem outras espaçosas salas e gabinetes, que, n’um futuro de prosperidade poderão ser susceptiveis de alargamento.

A sala achava se vistosamente ornamentada devido ao bom gosto do sr. José da Silva Carnide, que foi auxiliado pelo sr. Joaquim Marques Trindade.

No Domingo gordo, depois da Tuna ter executado o seu programma, sob a habil direcção do seu regente, sr. José Candido de Mello, tendo recebido muitas ovações, subiram á scena a comedia em 1 acto, Depois de Velhos e a comedia em 2 actos, Amores de um soldado, original do sr. Thomaz do Nascimento que foi um dos interpretes. Todos os outros amadores que eram os srs. Severino Gouveia, Joaquim Rodrigues , José Barreto, José Canha, Mário de Magalhães e António de Carvalho, fizeram um desempenho que agradou, tendo por isso sido muito applaudidos.

Apoz o espectaculo, foi feita uma chamada á direcção da Tuna, que tem sido incansavel de esforços para o augmento das prosperidades da mesma e a quem se deve a nova instalação. A direcção veio ao proscenio e foi recebida com uma prolongada salva de palmas, depois do que se seguiu um animado baile até de madrugada (...)”.[17]

Contudo, alguns anos mais tarde, lamentava-se “as pequenas dimensões do salão de baile, que mais uma vez se mostrou deficiente para o número dos associados[18]

Respondendo a esta preocupação, a direcção eleita para o ano de 1929 reconhecia que desde há muito tempo "que se tem pensado na construção de um novo salão de baile”, mas apontava a “falta de capital para a realização dêste projecto” como “a principal causa de até hoje se não ter efectuado a sua construção”, prometendo esta nova direcção procurar mais uma vez encarar esse problema.[19]

Ainda nesse ano, numa outra entrevista concedida ao “O Jornal de Torres Vedras”, o então presidente da direcção da Tuna, Emídio Bandeira, anunciava a construção de um grande salão em terreno situado na retaguarda  da seda, pertencente ao comendador Francisco Avelino Nunes de Carvalho, autorizado por este para utilizar com esse fim e cedido pelos arrendatários  João Marques Trindade e Leonel Trindade, tendo-se formado uma comissão composta por Jacinto Rodrigues, Joaquim Vaquinhas, Francisco Jerónimo, António Ferreira, Ernesto José da Costa, Avelino Ferreira, Marques de Carvalho e José Lisboa para angariar fundos para realizar essa obra. [20]

O novo salão, obra arquitectonicamente arrojada e inovadora para a época, foi construído e inaugurado na década de 30.

Os estatutos da Tuna foram  aprovados em Assembleia geral de 25 de Novembro de 1912.

Indicavam-se com finalidades da associação proporcionar “aos sócios e suas famílias o maior número de distracções, como bailes, récitas, jogos que não sejam de parada ou azar e quaisquer divertimentos que possam contribuir para o desenvolvimento da mesma associação”, assim como a criação de “uma biblioteca” e a promoção de “prelecções e conferências artísticas e cientificas ou doutrinárias”, não permitindo, contudo, “conferências políticas, pessoais ou partidárias”.

Sem esquecer a origem social da associação, indicavam-se igualmente como finalidades a discussão de “todas as questões de carácter comercial” e “promover a colocação para os filhos menores dos sócios falecido, quando sem meios de subsistência, encaminhando-os na vida comercial”.

Promovendo desde logo um certo elitismo que se tornou a imagem de marca desta colectividade, os mesmos estatutos defendiam que só podiam ser admitidos como sócios os indivíduos que exercessem  emprego decente, de boa reputação moral e civil” , permitindo à direcção que pudesse “convidar para todas as festas da associação, as senhoras de família em que não haja varões de mais de 17 anos de idade”.[21]

Essa tendência elitista da associação está patente em várias reportagens sobre as suas actividades, como, por exemplo, nas duas seguintes:

Em 1915, referindo-se a uma festa desta colectividade: “Via-se ali uma selecta reunião das famílias mais distintas da terra, e as “toilettes” das senhoras punham um tom realmente chic e de bom gosto no aspecto geral da sala”.[22]

Em 1920: uma referência à Tuna como uma “sociedade com bons elementos de vida e d’uma familiaridade intima entre todos os seus associados[23]

Por ocasião do aniversário da colectividade nesse mesmo ano e da sessão solene para a entrega do novo estandarte da associação, descrevia-se a assistência onde “o chic e apelon” da mesma “se casava num verdadeiro élan com a frescura e beleza das toilettes que damas gentis e galantes envergavam com singular gosto e distinção”. [24]

Esta postura era assumida em entrevista  concedida ao “Gazeta de Torres”, em 1929, pela então recém eleita direcção, indicando como principais característica da Tuna a “escrupulosa selecção de associados” e a “proverbial disciplina que sempre reinou dentro daquela casa”.[25]

Em 1913 uma “commissão composta pelos srs. Luís Gualdino Pereira, Alvaro Augusto Rodrigues e António Alves, exercendo respectivamente os cargos de thesoureiro, secretário e fiscal, resolveram de comum accordo com a direcção d’esta collectividade, reorganisar a Tuna (parte musical), bem como dar começo aos ensaios da parte dramatica”, sendo responsável pela direcção musical o maestro Francisco Xavier de Mello.[26]

Em 18 de Julho de 1920 uma novamente reorganizada Tuna musical, mas ainda sob a direcção daquele maestro, realizava um “sarau musical” de apresentação, onde fez ouvir os “melhores trechos do seu selecto reportorio”. [27]

Na década de 20, no dia de aniversário da colectividade, os recém criados clubes de futebol de Torres Vedras, o Sporting Torrense e o União Torreense, disputaram a Taça 5 de Abril, atribuída pela Tuna[28]

Uma das iniciativas que mais contribuiu par identificar esta colectividade foi a da organização dos bailes de carnaval, tornando-se, com o tempo, a mais prestigiada e cobiçada festa do carnaval de salão em Torres Vedras.

Logo em 1906, ainda sem sede própria, a Tuna organizou, na Terça-feira de Carnaval, uma soirée , no salão do Hotel Natividade, “o qual terminará com um surpreendente  Cotillon”.[29]

 O primeiro carnaval organizado em instalações próprias teve lugar no ano seguinte, na primeira sede da rua Dias Neiva.

Neste carnaval a “sala da Tuna estava enfeitada de festões de cores diversas, vendo-se pelas paredes varias caricaturas e ao fundo uma boneca garridamente vestida.

Na noite de Domingo houve regular animação”, tendo a Tuna executado “todas as peças com a maior correcção, pelo que foi justamente ovacionada.

A parte dramática foi desempenhada pelos amadores Gouveia, Vaquinhas, Avelino, Canha, Magalhães e Alves, nas comedias Um ensaio de Hamlet  e Ideias do sr. Sardinha ,sendotodos muito applaudidos.

Abreu no monologo Ponham os seus chapeus, Tito dos Santos no monologo Um fraco e Arthur Freire na cançoneta Láter...tenho, mostraram as suas aptidões recebendo geraes applausos.

Na Terça-feira o sr. António Alves recitou com muita graça a cançoneta Ui que danxa e a poesia Que desgraça de nariz.

O baile esteve animadissimo e o cotillon terminou às 6 horas da manhã no meio de grande enthusiasmo (...)”.[30]

Foi por ocasião das festas de carnaval de 1910 que se inauguraram as novas instalações, onde se encontra a sede actual, com já tivemos ocasião de ver anteriormente.

Naquela que foi uma das primeiras tentativas de organizar um carnaval de rua , em 1912, a Tuna fez parte da sua comissão organizadora, conjuntamente  com o “Grémio”, o “Casino” , o “Salão-avenida animatographo” e a “Filarmónica Torrense”[31].

O aparecimento na Tuna, na Terça-feira de Entrudo de 1922, de vários mascarados que a partir daí foram percorrer as outras colectividades da vila[32], esteve na origem do primeiro Carnaval de rua que se realizou no ano seguinte, já com o primeiro rei do Carnaval.

Nestas breves linhas procurou-se apenas efectuar um primeiro balanço de alguns dos momentos e de algumas das características mais importantes desta colectividade.


[1] Cem Anos de Vida, ed. do Clube Artístico Comercial, T. Vedras, 1991, pág. 41.

[2] Ver Folha de Torres Vedras de 14, 21 e 28 de Abril de 1907.

[3] Folha de Torres Vedras de 24 de Outubro de 1909.

[4] Folha de Torres Vedras de 13 de Novembro de 1910.

[5] Folha de Torres Vedras de 29 de Abril de 1904.

[6] Livro de “Actas da Tuna Commercial Torreense” (direcção), acta nº1 de 6 de Maio de 1904.

[7] Folha de Torres Vedras de 8 de Julho de 1906.

[8] Folha de Torres Vedras de 16 de Setembro de 1906.

[9] Folha de Torres Vedras de 30 de Setembro de 1906.

[10] Folha de Torres Vedras de 8 de Julho de 1906.

[11] Folha de Torres Vedras de 21 de Julho de 1907.

[12] Folha de Torres Vedras de 20 de Janeiro de 1907.

[13] Folha de Torres Vedras de 18 de Julho de 1909.

[14] Folha de Torres Vedras de 1 de Novembro de 1908.

[15] Folha de Torres Vedras de 9 de Janeiro de 1910.

[16] CARVALHO, Adão de “Recordando...Dois incêndios na cidade”, in Badaladas de 17 de Março de 1995.

[17] Folha de Torres Vedras de 13 de Fevereiro de 1910.

[18] O Torreense de 18 de Abril de 1920.

[19] Gazeta de Torres de 6 de Janeiro de 1929.

[20] O Jornal de Torres Vedras de 3 de Maio de 1929.

[21] Estatutos da Tuna Comercial Torreense –aprovados em Assembleia Geral de 25 de Novembro de 1912, ed. tip. A União, T. Vedras, 1960, em especial os capítulos I, II e VII.

[22] Folha de Torres Vedras de 4 de Fevereiro de 1912.

[23] A Vinha de Torres Vedras de 29 de Maio de 1915

[24] O Torreense de 18 de Abril de 1920.

[25] Gazeta de Torres de 6 de Janeiro de 1929.

[26] A Vinha de Torres Vedras de 11 de Setembro de 1913.

[27] O Torrense de 17 de Julhode 1921.

[28] O Torrense de 2 de Abril de 1922

[29] In Convite para o Carnaval de 1906 –Tuna Commercial Torrense.

[30] Folha de Torres Vedras de 17 de Fevereiro de 1907.

[31] Folha de Torres Vedras de 11 e 22 de Fevereiro de 1912.

[32] O Torrense, 5 de Março de 1922.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Termas dos Cucos - Uma reportagem na RTP 1


Foi na passada 3ª feira, 11 de Outubro, que a RTP incluiu no seu programa da tarde, uma curta reportagem sobre as Termas dos Cucos e que podem ver aqui:

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

“Apontamentos” para a História da Banda Desenhada em Torres Vedras

(proposta de capa, inédita, para o fanzine torriense Impulso)

A história da Banda Desenhada em Torres Vedras ainda está por fazer, pelo que registamos aqui apenas um breve apontamento que possa servir de base para que, futuramente, a  história da 9ª arte nesta cidade possa ser feita.

Convém, em primeiro lugar, que não se confunda a Banda Desenhada com o cartoon e a caricatura, nem mesmo com o cinema de animação, embora seja um “primo” próximo destas artes.

Em Torres Vedras existe uma boa tradição de caricaturistas e cartoonistas, pelo menos desde a edição do semanário humorístico “A Laracha”, editado pela primeira vez em 20 de Janeiro de 1929, do qual se editaram 10 números, onde aparecia uma caricatura por edição, a maior parte da autoria de Amílcar (Guerreiro), outras, em menor número, de Cruz Martins e de um tal Jacques.

Também o Carnaval de Torres foi um dos palcos onde se manifestou a veia artística, com recurso a caricaturas e cartoon´s, de muitos artistas torrienses, ao longo dos tempos, principalmente nos muitos folhetos de promoção dessa festa, tradição essa que conheceu o seu auge com a publicação da revista “O Barrete”, a partir de 1996.

Foi em 1996 se surgiu a primeira edição dessa revista independente do Carnaval de Torres Vedras, como alternativa à revista oficial e na sequência de um acto de censura sobre um carro de Carnaval num dos anos anteriores, da autoria da Associação de Defesa do Património e do Espeleo Clube de Torres Vedras e financiada pela RadioOeste.

Coube a estas duas associações o lançamento dessa revista, com uma tiragem de mil exemplares, impressa na Sogratol, uma revista de humor  com textos, banda desenhada e cartoon´s da autoria de vários autores locais que foram passando, com maior ou menor regularidade, pelas páginas dessa revista.

Foram fundadores Antero Valério, Daniel Abreu, José Afonso Torres, Jorge Delmar, José Eduardo Santos, Jorge Humberto Nogueira, José Pedro Sobreiro, Luís Fortes e Valdemar Neves, aos quais se deve juntar o trabalho do Carlos Ferreira, não referido nessa primeira edição, mas que foi um dos principais responsáveis pelo trabalho de sapa que está por detrás da construção de um projecto com este.

Aos fundadores foram-se juntando outros autores, ao mesmo tempo que alguns dos fundadores íam ficando pelo caminho.

Na última edição, a 19ª,  no ano de 2015 mantinham-se o Antero Valério, o Carlos Ferreira, o Jorge Delmar, o José Eduardo Santos e o José Pedro Sobreiro.

Joaquim Moedas Duarte (desde 2004), Joaquim Ribeiro (desde 2013), Luís Fili Rodrigues (desde 2005), Manuela Catarino (desde 2009) e Sérgio Tovar ( desde 2004) completam a equipa desta última edição.

A revista não foi publicada em 2001 e, em 2010, passou a ser patrocinada pela Promotorres. Desde 2011, a até 2015, foi editada apenas pela Associação do Património.

Para além dos nomes citados foram muitos os autores que passaram pelas suas páginas, com destaque para João Sarzedas (2006-2013),  Jaime Umbelino (1997-1999) ou José Almendro (1998-2007).

Colaboraram ainda, irregularmente, por vezes apenas numa ou duas edições,  a Ana Palma, o Carlos Bartolomeu, o Jordão Pereira, o Jorge Ralha, o João Camilo, o Vitor Alexandre, o Carlos Carneiro, o José Sanina, o Marcos Ferreira, o Venerando António, o Nuno  Raimundo, o Fernando Miguel, o Rui Matoso e o Tiago Ferreira.

(ver reprodução de todas as capas do Barrete AQUI)

Recentemente, um caricaturista torriense dessa revista, o professor José Sanina, viu uma caricatura sua selecionada para o World Press Cartoon de 2022.

Cartoon de José Sanina no World Press Cartoon 2022, Caldas da Rainha

Mas aqui estamos no domínio da caricatura e do cartoon, quando é da BD que pretendemos falar.

O que diferencia a BD do simples cartoon é a dinâmica da sua narrativa, numa sequência de imagens (fixas e bidimensionais, o que, por sua vez, a distingue do desenho animado), onde a fala dos personagens é representado dentro de um “balão” ou filoctera.

Embora chegassem regularmente a Torres Vedras alguns dos grandes títulos históricos da divulgação de BD, como o “Mosquito” (1936-1953), o “Diabrete” (1941-1951), ou o “Cavaleiro Andante” (1952-1962), entre muitas outras revistas de quiosque,  juntamente com as excelentes páginas dominicais do Primeiro de Janeiro (1948-1995), e quase todos os jornais publicassem diariamente “tirinhas” de BD, sem esquecer os suplementos como a  “Nau Catrineta” no Diário de Notícias (1964-1974) ou o “Pim-Pam-Pum” no Século (1925-1977), não encontramos qualquer BD publicada localmente ou por autores locais, antes dos anos 70.

Podemos referir uma única excepção, a publicação de umas “tirinhas”, com  as características gráficas da BD e o uso de balões, mas de tipo publicitário, da Casa Hipólito, no jornal do “Torreense” e no “Badaladas”, na década de 1950.

Tirinha publicitária à Casa Hipólito, de entre várias, publicada na década de 1950 na imprensa local (Jornal do Torreense e Badaladas)

Foi o aparecimento em Portugal da revista Tintin, em 1 de Junho de 1968, que contribui para o crescente entusiasmo do alguns jovens torrienses pela Banda Desenhada, tentando imitar o que liam produzindo “revistas” caseiras de exemplar único, dadas a ler à família.

Na edição portuguesa do “TinTin” destacou-se Vasco Granja como divulgador de uma nova forma de editar autores desconhecidos, ou que procuravam dar a conhecer as suas “obras”, entre o naif e o criativo, a edição de “fanzines”, situação facilitadas por novos processos tipográficos, mais simples e baratos, como o stencil, primeiro a álcool, com uma maquete em cera, depois electrónico.

o primeiro fanzine português

Essa técnica foi muito divulgada nas escolas, para reproduzir testes, e acabou por ser aproveitado para elaborar jornais escolares, onde se tornava possível a divulgação de Bandas Desenhadas amadoras.

Foi o que aconteceu em Janeiro/Fevereiro de  1971, no Liceu de Torres Vedras, com a publicação do jornal “O Padrão”, editado pelo “núcleo de jornalismo do Liceu Nacional D. Pedro V – secção de Torres Vedras”, ligado à Mocidade Portuguesa, o qual, nas duas primeiras edições, incluiu um suplemento, “O Padrão Ilustrado”, onde saíram 4 pranchas das “Aventuras de João Alfredo”, intitulando-se essa primeira, única e incompleta aventura “O Assalto ao Banco Nacional”, da autoria de Vaam.


Entretanto, nesse mesmo Liceu, cruzaram-se  vários entusiastas da revista TinTin e da BD, que seguiam com atenção o crescente movimento de fanzines.

Em 1972 surgiu o primeiro fanzine português de BD, o Argon e, em 6 de Janeiro de 1973, nascia o fanzine “Impulso”, editado pelo Liceu de Torres Vedras, usando a técnica do stencil electrónico, recorrendo aos recursos técnicos da escola para a reprodução de testes.

Expansão dos fanzines em Portugal deveu-se também a um certo abrandamento da censura, fruto da chamada “primavera marcelista”.

Quando da edição do Impulso apenas se editavam mais 4 fanzines em Portugal, para além do pioneiro “Argon”, editavam-se o “Quadrinhos”, o “Copra” e o “Saga”.

Neles publicavam-se críticas e noticias sobre o mundo da BD, bem como trabalhos originais de autores portugueses.

Em Janeiro de 1973 editavam-se em Portugal quatro revistas de BD com edição regular : para além do já citado Tintin, existiam o “Jornal do Cuto”, o “Jacto” e o “Mundo de Aventuras”.

Por sua vez, na imprensa editavam-se suplementos semanais colecionáveis de BD, como os citado “Quadradinhos”, “Pim-Pam-Pum” e “Nau Catrineta”.

O grupo que esteve na origem da edição do Impulso tinha em comum, para além da amizade pessoal, escolar e de vizinhança, de longa data entre alguns dos seus membros, o gosto pela leitura de Banda Desenhada e o desejo de editar aquilo que, de forma por vezes muito naif, cada um de nós ía fazendo.

A edição do “Impulso” contou com o apoio do então reitor do liceu, o Dr. Semedo Touco, homem liberal e compreensivo, e que nos garantiu, não só o suporte técnico, mas também o suporte financeiro para a edição desse fanzine, sem nunca ter intervindo nos conteúdos deste.

O fanzine tinha uma tiragem média de 150 exemplares e um custo de cerca de mil escudos (cinco euros) por edição, dois terços dos quais eram suportados pela escola e o restante pelas vendas. Inicialmente o “Impulso” vendia-se ao preço unitário de dois escudos e meio (pouco mais de …um cêntimo), mas o seu preço foi subindo ao longo do ano, 3$50 a partir do nº3, 5$00 a partir da 4ª edição.

Fizeram parte da equipa do “Impulso” o Vaam, o seu irmão Mário Luis, o Carlos Ferreira, o João Nogueira (Janeca), o Mário Rui Hipólito, o Manuel Vilhena, o Calisto,  o José Eduardo Miranda Santos (Zico), este exterior à escola mas amigo dos restantes, e que possui uma das mais variadas e extensa colecções de álbuns  e revistas de BD que todos liam avidamente.

Ao grupo de vizinhos e amigos de longa data, juntaram-se dois prometedores autores de BD, o Joaquim Esteves e o Antero Valério, sem dúvida os que, de todos nós, possuíam melhores qualidade artísticas. Mais tarde juntaram-se à equipa o Jorge Barata e o António Trindade.

O Carlos Caetano também andou com o grupo, mas acabou por não integrar a colaboração.

 Entretanto começaram a colaborar, nuns casos com textos sobre BD, noutros com desenhos, outros amigos de outra regiões do país, como o José de Matos-Cruz,  o Carlos Pessoa, o Jorge Magalhães, o Al Bonjour,  o Carlos Nina, o A. Vilarinho e a Maria Clara.

Alguns membros do Impulso, num encontro na década de 90 do século XX. Da esquerda para a direita, Joaquim Esteves, João Nogueira, Antero Valério, Vaam, e Mário Rui Hipólito

Encontro de "fanzinistas" torrienses, do Impulso, do Aleph e do BêDêzine, em 2014 [Da esquerda para a direita, de baixo para cima: no primeiro degrau, de casaco vermelho, o Mário Rui Hipólito, ao lado o Vaam, no segundo degrau, de óculos, o José Manuel Bastos, o José Eduardo Sapateiro (Zico) e, de camisa branca, o Calisto Ferreira. Atrás, de barbas brancas, o Joaquim Esteves e o Fernando Sarzedas e, sentado ao lado deste, o Mário Luís Matos. Depois, de pé, de camisola às riscas vermelhas, o Emílio Gomes, o Antero Valério e o Carlos Ferreira. Ao lado destes, sentado, o Manuel Vilhena e, de camisola verde, encostado à parede, o João Nogueira (Janeca)] (ver mais AQUI)

Do Impulso foram editados 5 números ao longo de 1973, feitos com a “revolucionária” tecnologia de então , o “stencil electrónico”, existente no liceu para a feitura dos testes escolares, contando então com a preciosa colaboração do Emílio Gomes que dominava essa tecnologia e ensinou a todos o seu uso.

Como todos se envolveram na vida associativa e política em 1974 e 1975, só voltaram, e pela última vez, a editar o “Impulso” em 1976, agora financiado pelo Cine-clube de Torres Vedras.

Refira-se ainda que, em finais de Outubro de 1976, a equipa do Impulso organizou a primeira exposição de BD realizada em Torres Vedras e uma das primeiras no país, integrada no 8º Encontro Nacional de Cine-Clubes.

Em Janeiro de 1973, o mais velho do grupo tinha 16 anos, quase 17,  e os mais novos tinham cerca de 11 anos.

(Ver mais sobre o Impulso AQUI).

Nas suas páginas surgiu também a primeira entrevista conhecida com Vasco Granja, dirigida pelo “Zico”, e que gerou alguma polémica com o fanzine “Aleph”.

Caricatura do grupo do Impulso publicada no Aleph, da autoria de João Sarzedas.


Da equipa do Impulso, apenas o Antero Valério acabou por se notabilizar como autor de BD, muito activo com a edição de um blog  Anterozóide, e, actualmente com  uma página do facebook, Facetoons, dedicados à divulgação dos seus cartoons.

Em Novembro de 2008 o Antero Valério editou o livro de cartoon´s e banda desenhada “Como se tornar um docentezeco”, reunindo a sua abordagem critica à acção da ministra da educação Maria de Lurdes Rodrigues, cartoon´s que mereceram reprodução em cartazes de manifestações de professores realizadas nessa época.


Em Fevereiro de 2022 o mesmo Antero Valério editou "Diário de uma Matrafona".

Em 1985, desta vez patrocinada pela Cooperativa de Comunicação e Cultura, alguns elementos da mesma equipa organizaram uma nova e mais elaborada Exposição de Banda Desenhada, com  a pomposa designação de  1º Salão de Banda Desenhada de Torres Vedras, realizado  entre 14 e 22 de Dezembro desse ano.

Nessa ocasião foi editado um número único de um novo fanzine torriense de BD, o “Bêdêzine”, editado pela Cooperativa de Comunicação e Cultura.

Esse número foi organizado pelo Vaam, pelo Esteves, pelo Antero e pelos irmãos Sarzedas, João e Fernando, estes dois ligados também ao movimento dos fanzines, no “Aleph”, e contou com a publicação de trabalhos originais da autoria de "Ruca" (Rui Cardoso), autor da Azambuja, ligado ao fanzine "Rumo", Humberto Leonardo, autor natural da Encarnação de Mafra, do torriense José de Sousa Bastos e do Antero.
Alguns dos responsáveis pelo "BêDêzine" e pelo "Salão de BD de T. Vedras de 1985. Da esquerda para a direita, Vaam, Jorge Delmar (Quinha), Joaquim Esteves e João Sarzedas.
Imagem de uma das salas do Salão de BD, nas primeiras intalações da CCC, Galeria Nova, no Convento da Graça.

José Basto publicava, nesse ano de 1985, uma BD humorística no suplemento “Espaço Novo” do jornal “Badaladas”.

A capa desse número Zero do “BêDêzine” foi da autoria do consagrado autor nacional Arlindo Fagundes e contou ainda com a colaboração de um histórico da BD nacional, o José Ruy, este com um texto sobre a condição de autor de BD em Portugal e um desenho original .

Uma pequena menção a João Sarzedas, nascido em Lisboa em 9 de Fevereiro de 1943, mas que se estabeleceu profissionalmente em Torres Vedras em 1979, falecendo em 27 de Julho de 2013.

Com o seu irmão Fernando, colaborou activamente como cartoonista e autor de BD nos dois primeiros números do fanzine Aleph, editados ainda antes do 25 de Abril, respectivamente em Julho de 1973 e Março de 1974.

Era um apaixonado pela Banda Desenhada e pelo cartoon, artes que desenvolveu ao longo da sua vida, dedicando-se profissionalmente às artes gráficas.

Ainda antes do 25 de Abril, e no período imediatamente a seguir, colaborou em várias outras publicações, como o Jornal do Exército, ou no famoso suplemento humorístico do Diário de Lisboa, "A Mosca", e numa revista feminina liderada por jornalistas como Helena Neves e Fernando Dacosta.

Em Abril de 1974 editou o seu primeiro livro de banda desenhada, “Luz Verde Para Tuntas”.

Motivos profissionais levaram-no a estabelecer-se em Torres Vedras em 1979, onde criou um atelier de serigrafia e de venda de artesanato gráfico da sua autoria, "Boom Serigrafia".

Em Torres Vedras continuou a dedicar-se à sua actividade preferida, o cartoon e a Banda Desenhada, que repartiu como outra paixão sua, a actividade policiária e charadista, sendo membro da Associação Policiarista, tendo realizado várias ilustrações e mais de 50 capas do orgão oficial daquela associação, "Célula Cinzenta".

Foi colaborador nos jornais Badaladas e Frente Oeste, fez parte da organização da já mencionado Exposição de Banda Desenhada de Torres Vedras, realizada em finais de 1985, e co-responsável pela edição do fanzine “BêDêzine”.

Foi contudo na já mencionada revista “O Barrete” que evidenciou todas as suas qualidades enquanto cartoonista e autor de Banda Desenhada.

Vítima de doença prolongada, ainda teve tempo para deixar pronto o livro de cartoon´ intitulado "Sorria com Eólicos na Paisagem" é editado a título póstumo em 7 de Fevereiro de 2015, que tem como temática uma realidade muito marcante na zona oeste, a profusão de moinhos eólicos, numa região com uma longa tradição de moinhos e azenhas para moer o trigo.

edição a título póstumo do último projecto de João Sarzedas

A arte de João Sarzedas, a sua simplicidade e irreverência, sem cedências à sociedade de consumo e profundo respeito pela cultura local, marcaram profundamente todos aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer e com ele conviver.

Recorde-se ainda que, entre 20 de Junho de 1975 e o início de 1976, se publicou, durante cerca de 30 semanas, uma série de “tirinhas” de Banda Desenhada, nas páginas do jornal local de Torres Vedras "Oeste Democrático", intitulada “Rei Minimus” da autoria de Vaam.

Também o jornal “Área” publicou, regularmente, em 1979, uma BD da autoria de Jorge Delmar, com argumento de Mário Luís Matos.

Regularmente, a partir dessa década de 1970, encontram-se várias bandas desenhadas em jornais escolares editados pelas escolas locais.

Recorde-se ainda que, em 2008, a Banda Desenhada foi o tema escolhido para o Carnaval de Torres Vedras desse ano:





Recentemente editaram-se dois álbuns de BD de autores torrienses ou por cá radicados, como “As Aventuras do Matame – o super-herói do carnaval torreense”, com argumento de Fred Zombie, personagens de David Cara-Nova e desenhos de Filipe Branco, e “Homo-Inventor – Quando o Homem se Pôs a Inventar”, da autoria de um professor de português numa escola torriense, Lança Guerreiro, consagrado autor da nova geração de autores portugueses, uma edição da Escorpião Azul, editora da Lourinhã, de Outubro de 2019.




Existe assim uma tradição de autores e amadores  de BD em Torres Vedras, e seria interessante criar uma bebeteca nesta cidade, integrada num dos vários espaços já existentes,, aproveitando muitas colecções privadas existentes em Torres Vedras, uma delas, uma das melhores a nível nacional, na posse dos herdeiros do grande colecionados, já falecido, sr. Aurélio Lousada (ver AQUI, reportagem sobre esse espólio).

Seria igualmente interessante comemorar o cinquentenário do fanzine Impulso, em 2023, com a reactivação da organização regular de “Exposições”, “Encontros” ou salões de BD.