quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Um colóquio da SEDES em Torres Vedras em 1973: à vigilância da PIDE, nem a SEDES escapava:


 Informação da Legião Portuguesa à PIDE-DGS, relativa a colóquio da SEDES em Torres Vedras. A informação faz referência à presença de Magalhães Mota. Fonte: ANTT, Legião Portuguesa.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

…era o Vinho! (breve evocação da produção vinícola na história torriense

 


A história de Torres Vedras é transversal à história da produção de vinho.

Contudo, não existe nenhuma monografia aprofundada e diacrónica sobre a história do vinho nesta região, apesar de muitas referência e estudos de tipo conjuntural.

Com este texto procuramos elaborar uma pequena síntese que, quem sabe, possa servir de base para uma história do impacto da produção vinícola na região de Torres Vedras.

Não se conhecendo quando é que esse produto foi introduzido na região ou se existia em estado selvagem, existem vestígio de videiras por altura da época de ocupação do Castro do Zambujal (c.2500 a 1700 aC.), como é referido por Margarethe Upermann  (UERPMANN, Margarethe, “A indústria da pedra lascada do Zambujal”, in KUNST, Michael (coord.), Origens, Estruturas e Relações das Culturas Calcolíticas da Península Ibérica, Actas das I Jornadas Arqueológicas de Torres Vedras, 3-5 Abril 1987, Trabalhos de Arqueologia 7, IPPAA, Lisboa 1995, pp.37-44).

Também Ana Arruda refere que a população indígena da região de Torres Vedras consumia vinho importado da Fenícia, durante a chamada Idade do Ferro europeia, no século VIII a.C (ARRUDA, Ana Maria, “O comércio fenício”, in História de Portugal – Dos Tempos Pré-Históricos aos Nossos Dias, dir. João Medina, 2º Vol, pp.17 a 34, Ediclube, 1993).

Contudo, em ambas as épocas referidas, se existem evidências de consumo, não existem provas de produção local.

Ao que parece, a produção local de vinho terá conhecido um grane incremento comercial durante a ocupação romana, e está na base da existência, nesta região, de várias villae, uma espécie de “quintas”, que abasteciam Olisipo, através de uma rede viária com alguma dimensão.

Contudo, é preciso esperar pelo foral de 1250 para encontrarmos a primeira referência documental à produção de vinho local:

“Aquele que arrombar o relego do vinho, e vender o vinho no seu relego, e provada a infracção (…) pague cinco soldos. E se for achado de novo em falta pela terceira vez, (…), todo o vinho seja entornado e os arcos dos tonéis sejam cortados. Do vinho de fora dêem um almude por cada carga e o outro seja vendido no relego”.

Pouco depois, surge o mais antigo documento conhecido que nos permite analisar, com algum rigor, a importância produtiva e a localização no concelho da produção vinícola na Idade Média, documento de 1309 ( Este documento foi publicado, analisado e divulgado por aqueles que se têm dedicado ao estudo da Idade Média em Torres Vedras: Félix Lopes, John Jonhson, Manuel Clemente, Manuela Catarino, Ana Maria Rodrigues, Carlos Guardado Silva…).

Pelos dados desse documento, calcula-se que o vinho, sendo produto importante, representava pouco mais de 30% do total dos produtos agrícolas produzidos no concelho, dominando a produção de cereis.

O Clero (com mais de 6 mil almudes) e a nobreza (com quase 5 mil almudes) dominavam a produção do vinho local (num total, nesse ano, de cerca de 16 mil almudes).

A zona do concelho onde se concentrava a maior parte da produção do vinho era no vale do Sizandro, principalmente o sudeste, na região entre Dois Portos e a Ribeira de Pedrulhos, estendendo-se para o Barro e a Orjariça, até ao Turcifal. As aldeias do Varatojo, Turcifal, Ribaldeira e Ribeira de Manjapão concentravam cerca de 20% de toda a produção vinícola.

Com a excepção desse documento, é muito escassa e dispersa a documentação existente sobre esse tipo de produção neste concelho.

De referir, no foral manuelino de Torres Vedras, doado em 1510, o destaque à produção de vinho, como se revela pela importância dada ao relego real, cuja venda tinha lugar privilegiado nos três primeiros meses do ano e cujo desrespeito motivava algumas das mais pesadas penas estabelecidas nesse foral, demonstrando a importância e o valor que o vinho da região começava a ter.

A abundância de vinho nesta região é referida em 1589, quando o  exército anglo-luso, onde se encontrava D. António Prior do Crato,  entrando em Torres Vedras, a caminho de Lisboa, com o objectivo de restaurar o trono português, aqui se demorou mais do que o necessário, porque muitos dos soldados “se embebedarão, por aver muito vinho nesta villa”. Beberam em tal excesso que muitos adoeceram e alguns chegaram mesmo a morrer, incidente que provocou um atraso no avanço dos Ingleses sobre Lisboa, dando tempo às tropas luso-castelhanas, que defendiam a capital, de se prepararem para a chegada dos apoiantes de D. António.

O  desenvolvimento da expansão portuguesa ao longo do século XVI parece ter contribuído para o crescimento da importância comercial da produção do vinho desta região, como o atesta Duarte Nunes de Leão, na sua obra datada de 1599 : “par carrego sam infiniros os vinhos que da Santarem, Alenquer e Torres Vedras e seu grande termo”, os quais “com os de Lamego e Monção poderiam bastecer um reino deixando à parte os que se dam na Beira”.

A meio do século XVII também Rodrigo Mendez da Silva  anotava a abundância, na vila de Torres Vedras, por ordem de importência, de “pan, vino, azeyte, ganados [gado] y cazas [caça]”

As qualidades do vinho Torrienses foram igualmente gabado no principio de “setecentos”  por António Carvalho da Costa, indicando que “esta villa” de Torres Vedras, para além de ser “abundante de excelente trigo, frutas, gado, caça & vinho”, “lavra mais de seis mil pipas” de vinho “que vão para a Índia, por serem de grande substancia para passarem os mares”.

É igualmente no século XVIII, a partir de 1723, que o preço do vinho passa a ser regular e anualmente taxado nos acórdãos camarários, juntamente  com o trigo, a cevada, o milho e o azeite.

Contudo, na segunda metade desse século, durante o governo do Marquês de Pombal, a sua produção vai conhecer um período de incerteza, quando dois alvarás, um datado de 20 de Outubro de 1765 outro de 8 de Fevreiro de 1766, ordenam o arranque de vinhas, um pouco por todo o país, com o objectivo de libertar terras para o cultivo de “pão”, mas que visava, na realidade a produção do Douro. No primeiro desses alvarás a região de Torres Vedras, entre foi excluída dessa decisão, mas, no segundo, as terras cultivadas com vinhas neste concelho passam a ser consideradas impróprias para o seu cultivo.

Ao que parece, esta segunda decisão ficou sem efeito, pois, segundo Veríssimo Serrão, nesse ano de 1766 a coroa determinou “que se fizesse destinção no preço dos vinhos, de modo a não prejudicar a qualidade do fino tinto produzido no Alto Douro” medida essa que, entre outras consequências, valorizou “o produto da região estremenha (Santarém, Torres Vedras) e também Bairrada, que se tornaram ricas zonas vinícolas do País”.

Ao longo do século XVIII o vinho tornou-se um dos principais produtos da região, embora nunca ultrapasse muito os 30% de toda a produção agrícola, 39,1% em 1764 ou 32,2% em 1799.

Parece ter sido ao longo do século XIX, embora com variações, que o seu peso se tronou esmagador, rondando 50% de toda a produção agrícola local logo em 1812, em crescimento contínuo até ao final desse século. (1799 – Mapa do rendimento da Dízima eclesiástica publicada por João Pereira; 1812 – Dados publicados na parte económica de Madeira Torres, aferidos por João Pereira).

A crescente importância da produção vinícola foi observada ainda na primeira metada desse século por Madeira Torres, que escreveu , na parte económica da sua obra, escrita no primeiro quartel do século, refrindo-se a essa produção no “terreno da villa, e seu termo, he muito considerável, e até verdadeiramente singular na generalidade dos fructos que abrange. A producção do vinho he sobre todas a mais abundante” (p.246).

A tão temida filoxera, tema estudado com bastante detalhe por Célia Reis ( “Problemas dos Vinhos Torrienses no Final da Monarquia”, in Turres Veteras III- Actas de História Contemporânea, ed. CMTV/IERMAH-Un. Letras, T. Vedras 2000, pp.123 a 158).

A filoxera manifestou-se pela primeira vez no concelho em 1883, numa vinha da Quinta Nova, junto da Ordasqueira, expandindo-se no ano seguinte pelas vinhas de várias Quintas da freguesia da Ventosa, uma das mais importantes na produção do vinho do concelho, atingindo o seu auge em 1885, quando atingiu todo o concelho, obrigando à substituição das cepas afectadas pelo chamado bacelo americano a partir de 1886.

A crise da Filoxera, ao obrigar a grandes mudanças no tipo de vinhas e no modo de produção vinícola, parece terem contribuído para o rápido crescimento da sua produção local, ultrapassando em 80% o total de toda a produção agrícola ao longo da última década do século e contribuindo para uma profunda alteração na paisagem rural do concelho.

As freguesias de A-Dos-Cunhados, Matacães, Carmões, S.Pedro da vila e S.Mamede da Ventosa foram aquelas onde se iniciou esse processo de substituição.

Em 1888 a vinha “americana” era dominante em relação à “europeia” na maior parte das freguesias e em 1891 já não existia nenhuma vinha de bacelo “europeu” plantada e registada no concelho.

A acção dos viticultores torrienses foi assim rápida e eficaz. Para isso muito contribui a imprensa local, que surgiu em 1885 e dedicava grande parte do seu conteúdo aos problemas da viticultura, bem como a existência de uma escola vitivinícola na Quinta da Viscondessa, no Turcifal, dirigida pela família Batalha Reis, principalmente o irmão António, cujo papel na economia e na sociedade da região ainda está por estudar.

Com a plantação da vinha “americana” a região recuperou rapidamente da crise, tornando-se um importante centro de exportação de vinhos, não só para o Douro, mas também para Bordéus.

José de Campos Pereira, na sua obra publicada em 1915, baseada em dados de 1911, intitulada “A Propriedade Rústica em Portugal”, revela dados que colocam o concelho de Torres Vedras em primeiro lugar no distrito de Lisboa, que então incluía a área do actual distrito de Setúbal, quer quanto à área de cultivo da vinha (21 000 hectares, cerca de ¼ do total distrital), quer quanto ao rendimento (15 mil contos, pouco menos de 1/3 do total distrital ) quer quanto à produção (808 500 hectolitros, cerca de 1/3 do total distrital).

Todos os dados confirmam o peso da produção vinícola até meio do século XX, vinha, ocupando quase metade da superfície agrícola do concelho, seguindo-se o cultivo de batata, trigo e milho, que apesar de tudo, no seu conjunto, ocupavam menos área que a do vinho.

É na segunda metade do século que a produção do vinho vai conhecer profundas mudanças estruturais, reduzindo a área de cultivo mas, apostando-se na qualidade para expostação. Mas essa é outra história.