quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Na Quinta da Viscondessa (Turcifal) : Uma Escola Agrícola pioneira no Século XIX


(Quinta da Viscondessa na actualidade. Fotografia retirada do site oficial da Quinta)

Foi nos finais de 1888 que se inaugurou a “Escola Prática de Viticultura”, com sede na Quinta da Viscondessa, então propriedade da família Batalha Reis.

A escola foi criada de acordo com o “decreto orgânico de 30 de Junho de 1887” e o primeiro documento anunciando a sua existência data de 28 de Outubro de 1888, assinado pelo “director da escola” António Batalha Reis.

Esse documento é um “Aviso” publicado nas páginas do semanário local “Voz de Torres Vedras” de 3 de Novembro de 1888, informando “os indivíduos que requereram para ser admitidos como alunos da escola pratica de viticultura de Torres Vedras, para comparecerem no dia 3 de Novembro próximo [no próprio dia da publicação nas páginas desse jornal], na secretaria da mesma escola, para serem matriculados ou examinados em conformidade”.

Nessa mesma edição publicou-se o “Anuncio”, assinado por Elvino de Brito, director geral da Direcção Geral de Agricultura, datado de 25 de Setembro de 1888, indicando-se os objectivos e as condições de matricula nessa escola:

“A escola, de que se trata, habilita operários vitícolas e vinícolas , que possam servir como feitores e mestres práticos nos diversos serviços de vinha e da adega, taes como:
“1º - Cultura da vinha;
“2º - Vinificação, tratamento e conservação do vinho;
“3º - Destilação do vinho, agua-a pé de bagaço para álcool e aguardente de copo;
“4º - Utilização do bagaço, sarro, borra e rescaldo para tártaro, acido tartárico e acetato de cobre;
“5º - Acondicionamento da uva para embarque, sua seccagem artificial; preparação e conservação da passa e seu acondicionamento para exportação;
“6º - Cultura das arvores fructiferas próprias da região;
“7º - Culturas hortenses e arvenses usuaes na região;
“8º - Montagem, funcionamento e conservação de machinas, aparelho e instrumentos usados nas especialidades da escola;
9º - Manutenção e hygiene do gado de trabalho”.

Esse mesmo anuncio indica a formação de duas classes de alunos, internos e externos, obrigados a “frequentar o curso de operários, incluindo os exercícios no campo” ao longo de três anos, sendo admitidos 35 alunos externos e 15 “pensionistas do governo”, admitindo ainda alunos “voluntários” externos.

Para se matricularem tinham como condição “não terem menos de quatorze nem mais de dezoito annos de idade”, apresentarem certidão de “saúde e robustez para trabalhos rurais” e de exame de instrução primária elementar.

Os que não tivessem a instrução primária submetiam-se a um “exame especial na escola” para aprovação.

Pagavam uma mensalidade de 4$500 réis.

Os “pensionistas” tinham de apresentar “certidão de pobreza  passada pela camara municipal, administrador, parocho ou regedor”.

A Escola funcionou na Quinta da Viscondessa, próxima do Turcifal, aproveitando o facto de aí já funcionar, desde meados de 1888, a “estação ampelo-phylloxerica do sul”.

Nesta já se ministrava gratuitamente informações e formação “ a indivíduos, feitores ou creados dos lavradores, que ali concorram para se habilitarem no tratamento da vinha europea, e cultura da americana, a pratica de pesquiza de phylloxera e tratamento de vinhas phylloxeradas” (1).

Esta estação fornecia igualmente “alguns milheiros da casta Jacquez, Herbmont, York Madeira, Riparias, Rupestris e poucos de vialla e Solonis” (2), e foi uma das formas de responder ao combate à filoxera e à necessária renovação da vinhas da região.

A Escola foi oficialmente inaugurada no dia 5 de Novembro de 1888, mas inicialmente contou apenas com sete alunos matriculados, atribuindo a imprensa esse fracasso ao facto de o anuncio de abertura de matriculas só ter sido feito dois dias antes da abertura, ao mesmo tempo que se lamentava que para “ a inauguração nem a imprensa local” tivesse sido convidada e queixando-se de que as “cousas não se fazem assim, à porta fechada, como quem tem medo da attrair gente” (3).

Embora só tenha sido inaugurada em Novembro de 1888, já existia uma referência anterior àquela escola, numa reportagem sobre a visita do “Sr. Visconde de Chancelleiros” realizada em 28 de Julho:

“No Sabbado passado esteve em Torres Vedras o opulento viticultor do concelho de Alenquer, sr. Visconde de Chancelleiros.

“S. Exª fez-se acompanhar pelos seus caseiros com o destino de visitarem  escola agricola da Quinta da Viscondessa, onde começará a funccionar o aparelho inventado pelos constructores Fafeur Fréres, e que serve para fazer a mistura do sulfureto na agua, distribuindo-lhe uma dose regulada”, técnica utilizada para melhor combater a filoxera.

“Sendo este systema, apesar de dispendioso, muito praticável nas varzeas, abeiradas de rebeiras, charcos, etc, o sr. Visconde de Chancelleiros tinha recomendado ao sr. ministro das obras publicas a acquisição do aparelho Fafeur, e já estão na Quinta da Viscondessa dois exemplares dos mais pequenos, fazendo ensaios, de que ainda se não conhecem os resultados, pela grande tardança que houve na montagem”(4).

Os primeiros tempos da Escola Agrícola terão sido de grandes dificuldades, como se revela numa notícia, publicada em Janeiro de 1889, dando conta que os “trabalhadores e mais empregados da quinta da Viscondessa” estavam “há mais de três mezes sem receber salários. A maior parte, ou quasi todos, segundo nos informaram, para se alimentarem e a suas famílias, rebatem as ferias, ficando por isso prejudicados em 50 réis diários” (5).

Recorde-se aqui que António Batalha Reis (1838-1917), co-proprietário da Quinta da Viscondessa, fundador e primeiro director da Escola Pratica de Viticultura, destacou-se como viticultor, com formação na área e autor de uma vasta bibliografia sobre o tema, desempenhando cargos importantes relacionados com essa actividade. Em 1874 integrou a primeira comissão nomeada pelo governo para estudar os efeitos da filoxera no Douro, onde adquiriu conhecimentos que foram muito uteis para os viticultores da região de Torres Vedras no combate à filoxera e contribui para o prestigio da Escola da Quinta da Viscondessa.

Deixou a direcção da Escola em 1890, partindo em comissão de serviço para a Itália e a França para estudar o funcionamento das Escolas Agrícolas e a plantação da cepa americana nesses países (6).
(reprodução da capa de uma das muitas obras de António Batalha Reis)

A fama do seu irmão mais novo, Jaime Batalha Reis (7), ofuscou um pouco a importância de António.

O Ensino agrícola foi criado pelo Decreto de Lei de 30 de Dezembro de  1852, mas teve de esperar 36 ano pela inauguração da sua primeira escola, exactamente a Escola Elementar de Viticultura Prática de Torres Vedras, o seu nome oficial .

Em 1892 foi rebaptizada como Escola de Viticultura Ferreira Lapa, uma homenagem ao conceituado cientista agrónomo.

Em 1899 o ensino agrícola foi reformado e aquela escola passou a designar-se Escola Operária Rural Ferreira Lapa, perdendo alguns dos cursos que ministrava e conhecendo a partir de então uma acentuada decadência que levaria à sua extinção.

Localmente, o ensino pioneiro ministrado na escola da Quinta da Viscondessa deu lugar, após um breve hiato de tempo, , ao Posto Agrário das Almoinhas, designado a partir de 1913 de Posto Agrário de Dois Portos(8).

A Escola da Quinta da Viscondessa deu um grande contributo para se ultrapassar, em termos locais, mas não só, os efeitos trágicos da filoxera que chegou a esta região em 1883 (9).

Hoje em dia o espaço daquela escola continua preservado numa Quinta que mantém a produção de vinho como actividade dominante.

[texto publicado na secção "Vedrografias" do jornal "Badaladas" em 28 de Dezembro de 2018]

(1)    –“Voz de Torres Vedras” de 17 de Novembro de 1888;
(2)    - “Voz de Torres Vedras”, 10 de Novembro de 1888;
(3)    -”Voz de Torres Vedras”, 1 de Dezembro de 1888;
(4)    -“A Semana”, 2 de Agosto de 1888;
(5)    –“A Semana”, 26 de Janeiro de 1889;
(6)    – Baseámo-nos numa biografia de António Batalha Reis da autoria de Isabel Zilhão, respigada da net.
(7)    – Existe uma vasta  bibliografia sobre Jaime Batalha Reis, Destacamos, contudo, o estudo de Andrade Santos sobre a ligação deste destacado intelectual e diplomata com a Quinta da Viscondessa publicado em 1994: SANTOS, Andrade, “Batalha Reis no Turcifal”, in Torres Cultural, nº 6, 1994, pp.22 a 47.
(8)    – Um importante estudo sobre essa escola, contextualizada na realidade económica e social deste concelho à época, pode ser lido num ensaio recente, disponível na internet, da autoria do Dr. António Francisco Baixinho em: BAIXINHO, A. F. A Escola de Viticultura Ferreira Lapa e o associativismo regional em Torres Vedras: suas organizações e objetivos nos finais do século XIX. EccoS, São Paulo, n. 33, p. 17-41. jan/abr. 2014.
(9)    Sobre os efeitos da Filoxera em Torres Vedras leia-se: REIS, Célia, “A Filoxera No Concelho de Torres Vedras” (texto copiografado, sem data) e REIS, Célia, “Problemas dos Vinhos Torrienses no Final da Monarquia”, in Turres Veteras III- Actas de História Contemporânea, ed. CMTV/IERMAH-Un. Letras, T. Vedras 2000, pp.123 a 158;

2 comentários:

José Constantino Costa disse...

Caro Venerando António Aspra de Matos,
Sou leitor regular do Vedrografias e a qualidade dos seus artigos é inquestionável. Exemplo disso é este artigo sobre a Quinta da Viscondessa e a Escola Agrícola. Muito interessante. Apenas tenho um pequeno reparo a fazer: a capa do livro que apresenta "Roteiro do Vinho Português" é de um neto de António Batalha Reis, também ele de nome António. Curiosamente este António Batalha Reis (1901-1982) também viveu durante alguns anos no Carvalhal, na década de 1930, e chegou a ser director da Gazeta de Torres em 1932.
Um abraço,
José Constantino Costa

Unknown disse...

Vendem vinho em garrafa contacto 914298212