terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A Vida Torriense nos finais so século XIX, nos caracteres da imprensa local (1885-1890) - 1

Como indicámos e artigo anterior, existe imprensa em Torres Vedras desde 1885.

A imprensa é um interessante documento histórico para aferir da realidade que ela abrange, complementando, com a sua vida e colorido, o cinzentismo da documentação oficial.

A partir de hoje, e dentro das nossas possibilidades com regularidade mensal, vamos explorar essa documentação, contando um pouco da história e da realidade que a imprensa local nos revelou durante os primeiros cinco anos em que ela se publicou em Torres Vedras.

Parte deste trabalho já tinha sido publicado, em “folhetins” mensais, nas páginas do jornal “Badalada” em 1985 e 1988, tendo seguimento em crónicas radiofónicas nos anos seguintes, quando do início das rádios locais .

Mês a mês, este é o retracto da vida torriense que esses jornais nos deram do final do século XIX.

Janeiro de 1885

Era uma 5.ª feira, aquele primeiro de Janeiro de 1885.

Por 40 réis os torrienses adquiriam o n.° 1 do primeiro jornal de Torres Vedras.

Fundado por Agostinho Barbosa Sottomayor, Ignácio França e Manuel José da Paula Guimarães, chamava-se «JORNAL DE TORRES VEDRAS» e apelidava-se de «Agrícola, commcrcial e noticioso».

Sendo então a Agricultura a actividade económica mais importante, não é de estranhar que um dos principais objectivos desse Jornal fosse a defesa desses interesses.

Torres Vedras, era então «a primeira de Portugal na produção e abundância de vinho» e o «J. T. V.» esforçar-se-ia «por tomar conhecidos os nossos vinhos, por chamar assim a concorrência dos compradores, e conseguintemente obterão elles preços mais vantajosos, e finalmente, lembrará todlas as indicações que parecem úteis à viticultura e ao fabrico».

Torres Vedras era um concelho com cerca de 30.000 habitantes e 10.000 fogos.

Os arredores da Vila conheciam uma azáfama pouco normal: centenas de trabalhadores, vindos de todo o país trabalhavam na construção do caminho-de-ferro que ia tornar mais rápido o escoamento dos produtos locais para Lisboa.

Eram frequentes as desordens lá para as bandas dos Cucos, onde se encontravam esses trabalhadores: num dos primeiros dias do ano «dispararam-se tiros de revólver, ferveu grossa pancadaria, funcionou a navalhar e ficaram maltratadas bastantes pessoas, algumas com ferimentos de certa gravidade».

Não que os locais não estivessem habituados a cenas deste género, mesmo em festas e romarias, mas agora a frequência aumentava. Esta situação e a pouca segurança oferecida pela cadeia local, de onde «a phrase grosseira, o gesto indecente, dirigidos de grades abaixo, com escândalo para o público, e com grande incommodo para os vizinhos que têem de cerrar as janellas para não ouvirem o phraseado baixo e immundo», levaram a que uma das primeiras posições públicas do jornal se prendesse à necessidade de reforçar a vigilância policial da vila, apelo que seria cumprido em princípios desse ano ao chegar «uma diligência de cavallarla n.' 4, composta de 18 praças commandados pelo sr. alferes Parreira».

Mas outra preocupação dominava os proprietários de então; o combate à «phyloxera», cuja «entrada» no concelho era anunciada a 15 de Janeiro: «o concelho de Torres Vedras, e a grande região vinícola assim denominada, estão invadidas pela «phyloxera», pelo lado de Dois Portos, do Sobral de Mont’ Agrraço, de S. Mamede da Ventosa, do Turcifal».

Ao mesmo tempo a varíola era uma das doenças que mais matavam na região.

Enquanto o caminho de ferro não chegava a Torres Vedras, o comércio com Lisboa fazia-se através de várias carreiras de diligências que efectuavam essa viagem em 6 horas:

«De Simplício & Irmão, e Gatos, partem duas diligências diárias, uma às 6 horas da manhã, e outra às 12 horas pelo Turcifal, Freixofeira, Villa Franca do Rosário, Venda do Pinheiro, Lousa, Loures e Lumiar(...)».

«Dos mesmos, parte outra diligência d’aqui às 10 horas da manhã por Matacães, Runa, Ribaldeira, Dois Portos. Carvalhos, Sapataria, Lousa, etc.

« De Carvalho & C.ª sae uma diligência às 2 horas dá noite de segundas, quartas e sextas feiras, e às 2 da tarde de terças, quintas e sábbados para Alhandra, por Matacães, Runa, Ribaldeira, Dois Portos, Sobral de Mont’ AgraÇo e Arruda dlos Vinhos (...)». «Calcula-Se de 60 a 100 diariamente as carroças com transporte de vinhos para Lisboa, e não mencionámos as carreiras particulares de trens de aluguer, que, termo médio, devem regular por três a quatro cada semana».

E foi assim, ao ritmo da diligência que se iniciou mais um ano na vida da população local, num ritmo que estava prestes a terminar, mais rapidamente do que então se sonhava e com ele terminando uma época…

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Breves Notas para a História da Imprensa Torriense.

Foi no ano distante de l885 que surgiu o primeiro jornal torriense.

Intitulando-se «Jornal de Torres Vedras», iniciava a sua publicação numa quinta-feira, 1 de Janeiro de 1885.

Subintitulando-se como «Agrícola, Commercial, Noticioso», o jornal, fundado por Agostinho Barbosa Sottomayor, Inácio França e Manuel de Paula Guimarães, e impresso na recém fundada, no ano anterior, tipografia de Celestino Aspra, tinha por objectivos «esforçar-se por tornar conhecidos os nossos vinhos(...). A nossa missão, todavia, estende-se mais além. A vila carece de urgentes melhoramentos que a coloquem a par das terras mais civilizadas. Havemos de, pouco a pouco, com insistência, com independência, com dignidade, sem offensa para ninguém, e com proveito para todos, lembrar esses melhoramentos, indicar a senda do progresso e do aperfeiçoamento, indispensável no último quartel do século XIX (…). Em breve tempo se fará ouvir o silvo da locomotiva, que há-de servir prodigiosa¬mente aos interesses commerciaes da villa, como temos fé. O nosso jornal advogará calorosamente todos os interesses hones¬tos, toda a iniciativa pro¬veitosa, industrial ou commercial (…).”

Esta primeira experiên¬cia jornalística durou 2 anos, 2 anos cruciais para o desenvolvimento de Torres Vedras, pois foi nesse período que se ulti¬maram as obras de cons¬trução da linha férrea, que ligaria Torres Vedras a Lisboa, modificando em definitivo e profunda¬mente o rosto da então vila.

Embora o grande des¬taque das páginas desse jornal recaísse em anún¬cios relacionados com a agricultura, principal¬mente a vitivinicultura, lutando então desespera¬damente contra a filoxe¬ra, nelas podemos seguir o episódio semanal da construção desse revolucionário transporte do séc. XIX, que foi o caminho-de-ferro.

Paradoxalmente, o «jornal de Torres Ve¬dras» terminou a sua publi¬cação no próprio dia em que era inaugurada a liga¬ção ferroviária entre Tor¬res e Lisboa, a 30 de De¬zembro de 1886, e por isso ficámos privados da reportagem histórica desse acontecimento.

Tinha-se contudo ini¬ciado a heróica história da Imprensa torriense. De periodicidade e duração variada, com tecnologia mais ou menos apropriada, terão sido publicados desde então em Torres Vedras mais de 60 títulos. O Dr. António da Silva Rosa, no seu trabalho pioneiro editado no n.° 1220, de 25-05-1979, do jornal «Badaladas», localizou 48 títulos editados até essa data, aos quais podemos acrescentar mais 15 títulos por nós registados, sem contar com um sem número de jornais escolares, copiografados, quase anualmente publicados nas salas das escolas secundárias locais.

Não durou muito a interrupção provocada pelo desaparecimento daquele primeiro título. Logo em Fevereiro de 1887 surgiam dois novos semanários, «A Voz de Torres Vedras», que se intitulava herdeiro daquela primeira publicação, e «A Semana», registando-se então o inicio de a uma tradição que se manteve quase ininterruptamente até 1926: a publicação simultânea de, pelo menos, dois títulos semanais em Torres Vedras.

Ainda do século XIX datam dois dos mais importantes títulos da Imprensa local: «A Vinha de Torres Vedras” e a “Folha de Torres Vedras”.

Alguns dos títulos de maior duração foram fundados no século XIX, só sendo ultrapassados pelo jornal “Badaladas” e pelo “Frente Oeste”.

Aqueles dois títulos documentam nas suas páginas a transição da monarquia para a República e do séc. XIX para o séc. XX, relatando, nas suas páginas, não só os reflexos, a nível local, da agitada vida política local, mas também as primeiras notícias da introdução do cinema ou da luz eléctrica em Torres Vedras.

Refira-se ainda a particularidade importante de o jornal «Folha de Torres Vedras» se declarar abertamente defensor de ideias republicanas, muito antes da implantação desse regime político. Este jornal viria a fundir-se em 1913 com o seu velho rival «A Vinha de Torres Vedras» e, até ao aparecimento do jornal «Badaladas» em 1948, mais nenhum jornal conseguiria publicar-se regularmente por mais de 6 anos consecutivos, como aconteceu com “A Vinha…”.

Com a República, e principalmente no pós primeira-guerra-mundial, surgem alguns títulos de vincada ideologia politica, ligados a várias tendências que marcaram a conturbada vida política de então. Talvez por isso, muitos desses jornais tiveram duração efémera.

Três desses títulos merecem, contudo, serem aqui recordados, pelo interesse demonstrado na defesa das questões regionais. São eles o «Eco de Torres», que se publicou de 1917 a 1921, «O Torreense», publicado entre 1919 e 1925, e “A Nossa Terra», entre 1924 e 1926.

A partir de 1926 a imprensa local sofre uma acentuada decadência. Durante quase um ano, entre Setembro de 1926 e Agosto de 1927, não se publica um único título em Torres Vedras. É então que surge uma das mais importantes apostas jornalísticas da época, o “Gazeta de Torres”, inicialmente dirigido pelo dr. Justino Freire de Moura Guedes, substituído no cargo, em finais de 1930, por António Batalha Reis e, pouco tempo depois, por Edmundo de Oliveira.

Nesse jornal destacaram-se como jornalistas, Luís Brandão de Melo e Victor Cesário da Fonseca, que dariam ao jornal um cunho progressista, em contra corrente com o regime ditatorial que se afirmava. Não só se tornou no jornal de maior duração entre os que até essa data tinham sido fundados no século XX, como se tornou o ponto de confluência de uma nova geração de jornalistas locais, dinâmica e inovadora. Contudo, as suas posições políticas, contra a ditadura e apoiando a Aliança Republicana-Socialista, que pretendia fazer o contraponto à recém criada União Nacional, provocaram o seu prematuro encerramento, publicando-se pela última vez em 13 de Agosto de 1933.

A partir dessa data quase toda a imprensa teve duração efémera, e na maior parte dos casos mais não era de que a câmara de eco dos ideais do Estado Novo, nalguns casos de tendência assumidamente fas¬cista.

A crise da imprensa torriense agravou-se a par¬tir de 1936 quando o jor¬nal que então se publica¬va, o segundo com o títu¬lo de «O Torreense», passou a editar apenas um nú¬mero anual, não se publi¬cando mesmo qualquer exemplar nos anos de 1943 e 1944, situação que se altera em 1946, quando esse jornal regressa à sua publicação semanal, que irá durar até 1954.

Contudo, só com o apa¬recimento do jornal “Badaladas” , fundado em Maio de 1948, pelo saudo¬so Padre Joaquim Maria de Sousa, se regista uma mudança significativa no panorama jornalístico de Torres Vedras. O Padre Joaquim Maria de Sousa teve o mérito de conseguir transformar um jornal paroquial no pri¬meiro título moderno deste concelho, revelando nas suas páginas uma visão aberta às novas realidades locais e culturais. Apesar das limitações impostas pela censura da ditadura à liberdade de imprensa, o “Badaladas” soube tornear essas dificuldades, com uma grande dose de independência e dignidade nesses tempos difíceis.

Até 1952 o “Badaladas” editava-se mensalmente. A partir desse ano passou a quinzenário e, finalmente, em 15 de Dezembro de 1960, tonou-se semanário, continuando a publicar-se nos nossos dias, sendo um dos títulos mais antigos da imprensa portuguesa.

Ao longo da sua história o «Badaladas» soube-se adaptar às mais variadas realidades politicas, sociais, culturais e tecnológicas, tornando-se num dos raros casos de longevidade da imprensa regional. Pelas suas páginas têm passado todas as gerações de jornalistas torrienses desde a segunda metade do Século XX. Mesmo algumas personalidades nacionais não têm desdenhado a sua colaboração nas páginas desse semanário

Com a recuperação da Liberdade e da democracia, após o 25 de Abril de 1974, tornou-se possível o aparecimento de mais projectos inovadores. Assim, aconteceu com o «Oeste Democrático», um dos títulos de maior regularidade depois de 1933, a seguir ao «Badaladas», e que se publicou entre 1975 e 1978. Revelou-se inovador não só nas temáticas abordadas, mas também na forma como as apresentava, numa paginação dinâmica, nomeadamente no tratamento dado aos títulos de primeira página. Encerrado devido a dificuldades económicas, parte dos seus colaboradores e redactores passou-se de armas e bagagens para o jornal «Badaladas», contribuindo para a renovação deste título, então já sob direcção do Padre José Manuel Silva.

Também, pelo espírito dinâmico que imprimiu aos seus conteúdos, merece referência o jornal “Área”, de curta vida, um mensário que se publicou regularmente entre 1979 e 1981, e, desde então, esporádica e anualmente, como órgão pertencente à Cooperativa de Comunicação e Cultura, que nasceu exactamente da existência daquele título e é hoje uma das mais dinâmicas e inovadoras propostas culturais de Torres Vedras.

O “Área” afirmou-se como o mais irreverente e inovador de todos os títulos desde sempre publicados em Torres Vedras. Na suas páginas criou-se uma nova geração de jornalistas e de agentes culturais que inovaram o panorama cultural torriense.

O carácter inovador do “Oeste Democrático” e do “Área”, bem como o entusiasmo imprimido, na área da comunicação social local, pelo movimento das rádios locais no final dos anos 80, princípio dos anos 90, influenciaram a novidade que representou, quanto à forma de tratar a informação, a revista mensal “Zona Oeste”, que se editou na década de 90, e o jornal “Frente Oeste”. Este último, encerrado recentemente, tornou-se um dos títulos de maior longevidade no panorama da imprensa torriense.

O conhecimento dos últimos cem anos da sociedade torriense, não pode escamotear o estudo e o conhecimento dos conteúdos de milhares de páginas amarelecidas pelo tempo que guardam milhões de palavras escritas por centenas de homens, muitos deles anónimos, que deram o melhor de si para informar e registar os pequenos e grandes acontecimentos ligados à vida dos habitantes de Torres Vedras.

A eles dedicamos esta breve evocação histórica do jornalismo torriense.

(este texto resulta da adaptação, com algumas correcções e actualizações, de um trabalho por mim publicado nas páginas do jornal “Frente Oeste” em 16 de Abril de 1992, intitulado “A Imprensa Torreense ao longo dos tempos”).

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

NUNO AMADO - Um Torriense no centro do "furacão" financeiro.



Foi anunciado esta semana que Nuno Amado, até aqui à frente do Santander Totta, vai substituir Carlos Santos Ferreira na liderança do Millenium BCP.

Nascido e criado em Torres Vedras, Nuno Amado é um caso raro, em Portugal, de alguém que subiu a pulso até ao topo do sempre complexo mundo do poder financeiro.

Se a maioria dos líderes do sector financeiro português chegaram onde chagaram por serem “filho de algo”, por carreirismo político ou pelas mais variadas jogadas maquiavélicas necessárias para acender a esse mundo, Nuno Amado, pelo contrário, chegou onde chegou por mérito próprio.

A economia foi o seu mundo desde a juventude, e o mundo das finanças a sua profissão de sempre.

Ao contrário da imagem dominante dos banqueiros em Portugal, Nuno Amado sempre primou pela discrição.

Para muitos, como eu, que nos cruzámos algumas vezes com Nuno Amado, desde os bancos da escola à Assembleia Municipal de Torres Vedras, a imagem a reter dele é de um homem tolerante e dialogante.

Situando-me eu, desde longa data, nos antípodas políticos e ideológicos do “Nuno”, isso nunca foi impedimento de alimentarmos intermináveis discussões sobre política, num clima de amizade e respeito.

As qualidades de Nuno Amado e a amizade que tenho por ele, não me levam, contudo, a uma atitude de ingenuidade.

Para além das competências e das qualidades pessoais, não deixa de ser significativo que o BCP, considerado por muitos o banco do regime, escolha neste momento para a sua liderança alguém que sendo, no mínimo, simpatizante do PSD, esteja próximo do poder do momento. Sendo ainda de destacar que o substituído, Carlos Santos Ferreira, era conhecido pelas suas ligações ao PS e a personagens como José Sócrates e Armando Vara.

Nuno Amado joga aqui parte da sua credibilidade. Basta ser ele próprio e não se deixar enredar nas malhas do poder político e financeiro para levar a bom termo esta sua tarefa.