segunda-feira, 4 de outubro de 2010

TORRES VEDRAS E O 5 DE OUTUBRO

(Vista geral de Torres Vedras, no início do Século XX)


Ao contrário de muitas localidades do país, onde a República "chegou por telégrafo", Torres Vedras foi uma das localidades que desempenhou um papel activo no "5 de Outubro", tendo a acção dos republicanos torrienses, ao destruírem a linha férrea, impedido a chegada a Lisboa de tropas do Norte: "Pela manhã ( do 5 de Outubro) havia estacionado na villa o regimento de infanteria 15, de Thomar e tres destacamentos de lanceiros 2 e cavallaria 4, que vinham do norte, pela via ferrea, mas que não puderam seguir para Lisboa em virtude de grupos armados, d'esta villa, terem destruido as linhas, afim dos comboios que por ventura quizessem marchar com reforços sobre Lisboa, não pudessem transitar.

"O regimento bivacou no campo de S.João, proximo à estação, tendo durante o dia feito a sua adhesão á Republica, foi á noite muito acclamado pela multidão que percorria as ruas da villa, em marcha à "aux flambeaux ( com archotes)"(1).

Seguindo a descrição feita pela "Folha...", esse dia 5 de Outubro foi vivido com grande intensidade pela população da vila :

"Á mesma hora a que foi proclamada a Republica na camara Municipal de Lisboa, era desfraldada a bandeira republicana, do Centro Republicano, d'esta villa, nos Paços do concelho de Torres Vedras, ao som da "Portugueza".

"O enthusiasmo do povo, n'esse momento, tocou as raias do delirio, sendo ao mesmo tempo acclamado administrador do concelho o cidadão David Simões.

"Em seguida o povo percorreu as ruas da villa, com uma banda de musica á frente e foi á administração do concelho onde se lavrou o auto de posse"(2).

Por ironia do destino, "A Vinha de Torres Vedras" foi o primeiro órgão de imprensa local a noticiar os acontecimentos do 5 de Outubro, na sua edição do dia 6, publicando a composição do novo governo e o nome dos governadores civis, e dando conta do destino da família real, dedicando algum espaço àquilo que apelidou como "os destroços da contenda", assinalando os "desastres pessoais, tanto em vidas, como em ferimentos, que causaram horror" e publicando a lista de "prejuzos materiaes, occasionados pelos canhões de terra e mar" em Lisboa. Referindo-se à situação em Torres Vedras, destacava, em título, a "prisão dos professores e seminaristas do Barro", na manhã desse mesmo dia 6, por "uma força de cento e tantos praças de infantaria 15, e outro de quarenta praças de cavallaria" que, apresentando-se "inesperadamente no Collegio do Barro (...) intimaram os professores e seminaristas, a que por ordem do governo os acompanhassem.

"A intimação foi rigorosamente cumprida, e os moradores, em numero de 82, condusidos para esta villa, onde a população os recebeu com respeito, foram horas depois condusidos para Lisboa, no comboio, acompanhados pela força de infantaria 15.

"No collegio do Barro ficou uma força commandada por um alferes, guardando o edificio, onde se encontram dois moradores doentes e as pessoas que d'elles tratam"(3).

Em notícia divulgada na mesma edição, o até então porta-voz do Partido Progressista, referia o assassinato de um camponês da Serra da Vila, localidade vizinha daquele convento pelo guarda do Colégio do Barro, não lhe dando qualquer carácter político, ao contrário da "Folha.." que , na sua descrição dos acontecimentos de 5 e 6 de Outubro, se referia ao facto de se ter tido conhecimento, no dia 6 de "que um empregado do convento dos Jesuitas assassinara com um tiro um pobre homem do campo" (4), associando esse facto com a ordem para aprisionar os Jesuítas do Barro.

Um dos primeiros actos do novo poder neste concelho foi encerrar os dois conventos deste concelho e arrolar os seus bens, motivo de uma das primeiras comunicações do novo administrador do concelho para o governo, dirigida ao Ministério dos Negócios da Justiça, datada de 13 de Outubro:

"Em cumprimento das ordens de Vª Exª tenho a honra de informar que estão fechadas 5 casas das ordens religiosas neste concelho, que são as seguintes:

"1º O Convento do Barro, que se compõe de tres grandes edificios, tendo todo o mobiliario que se encontrou á sahida dos Jesuitas, 4 vacas leiteiras, 2 mullas, 4 porcos e algumas galinhas. Está situado longe de povoações e guardado por uma força militar d'Infantaria 7.

"2º Pertencendo ha (sic) mesma ordem á (sic) outro edificio denominado a quinta da Cadriceira, freguesia do Turcifal, o qual já está fechado e lacrado, tendo todo o mobiliario, 3 vaccas pequenas, 1 porco e 35 galinhas, ficando depositario Angelo Custodio Botelho da Cadriceira.

"3º O convento do Varatojo, quando o fui fechar e lacrar só lá estava um padre, parte do mobiliario já ali se não encontrava e animaes só lá existiam 1 porco e algumas galinhas, andando já o juiz desta camara fazendo arrolamento. Este padre ficou em casa particular esperando pela resposta de um abaixo assignado do povo d'aquelle lugar que junto envio a v. Ex.ª para os effeitos que tiver por convenientes.

"4º No mesmo logar do Varatojo existe uma casa de religiosos habitada por irmãos de caridade, que encontrei fechado e com pouco mobiliario, ficando depositario desta casa e do convento Jose Eduardo Cezar do Varatojo.

"5º Na Praia de Santa Cruz ficou fechado e lacrado e com pouco mobiliario uma casa pertencente ao convento das freiras, onde vinham tomar banho de mar.

"N'esta villa ha duas irmandades, as quaes cada uma dava 200.000 reis annuaes e dois padres que vinham dizer missa, e estes padres pertenciam ao convento do Varatojo, os quaes me mandaram pedir se puderiam continuar a dizer as missas e ficaram rezidindo n'esta villa"(5).

A "Tomada do poder" republicano

Assim que o novo poder se instalou, os republicanos locais apossaram-se dos cargos políticos mais importantes a nível concelhio.

Como vimos, no próprio dia 5 de Outubro foi proclamado pelo "povo" o administrador do concelho David Simões, farmacêutico, então com 56 anos. Tinha sido vereador da Câmara Municipal de 1905, dissolvida então por pressão dos notáveis locais do Partido Progressista .Em 1908 David Simões era vogal na "comissão de homenagem a el-rei", que organizou a visita de D. Manuel II a T. Vedras. Mas, ainda nesse ano, surgiu como um dos nomes propostos pelos republicanos para integrar a malograda "Lista do Concelho", a concorrer às eleições municipais desse ano.

A 8 de Outubro este administrador do concelho deu posse à primeira comissão municipal republicana nomeada para dirigir a câmara.

Era composta por Manuel Augusto Baptista, nomeado presidente, e pelos vogais Manuel Coelho Cláudio Graça, eleito vice-presidente em sessão de 13 de Outubro, José António Lisboa, Domingos Affonso, Vicente Martins, Augusto d' Oliveira Martins e Joaquim Marques Trindade , todos republicanos históricos, os cinco primeiros oriundos na totalidade da última direcção da comissão municipal republicana eleita durante a vigência do regime monárquico (6).

Um mês depois, a 7 de Novembro, Manuel Augusto Baptista era nomeado administrador do concelho, cargo que já exercia interinamente desde 3 de Novembro, devido ao pedido de demissão de David Simões, ascendendo Manuel Coelho Cláudio Graça à presidência da Câmara e José António Lisboa à vice-presidente, tomando por sua vez posse como vereador efectivo, a 10 desse mês, Faustino Polycarpo Thimoteo, outro republicano histórico (7).Contudo, este último vereador, por divergências políticas com os restantes membros do executivo, abandonou o cargo em Maio de 1911, sendo substituído por António dos Santos Sala , militante do PRP, na sessão de 11 de Maio desse ano (8).

Registou-se ainda uma outra alteração no elenco camarário quando, a 21 de Março de 1912, Joaquim Marques Trindade se demitiu, sendo substituído por António do Carmo Félix. Curiosamente, este foi o primeiro ex-monárquico a assumir funções executivas durante a República. Ex-"progressista" e ex- "regenerador" da facção "teixeirista", tinha sido um dos nomes propostos pelos republicanos para fazer parte, em 1908, da malograda "lista do concelho".

Com as alterações registadas, fizeram parte deste elenco camarário 10 indivíduos, tendo-se mantido em funções até 16 de Fevereiro de 1913, totalizando 2 anos, 4 meses e 8 dias. Entre os elencos camarários não eleitos, este foi o que se manteve mais tempo em funções durante a República. Contudo, 3 outras câmaras eleitas conseguiram ultrapassar aquele tempo durante a vigência do mesmo regime.

O conjunto de 9 indivíduos que identificámos, de entre os 10 que fizeram parte deste primeiro executivo republicano, distribuíam-se pelas seguintes actividades profissionais: 6 comerciantes, 2 lojistas e 1 proprietário. Sete viviam em Torres Vedras, um no Turcifal e outro em Dois Portos. A idade média destes primeiros líderes políticos locais republicanos, tendo por base a sua idade em 1910, era de 42,3 anos. O primeiro presidente, Manuel Augusto Baptista, em funções apenas no primeiro mês, tinha 34 anos em 1910 e o seu sucessor, Manuel Augusto Cláudio Graça, em funções durante o resto do mandato, tinha 43 anos , enquanto aquele que exerceu o cargo de vice-presidente, ao longo do mesmo tempo, José António Lisboa, tomou posse em 1910 com 30 anos.

Paralelamente à tomada do poder municipal, formou-se um "Batalhão de Voluntários de Torres Vedras", com o objectivo de defender o novo regime. Em Dezembro de 1910 já contava com 96 inscritos, elegendo a sua direcção a 27 desse mês, presidida por Manuel Augusto Baptista, à data exercendo as funções de administrador do concelho, secretariada por Joaquim Paulino Pereira, relojoeiro, então com 26 anos, que à data do 5 de Outubro era membro destacado da maçonaria, militante do PRP, e tendo por vogais Celestino Almendro, médico veterinário, de 31 anos, militante do PRP, João Marques Trindade, comerciante de 38 anos, também militante do PRP, e F. Mendes, não identificado.

Mas o controle político dos republicanos locais estendeu-se igualmente a outras instituições.

Uma das primeiras foi a Misericórdia, tendo o administrador do concelho, por acordo com o governador civil, conferido posse a uma nova mesa logo a 8 de Outubro de 1910 , constituída por Celestino Almendro, nomeado provedor, Júlio Vieira, escrivão, e pelos vogais João Marques Trindade, José Anjos da Fonseca, Leandro José Jorge, Honorato de Lima Lopes e Faustino do Amaral . Destes, quatro eram republicanos históricos, dois pertenciam ao PRP pelo menos desde os primeiros tempos de implantação da República, desconhecendo as opções políticas do último dos nomes citados. Em termos profissionais, 4 eram comerciantes, 1 era barbeiro, 1 médico - veterinário, desconhecendo a profissão de outro , enquanto que a totalidade dos 6 elementos conhecidos viviam em Torres Vedras.

Pensamos que esse domínio se terá estendido a parte das colectividades locais, como o demonstra o facto de, por ocasião da visita de Machado dos Santos a Torres Vedras, este se ter deslocado a várias associações locais e em duas delas, a "Tuna Commercial Torreense" e o "Casino de Torres Vedras", terem usado da palavra , em nome das respectivas direcções, indivíduos conotados com o PRP.

Uma primeira conclusão a tirar da tomada do poder por parte de membros do PRP, prende-se com a sua origem: predominando os moradores na vila, ligados a actividades urbanas, principalmente ao comércio.

"Actos fundadores"

- A toponímia


(A Avenida Casal Ribeiro foi rebaptizada como Avenida 5 de Outubro)


Logo após a proclamação da República, tiveram lugar uma série de medidas para afirmar o novo regime.

Na primeira sessão da comissão municipal republicana, foram alterados os nomes de várias artérias da vila:

- o "Largo D. Carlos I", passou a ser designado por "Largo da República";

- a "Avenida Ignacio Casal Ribeiro" mudou para "Avenida Cinco de Outubro";

- a "Rua de S. Pedro" foi rebaptizada com o nome de "Rua Miguel Bombarda";

- a "rua de S. Tiago" passou a chamar-se "Rua Cândido dos Reis" (9) .

Nas sessões seguintes continuou a "dança" da mudança do nome de algumas artérias da vila:

- uma petição assinada por 53 moradores propôs a alteração do nome do "Largo de S. Thiago" para "Praça Machado dos Santos"(10);

- Em 17 de Novembro o "Largo de Stº António" foi designado "Largo Estevam Feyo" (11).

- Por decisão da junta de paróquia de S. Pedro, passou a designar-se "rua Maria Barreto Bastos" à rua até então designada por "rua da Porta da Várzea" (12), pelo facto dessa rua conduzir "ao asylo fundado por aquella benemerita" (13);

Será necessário esperar pelo ano de 1912, para encontrarmos novas mudanças nos nomes de ruas:- em sessão de 18 de Janeiro de 1912 a "rua dos Cavaleiros de Espora Dourada" foi rebaptizada com o nome de "rua Francisco Ferrer", e em 17 de Outubro foi aprovada a mudança de designação da "rua do Rosário" para "rua Heliodoro Salgado" (14).

Ainda nesse ano, e por ocasião da inauguração da luz eléctrica em Torres Vedras, nasceu uma nova rua, ligando "a estrada distrital e a do Cais da estação do caminho de ferro" aberta pelo proprietário da Quinta das Covas, António Augusto Cabral, que a ofereceu ao município, a qual, "pelo facto de ser aberta ao público no dia da" inauguração "da luz electrica e ainda por nela ficar a estação geradora de electricidade", foi baptizada como "Rua da Electricidade" (15).

Cronologicamente, durante o regime republicano, seriam ainda alterados ou criados nomes de ruas com as seguintes designações :

- Rua Guilherme Gomes Fernandes, por proposta da Associação de Bombeiros de Torres Vedras, nome atribuído "à parte da actual rua Serpa Pinto, compreendida entre o Largo do Municipio e o Largo dos Polomes", decisão aprovada em sessão de 14 de Julho1915, sendo aquela rua inaugurada a 11 de Outubro de1916 (16).

- Rua Elias Garcia, dada à antiga Rua da Cruz, por ocasião da visita do Presidente da República, Teófilo Braga, em 2 de Agosto de 1915, para inaugurar o Asilo Elias Garcia no antigo convento do Barro (17).

- Rua António França Borges, por proposta da Comissão Municipal do Partido Republicano, à rua das Flores, aprovada em sessão do Senado da Câmara de 5 de Novembro de1915(18).

- Rua Dr. João de Menezes à "rua que fica entre a Travessa de S. Pedro e a do Rosário", aprovada em sessão de 17 de Abril de1918 (19).

- Rua 1º de Dezembro de 1640, por proposta da Comissão 1º de Dezembro de 1640, com sede em Lisboa, nome dado à antiga "rua da Cerca", por decisão camarária de 26 de Dezembro de1918 (20).

- Rua 9 de Abril, à parte da rua Dias Neiva "compreendida entre a Praça da República e o predio da Firma Fonseca & Lisboa (...) para perpetuar os actos de heroismo praticados pelo exercito Portuguez nas batalhas da França", em sessão do Senado de 28 de Julho de1919 (21).

- Rua Dr.Aleixo Ferreira, "um dos mais ilustres(...) filhos desta terra" à Rua Cândido dos Reis. Esta tinha sido rebaptizada logo nos dias seguintes ao 5 de Outubro e a importância desta personalidade para os republicanos levou-os a transferir a Rua Cândido dos Reis para outra artéria, uma parte da rua Mousinho de Albuquerque, "compreendida entre a ponte de caminho de ferro e a esquina do predio da família Moraes" , decisão tomada na mesma sessão do Senado acima mencionada.

- Campo dos Aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral ao "Campo da Porta da Varzea", por decisão do Senado tomada em 17 de Dezembro de1922 (22).

- Rua Tenente Valadim, nome atribuído a uma artéria nova, aprovado no projecto dessa avenida apresentado em sessão do Senado de 6 de Fevereiro de 1923 (23).

- Largo Dr. Justino Xavier da Silva Freire, proposto por uma comissão de homenagem àquele médico torriense, por ocasião do seu aniversário natalício e do 50º aniversário da sua actividade clínica, tendo a câmara aprovado o "largo em frente à fachada da Egreja de São Tiago, ainda sem denominação alguma" para ser baptizado com esse nome, em sessão de 16 de Abril de1924 (24).

Ao todo 18 mudanças de nomes de ruas e 3 baptismos, assinalando um dos actos mais característicos de qualquer regime que se deseje afirmar simbolicamente.

É significativo que a maioria das designações propostas se refiram a figuras nacionais ou mitológicas da República, a notáveis locais de algum modo ligadas ao regime ou a datas simbólicas de um certo "nacionalismo republicano" como o "9 de Abril", o " 5 de Outubro" ou o "1º de Dezembro".

De salientar ainda que mais de 1/3 dessas mudanças teve lugar nos 3 primeiros meses de vida do regime republicano.

Houve ainda um movimento com o objectivo de rebaptizar o Largo da Republica com o nome de Sidónio Pais, defendido por um grupo de "sidonistas", por ocasião do assassinato daquele presidente, mas que não teve seguimento.

- Proclamações solenes

O conjunto de actos fundadores do novo regime não se ficou pela mudança do nome de ruas.

Várias cerimónias oficiais assinalaram a mudança de regime e a sua afirmação.

Para além das manifestações de rua que tiveram lugar logo após a proclamação da República, a cerimónia de posse da nova comissão administrativa , realizada nos Paços do Concelho em 8 de Outubro de 1910, foi assinalada no livro de actas pela assinatura de 59 individualidades, onde se incluíam o administrador do concelho, membros da comissão administrativa republicana, funcionários da câmara e vários cidadãos, que assim quiseram oficializar o seu apoio ao novo regime, do modo como historicamente sempre se tinha feito durante a monarquia para assinalar os grandes momentos de viragem política.

Entre os subscritores estavam 14 republicanos históricos, mais 8 nomes dos quais, não se conhecendo o seu passado político, vieram a estar ligados ao PRP do pós-5 de Outubro, um ex-monárquico e ex-vereador, sem filiação partidária conhecida, mas que tinha sido um dos nomes propostos pelo PRP na "Lista do Concelho" às eleições municipais de 1908, um ex-"regenerador", da facção "henriquista", mais tarde aderente ao PRP e, algo surpreendentemente, o ex-líder "progressista" local Manuel Francisco Marques. Nestes últimos casos estamos na presença de alguns dos primeiros casos de "adesivagem" política.

Para além desse primeiro acto oficial, logo nos primeiros meses do regime, outras cerimónias reforçaram a aclamação da República e serviram não só de pretexto para os notáveis republicanos locais exibirem a sua crescente influência política, como para muitos ex-monárquicos assumirem publicamente o seu "republicanismo", para alguns funcionários públicos defenderem os seus lugares, ou para terem maior visibilidade alguns candidatos aos cargos destes.

Logo a 8 de Novembro de 1910 tomou posse um novo administrador do concelho, Manuel Augusto Baptista, que tinha sido nomeado presidente da Câmara na sessão pública acima referida e foi o último presidente do Centro Republicano Municipal eleito antes do 5 de Outubro.

O jornal "Folha de Torres Vedras" divulgou o nome de 36 personalidades que assinaram o auto de posse d' este administrador. Dezasseis já tinham estado presentes no auto de posse da câmara republicana. Dos restantes 20, desconhecemos qualquer informação sobre 9 deles. De entre os 11 identificados que aparecem pela primeira vez num acto republicano, 4 eram do PRP e 2 eram ex-monárquicos, pertencentes ao Partido Regenerador, um da facção " teixeirista" e outro da facção "henriquista"(este último aderiu, pouco depois ao PRP).

Se tivermos em conta o conjunto de indivíduos presentes, ora nos dois, ora num dos actos públicos de apoio às primeiras autoridades locais republicanas, somamos um total de 79 indivíduos.

Analisando a seu posicionamento política podemos observar:

- 60,8 % não tinham, nem vieram a ter, qualquer posicionamento político partidário conhecido;

- A maior parte dos indivíduos nesta situação pertenciam ao sector administrativo (cerca de 30% dos 48 subscritores, cujas opções políticas desconhecemos), o que pode denotar uma adesão apenas formal ao novo regime, motivado por duas ordens de razões:- assegurar a manutenção dos seus empregos, dependentes do poder político; - meras razões processuais, que obrigavam à presença daqueles profissionais em actos formais;

- Os restantes signatários, cujas opções políticas são conhecidas, quer anterior, quer posteriormente àquela data, num total de 31 casos , distribuíam-se percentualmente do seguinte modo, fazendo corresponder estes 31 casos a 100 %:

- Republicanos históricos - 48,4% (15 casos);

- Aderentes ao Partido Republicano, após o 5 de Outubro - 35,5% (11 casos); (aos quais devemos juntar mais 3 casos -9,7%- que correspondem a ex-monárquicos abaixo referidos);

- Ex-monárquicos.- 16,1% (9,7% ex-"regeneradores" (3 casos) + 3,2%, ex-"progressista "(1 caso) + 3,2% , ex-monárquico sem filiação conhecida (1 caso)).

No que respeita à origem geográfica dos mesmos, sendo desconhecida em 35,4% dos casos, entre os restantes, 92,2% viviam dentro da malha urbana de Torres Vedras e 7,8% distribuíam-se pela Carvoeira (1 caso),por Dois Portos (1), pelo Turcifal (1) e por Figueiredo –freguesia de S. Tiago (1).É bem evidente o peso urbano entre os presentes naqueles actos públicos.

Quanto à distribuição sócio-profissional dos que estiveram presentes, desconhecendo a situação em 28 casos , os restantes 51 distribuíam-se do seguinte modo, e por ordem de importância:

-Administração (onde incluímos 1 padre) - 18 casos (35,3%);

-Serviços (todos "comerciantes") - 15 casos (29,4%);

- Industria (1 "industrial" + 1 electricista + 1 funileiro + 1 serralheiro + 1 "fabricante de telha" + 1 alfaiate + 1 carpinteiro + 1 marceneiro) - 8 casos (15,7%);

-Agricultura ( 6 "proprietários" + 1 fazendeiro) - 7 casos (13,7%);

-Ciencia e técnica ( 2 farmacêuticos + 1 médico-veterinário) - 3 casos ( 5,9%);

Vemos assim que o sector terciário era esmagadoramente dominante entre os subscritores dos primeiros actos oficiais do poder republicano.

Conforme já frisámos anteriormente, é significativo o peso das profissões ligadas à administração, principalmente se tivermos em conta que não teriam sido apenas motivos políticos a ditar a sua presença.

Por último, caracterizando etáriamente os mesmos signatários, e tendo por base os 49 casos para os quais possuímos esses dados, 36,7% situavam-se no escalão etário dos 31-40 anos, 24,5% no dos 21-30 anos, decrescendo, de forma significativa, o peso dos escalões etários com mais de 40 anos: 18,4% dos 41 aos 50; 12,3 dos 51 aos 60; 6,1% dos 61 aos 70, 2% com mais de 70 anos. A média etária era de 39,4 anos.

- Manifestações de carácter político

Para além de todo o conjunto de acções de carácter institucional, acima mencionadas, o novo regime afirmou-se também através de manifestações de rua de apoio a actos e símbolos do regime .

Apenas 1 mês após a proclamação da República, a 6 de Novembro, Torres Vedras recebia, com grande pompa, a visita de Machado dos Santos, "na companhia dos tenentes da Guarda Republicana, Mathias dos Santos, Francisco Garcia Thereno, Laurino Vieira, Firmino Rego, Ernesto Joaquim Feio e aspirante Soares, seus bravos companheiros nas gloriosas horas de lucta em prol da Republica...".

Chegando de comboio a Torres Vedras, Machado dos Santos e os seus companheiros seguiram em cortejo até aos Paços do Concelho, registando-se, ao longo desse percurso "manifestações enthusiasticas pelas ruas do transito, de cujas janellas embandeiradas ou engalanadas com colchas eram atiradas flôres".

Na câmara municipal usaram da palavra, entre outros oradores, Manuel Coelho Cláudio Graça, presidente da comissão municipal e Júlio Vieira, referindo-se este ultimo a Machado dos Santos como o "heroe authentico da Revolução" que "vindo a Torres Vedras, justo era que recebesse a consagração de todos aquelles que tambem trabalharam n'esta historica villa em pról da mesma causa e que, á mesma hora a que Machado dos Santos defendia gloriosamente a bandeira verde e encarnada no alto da Rotunda, retinham aqui, pelos meios revolucionarios de que podia dispôr, o regimento de infantaria 15 e os destacamentos de cavallaria que marchavam sobre Lisboa". Machado dos Santos visitou de seguida várias associações e colectividades locais, como o Quartel dos Bombeiros, o Centro Alexandre Braga, o Grémio Artístico e Comercial, a Tuna Comercial Torreense, o Casino de Torres Vedras, deslocando-se ainda à localidade de Runa, onde visitou o Asilo dos Inválidos Militares. Em todos esses locais foi recebido com o uso da palavra de várias personalidades ligadas àquelas colectividades. À Tuna Comercial, onde foi proclamado presidente honorário, Machado dos Santos ofereceu os restos de uma granada usada na Rotunda, ainda hoje aí guardada. A sua visita terminou com um jantar no Hotel Natividade (25).

Ainda durante essa semana, teve lugar outro acto simbólico, a 10 de Novembro, "em signal de regosijo pelo reconhecimento da republica Portugueza, pelas principais nações da Europa," organisando-se "uma marcha "aux-flambeaux" que percorreu as ruas da villa, com archotes e ao som da portugueza, levantando-se durante o percurso enthusiasticos vivas à França, Hespanha, Inglaterra, Italia, etc., ao governo provisório, e muitos outros que traduziam o contentamento geral por tão importante notícia". Para o efeito foram iluminados os edifícios públicos e casas particulares, tocando a "Banda Torreense" durante toda a noite no coreto do Largo da República (26).

Ainda antes do final do ano de 1910 Torres Vedras seria palco de outra visita ilustre de um alto dignatário do novo regime, o ministro da Justiça Afonso Costa, na companhia do governador civil de Lisboa Euzebio Leão, em19 de Dezembro.

Aquelas individualidades deslocaram-se a esta vila de automóvel, pelo que a recepção foi feita à entrada do Turcifal, deslocando-se depois o cortejo até à Câmara de T. Vedras, onde o presidente Manuel Coelho Cláudio Graça proferiu um discurso que teve por tema de fundo a necessidade de fazer guerra aos caciques e evitar a proliferação de caciques republicanos .

A fazer fé nas palavras do mesmo líder político local, esta foi a primeira visita oficial do governo da República a nível nacional, tendo por objectivo "transformar um edificio que fôra um coio de depravação moral, de corrupção, de intriga - numa casa da qual sahissem elementos capazes de constituirem as sociedades modernas", querendo referir-se à finalidade dessa visita que era observar as condições do extinto Convento do Barro para aí transferir os menores da casa de correcção de Caxias .

Depois de visitar o Centro Alexandre Braga, onde falou Júlio Vieira, e de ter almoçado no Hotel Natividade, onde actuou a Tuna do Grémio Artístico e Comercial, o cortejo seguiu para o Barro:

"Depois do almoço, quem estivesse na estrada que conduz a Lisboa, viria uma enorme fila de carros, juntamente com três automóveis, que se dirigiam para o Barro.

"Era o povo que publicamente se manifestava, agora que o póde fazer sem receio dos caciques, e que acompanhava o ministro da justiça na visita ao antigo convento.

"Diz-se que, pelas impressões que ficaram sobre o edificio e as suas condições hygienicas, este não será applicado para a casa de correcção de Caxias(...)"

Depois desta visita, Afonso Costa e a sua comitiva seguiram viagem para a Foz do Arelho, onde tinha jantar marcado com Francisco Grandella (27) .

Entre os cerca de 50 participantes no almoço com Afonso Costa, incluíam-se, além da comitiva oficial, vários altos funcionário da administração pública local, jornalistas, comissão municipal, republicanos históricos ou de tenra data, e 6 ex-monárquicos, dos quais apenas 1 já tinha participado num dos anteriores actos públicos de apoio à República. Dos "recém - convertidos", 3 eram ex-"regeneradores" (2 da facção "henriquista" e outro da facção "teixeirista") e 2 eram ex-monárquicos de tendência política desconhecida, que tinham participado em 1908 na comissão de recepção a D. Manuel II.

Poucos dias antes desta visita, a 5 de Dezembro, tinha sido a vez de os republicanos de Torres realizarem uma excursão a Lisboa "para cumprimentar o governo da República, redacções de jornaes republicanos e dr. Magalhães Lima, o prestimoso Grão-mestre da Maçonaria Portugueza"(28).

Como último acto público de legitimação do novo regime, devemos assinalar a inauguração da Bandeira Nacional nos Paços do Concelho, em 24 de Abril de 1911, que contou com festejos vários, para cuja organização do programa se constituiu uma comissão de republicanos, contando com a presença do Governador Civil de Lisboa Euzébio Leão.

NOTAS:

(1) Folha de Torres Vedras, 9 de Outubro de1910.

(2)Folha de Torres Vedras, 9 de Outubro de 1910.

(3) A Vinha de Torres Vedras, 6 de Outubro de1910.

(4) Folha de Torres Vedras, 9 de Outubro de1910.

(5) Livro de Correspondência Externa (do Administrador do Concelho),(1908-1912), nº 304 de 13 de Outubro de1910, AMTV.

(6) Livro de Actas da Câmara nº37 (1909-1913), sessões de 8 e 13 de Outubro de 1910, e Folha de Torres Vedras, 8 de Outubro de1910,AMTV.

(7) Livro de Actas da Câmara nº37 (1909-1913), sessões de 3 e 7 de Novembro de1910, e Folha de Torres Vedras, 13 de Novembro de1910, AMTV.

(8) Folha de Torres Vedras ,14 de Maio de1911.

(9) Livro de Actas da Câmara nº 37 (1909-1913), sessão de 8 de Outubro de1910,AMTV.

(10) Livro de Actas da Câmara, nº 37,(1909-1913), sessão de 13 de Outubro de1910,AMTV.

(11) Livro de Actas da Câmara, nº 37,(1909-1913), sessão de 17 de Novembro de1910, AMTV.

(12) Livro de Actas da Câmara, nº 37,(1909-1913), sessão de 15 de Dezembro de1910, AMTV.

(13) Folha de Torres Vedras, 18 de Dezembro de1910.

(14) Livro de Actas da Câmara, nº 37,(1909-1913), sessões de 18 de Janeiro e17 de Outubro de 1912, AMTV.

(15) Folha da Torres Vedras, 24 de Novembro de 1912.

(16)Livro de Actas da Câmara, nº 38,(1913-1916), sessão de 14 de Julho de1915,AMTV.

(17) A Vinha de Torres Vedras, 5 de Agosto1915.

(18) Actas das Sessões Plenárias  Senado da Câmara  (1914-1950), sessão de 5 de Novembro de1915,AMTV.

(19)Livro de Actas da Câmara, nº 39,(1916-1920), sessão de 17 de Abril de1918, AMTV.

(20) Livro de Actas da Câmara, nº 39,(1916-1920), sessão de 26 de Dezembro de 1918, AMTV.

(21) Actas das Sessões Plenárias  Senado da Câmara (1914-1950), sessão de 28 de Julho de 1919, AMTV.

(22)Actas das Sessões Plenárias  Senado da Câmara  (1914-1950), sessão de 17 de Dezembro de 1922, AMTV.

(23)Actas das Sessões Plenárias  Senado da Câmara  (1914-1950), sessão de 6 de Fevereiro de1922, AMTV.

(24) Livro de Actas da Câmara, nº 40,(1920-1928), sessão de 16 de Abril de1924, AMTV.

(25) Folha de Torres Vedras, 13 de Novembro de1910.

(26) Folha de Torres Vedras de 13 de Novembro de 1910.

(27) Folha de Torres Vedras, 25 de Dezembro de 1910.

(28) Folha de Torres Vedras , 13 e 27 de Novembro de1910.

2 comentários:

Eduardo Frutuoso disse...

Muito bom, Venerando. Obrigado pela partilha. Um abraço.

Anónimo disse...

um precioso e inestimável documento histórico .
finda a leitura , tomo consciência duma forma ainda + perceptível do sentir liberal de facto e não apenas de "jure" desta terra .
os meus 43 anos de Torres Vedras alicerçaram ainda + o valor imprescindível da tolerância .
acabei de entender melhor , como pôde acontecer o Xico Manel ter sido escolhido para liderar a comissão administrativa , após esse dia inteiro e limpo e com apenas 18 anos .