Nos anos 60-70, numa pequena vila como Torres Vedras, em que os ritmos dos dias eram marcados pela regularidade dos acontecimentos anuais (como a passagem do ano numa colectividade local (Operário, Grémio ou Tuna, conforme o estrato social de cada um), o Carnaval, a Procissão do Senhor dos Passos, o Festival da Canção na RTP, as fogueiras de Stº António nos vários bairros da vila, a Feira de S.Pedro, as Férias de Verão em Santa Cruz, o Natal… ), a passagem dos “bólides” do Rally TAP pelas ruas da vila era aguardado com excitação e expectativa .
Nas noites do Rally TAP, enchiam-se as duas principais artérias da vila, a Av. 5 de Outubro e a Rua Santos Bernardes.
O local mais “espectacular” era a curva de ligação entre aquelas duas artérias, frente ao Café Império, onde eram frequentes as derrapagens.
Quem quisesse um bom lugar tinha de se posicionar algumas horas antes da passagem prevista. Depois era esperar. A multidão começava a agitar-se quando se começavam a ouvir ao longe os roncos dos potentes motores, acabados de sair de Montejunto.
Era o tempo dos Lancia Fulvia, dos Morris Mini Cooper, dos Alpine Renault, dos Fiat 124 Abarth ou dos primeiros Datsuns e Toyotas.
Todos procuravam ver um Tony Fall, um Jean –Pierre Nicolas, um Bjorn Waldegaard, um Sandro Munari ou o português Francisco Romãozinho.
Havia mesmo quem procurasse entre as fabulosas máquinas que por cá passavam o carro do Michel Vaillant!
De facto o misticismo do rally tinha levado a que Jean Graton tivesse incluído numa aventura dessa personagem de Banda Desenhada o Rally TAP.
Com um pouco de sorte, um daqueles bólides parava para se abastecer numa das bombas de gasolina existentes dentro da vila, uma no final da Avenida, frente ao “Napoleão”, onde hoje fica o stand da Fiat, a outra a meio da Santos Bernardes, no local da Caixa de Crédito Agrícola, e então era a corrida para rodear o carro e conhecer os pilotos, muitas vezes estrangeiros, uma possibilidade de se contactar com um outro mundo no Portugal fechado de então, e pedir autógrafos àqueles verdadeiros deuses da miudagem.
A passagem por Torres Vedras não era uma classificativa, apenas um local de passagem entre as míticas classificativas de Montejunto e as do Gradil ou Sintra.
Mas a velocidade era vertiginosa, para os hábitos dos poucos automóveis que, em dias normais, atravessavam as pacatas ruas da vila. Existia então o chamado circuito de manutenção com controle do horário de passagem entre dois troços, e os pilotos tinham de se manter velozes para não chegarem atrasados a esse controle.
Depois o Rally, que passou a ser “de Portugal”, deixou de passar por Torres Vedras. Com um pouco de sorte podíamos ir vê-lo em Montejunto ou ao Gradil. Ainda consegui assistir a uma classificativa em Sintra, um ano antes dos trágicos acontecimentos que acabaram com essa mítica prova.
Hoje o Rally de Portugal é cada vez mais um Rally regional, longe desses tempos “heróicos”.