quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A VIDA TORRIENSE NOS FINAIS DO SÉCULO XIX, nos caracteres da Imprensa Local (1885-1890) - 8 - Agosto de 1885.



 AGOSTO DE 1885

Na edição de 13 de  Agosto do Jornal de Torres Vedras  um articulista queixava-se das condições de funcionamento dos serviços de correio da vila:
“(…) o transporte das malas de ida ou volta é feito pelo systema de há cem anos, - n’uma velha, cega e podre cavalgadura, em malas mais velhas e podres, tendo por guias conductores rapazolas de 16 a 18 annos, completamente ignorantes; alguns amantes de vinho em excesso, e que não têeem,  por isso, cuidado com a correspondência. E assim sucede, que chega aqui, as mais das vezes, rasgada, enlameada, estragada, e servindo apenas para embrulho(…).

“A villa de Alenquer fica a trinta e tantos kilómetros d’esta terra – distância que é percorrida em carruagem em duas horas e meia, e três, quando muito. Pois bem. Uma carta lançada no correio de Torres Vedras para Alenquer, na segunda feira, por exemplo, é distribuída n’esta ultima localidade…na quarta feira pela manhã, 48 horas depois!

“Fallaremos agora no horário da correspondência para o norte.
“De Torres para Alhandra parte às 4 horas da tarde uma mala que leva a correspondência para a linha [de comboio] (…). Esta mala chega a Alhandra às 9 e meia da noite, e tem de esperar para seguir pelo comboio que ali passa [às] 9 e 5 minutos da manhã do dia seguinte.(…).
“Se esta mala partisse de TV não às 4 da tarde, mas às duas, alcançaria o comboio que sai de Lisboa às 7 da tarde, e a correspondência seguiria para o norte no mesmo dia. ( …).

“Nós, em nome do commercio importante d’esta localidade, exoramos encarecidamente ao sr. director geral dos correios, ou a quem competir, que dêem as providencias necessárias [para alterar a situação] (…). (13 de Agosto).

Mês de Agosto era mês de praia para algumas famílias abastadas da vila, que mereciam referência nas página da imprensa local por estarem “a banhos na nossa pitoresca e sadia praia de Santa Cruz”, praia que estava “já muito animada”, onde “as tardes à beira mar, ao pé do famigerado [??] Penedo do Guincho, e da Pedra que bole, são cheias de doce melancolia(…)” (13 de Agosto).

Menos melancólica era a vida da maior parte da população, entregue aos rotineiros trabalhos agrícolas, nomeadamente nas vinhas da região. Estas estavam então sob o ataque da filoxera e a imprensa anunciava que tinha começado no dia 7 desse mês “o tratamento da nodoa phyloxerica do casal do Valle, propriedade do nosso amigo o sr. Dr. Barros e Cunha” (13 de Agosto).

Ainda nesse mês os vinhedos do concelho, principalmente no dia 18,  foram atingidos por um “escaldão” que produziu “gravíssimos prejuízos nos vinhedos. Vinhas há, cujo fructo ficou reduzido a metade, e alguns ainda menos. Parece que a uva foi queimada pelo fogo!”. Nalguns sítios a temperatura “marcou trinta e tantos graus à sombra”.
“Em Matacães, Varatojo, Runa, Dois Portos, faz pena ver se tanto estrago (…).” (27 de Agosto).

O calor da época e as más condições sanitárias do concelho eram propícias à propagação de uma epidemia de cólera, publicando a edição de 20 de Agosto um conjunto de recomendações para se combater essa doença.

Com esse objectivo o administrador do concelho, “sr. Gonçalves Rosa”, auxiliado “pelo sr. sub delegado de saúde” efectuou várias  “visitas domiciliárias” para se inteirar das condições sanitárias da vila. Segundo  o articulista, as “condições sanitárias desta povoação teem melhorado consideravelmente de há um anno para cá; e se não está tudo com tanto aceio e hygiene, como seria para desejar-se, todavia está consideravelmente melhorado (…)” (20 de Agosto).

Quanto às obras do caminho-de-ferro, estavam a decorrer as obras de perfuração do Túnel da Certã , assombradas, na manhã de 18 de Agosto, por um grave acidente que vitimou mortalmente um dos trabalhadores: “depois de se fazerem alguns tiros, ali entrava o trabalhador Juan Lopez, de Lugo, foi victima de explosão de um tiro com que já não contava. Ficou quasi despedaçado (…)” (27 de Agosto).

No primeiro domingo da segunda quinzena do mês foi a vila “invadida” por uma “praga de realejos”. “Foram nada menos de quatro que se fartaram de estafar a moer musica por essas ruas e largos.
“O rapazio teve um dia cheio, fazendo o cortejo dos homens da manivela, e deliciando-se principalmente com a vista de várias figuras mecânicas que adornava um d’aquelles apuradores da nossa paciencia.
“Parece que os pobres artistas não fizeram grande colheita, porque no dia seguinte tinham desaparecido todos como fumo”.

E passava assim mais um mês da vida desta terra, tal com a descrevia a imprensa de então.

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