segunda-feira, 1 de julho de 2019

Torres Vedras e a Primeira Guerra (1914-1918)


(vista Geral de Torres Vedras , no início do Século XX)

Quando se comemora o centenário da assinatura do Tratado de Versalhes, assinado em 28 de Junho de 1919, tratado esse que acabou oficialmente com a Primeira Guerra, estabelecendo as condições da paz e um novo mapa geopolítico na Europa ( que conduziu à ascensão do fascismo e no nazismo e à Segunda Grande Guerra…mas isso é outra história..!!), aqui  recordamos a forma como aquele conflito foi vivido em Torres Vedas.

Na década de 1910 Torres Vedras era uma terra, tal como muitas outras terras de província desse tempo, onde a maioria esmagadora da população, cerca de 75% pelos censos de 1911, se dedicava à actividade agrícola.

Segundo o mesmo censo, outros 11% dedicavam-se à “industria”, uma classificação para as tradicionais ocupações artesanais, seguindo-se o comércio, que ocupava 4,3% das actividades profissionais.

A esmagadora maioria desses artesãos e desses comerciantes estavam concentrada no centro urbano.

O vinho era a principal produção agrícola do concelho, o maior produtor do distrito de Lisboa registado em 1916.

A batata, o milho e o trigo, por esta ordem, eram os produtos mais importantes a seguir ao vinho, embora, no seu conjunto, representassem menos de ¼ da produção vinícola.

Esses três produtos, ao contrário do vinho, destinavam-se maioritariamente ao autoconsumo ou ao comércio local, enquanto o vinho era exportado, maioritariamente pelo caminho-de-ferro, sendo por isso a catividade mais lucrativa do concelho.

No dia em que se realizava a centenária Feira de S.Pedro, na véspera do dia desse santo, 28 de Junho de 1914, em Sarajevo,  era assassinado o arquiduque Francisco Frenando, acontecimento que levou ao desencadear da Primeira Guerra, e que terá então  passado despercebido à multidão que animava essa feira, frequentada, quem sabe, por muitos que, em consequência desse acto longínquo, poucos meses depois, acabariam por ir combater para uma Europa ou a uma África distantes ou por chorar familiares  mortos e estropiados em consequência do conflito que se avizinhava.

Um mês depois daquele acontecimento, declarada a guerra em 28 de Julho de 1914, a imprensa local mostrava-se optimista sobre o rápido desfecho da mesma e sobre as suas consequências:

“(…) Nós portugueses, pela situação especial em que nos encontramos, nada temos por ora que recear, antes é licito supor que Portugal se coloque numa situação se superioridade, como nação aliada que é da Inglaterra, situação de que lhe avirá possíveis vantagens.

“Pelo lado económico a guerra veio surpreender o nosso país numas circunstâncias verdadeiramente satisfatórias, numa época em que se acabam de recolher abundantíssimas colheitas de trigo, em que as colheitas de milho, feijão e outros legumes se podem considerar fartas, num ano em que a produção de batata foi verdadeiramente excepcional e com as uvas prestes a amadurecer.

“Em tais  circunstâncias, num pais onde não falta peixe, os ovos, as galinhas e outros animais de criação, as subsistências estão largamente asseguradas e não há perigo da fome, cujo espectro, poderia horrorizar-nos (…)(1).

Ao mesmo tempo, as primeiras palavras dessa imprensa eram de apelo à paz:

“No momento em que as nações se digladiam, disparando os canhões e procurando ferir os adversários, é difícil a alguém escrever sobre assuntos políticos, tanto mais quando quem escreve presando extremamente as ideias mais largas de fraternidade entre os povos, entende, por igual, que o seu país não pode ser esmagado.

“A hora é de tréguas para a sociedade portuguesa, e precisamente porque o é, deve ser da mais absoluta energia política.

“Somos pela paz; somos pela fraternidade – mas somos igualmente pela República Portuguesa, como garantia dessa paz e dessa fraternidade (…)” (2).

 O órgão local do Partido Democrático apontava o dedo aos responsáveis  por essa guerra:

“ A educação fradesca em que há tantos séculos tem vivido, e em que continua a viver a Europa, é a causa principal de todas as lutas que a têm ensanguentado (…).

“A de hoje foi iniciada pelo mais fervoroso dos católicos, incitada pelo mais ardente  dos  protestantes. Lutero abraçou-se a Inácio de Loiola para esmagarem, pelo esforço comum, o inimigo também comum: a Liberdade (…).

“A Guerra actual poderá ser a última se, vencido no campo das armas o medievalismo imperialista, vencedor for depois, no campo das ideias, o modernismo progressivo da Democracia  (…).

“Há muitos anos que a Europa está dividida em dois campos opostos, sendo um constituído pela Rússia, França e Inglaterra e o outro pela Alemanha e pela Áustria.

“O primeiro grupo representa neste caso a Liberdade, o segundo representa  o despotismo” (3).


No inicio da Guerra publicavam-se A Voz de Torres (9/9/1914 a 1/5/1915) e  A Vinha de Torres Vedras (1894-1920) e no final a “Vinha…” e o  “Ecos de Torres” (11/6/1917 a 1921), onde se publicavam regularmente várias crónicas e noticias, em especial e com maior regularidade as “Notas da Guerra” (in VTV desde 20/8/1914) e “carta de Paris – A Guerra Infame (notas da minha carteira” po A Vinardell Roig, in VTV desde 17/9/1915).

As Notícias da Guerra iam chegando aos habitantes de Torres Vedras, não só pela imprensa local e nacional (esta chegava diariamente por comboio), mas por muitos outros meios:

“Diariamente têm sido recebidos telegramas nesta vila, por intermédio deste jornal, os quais têm sido expostos ao publico em placards nas montras da Papelaria Cabral, na Praça do Município e da Sapataria Vieira, no largo da Republica, pontos centrais, onde tem ocorrido grande concorrência de pessoas a saberem notícias da guerra” (4).

Tendo em conta que uma parte considerável da população era analfabeta, não tendo acesso à imprensa escrita, a imagem foi outro importante meio de informação sobre a guerra.

São muitas as referências, na programação da sala de cinema local, o Animatógrafo Salão Central, à exibição de  filmes de ficção e documentários sobre a guerra ( o 1º referido foi exibido em 22 de  Fevereiro de 1915 : “Guerra Europeia” “dividido em duas partes”).

Outro meio era a fotografia, como aconteceu com uma “Exposição” fotográfica  assim anunciada pela imprensa local: “recebemos de Inglaterra um flagrante relatório fotográfico de 32 páginas, em formato grande, das atrocidades inauditas cometidas pelos alemães sobre a heróica e infeliz Bélgica (…) este documento estará exposto na Sapataria Vieira ( …) e depois será facultado nesta redacção” (5).

África foi o primeiro campo de actuação do exército português, antes da entrada “oficial” no palco europeu.

É nesse contexto que a Comissão Municipal do PRP de T. Vedras apelava “Aos habitantes do conselho de Torres Vedras” :

“Devendo brevemente partir para os campos de batalha [em África] parte do nosso bravo e glorioso Exército Português, parte, por consequência, do nosso todo, no qual vão pais, filhos, irmãos e esposos, afim de auxiliarem as tropas aliadas na defesa do Direito, da  Justiça e da Liberdade, seriamente ameaçadas pela barbárie autro-alemã, a Comissão Municipal do Partido Republicano, resolve apelar para os sentimentos nobres e altruístas dos habitantes do Concelho de Torres Vedras, para que aos nosso briosos soldados não faltem uns certos confortos que as circunstâncias de momento reclamam.

“Assim, na sede da referida Comissão, Centro Alexandre Braga, rua Heliodoro Salgado nº 6, 1º, recebem-se quaisquer donativos tanto em dinheiro como objectos agasalho; tais como: ceroulas, peúgas, camisolas de lã, pensos, ligaduras, etc…(…)” (6).



(visita de Teófilo Braga a Torres Vedras em 1915)

Com o prolongamento da guerra, a imprensa local reflectia nas suas notícias o clima de Guerra  e o seu efeito em termos locais:

- “(…) chegará a haver falta de luz por escassez de óleo combustível? Não, diz-nos o gerente da Sociedade Concessionária [António Augusto Cabral]” (7);

- notícias de torrienses que se deslocaram a Lisboa para se despedirem das tropas expedicionárias que partiram para África (8);

- informação sobre editais publicados pela  Administração do concelho “convocando todos os praças do grupo de bateria de reserva que queiram fazer parte da nova expedição a Angola” para se apresentarem no quartel de artilharia 1, passando –se “guias de passagem para Lisboa” (9);

- noticia de uma comissão do Exército que se  deslocou a Torres Vedras para comprar cavalos: “apenas comprou 5 cavalos, rejeitando os restantes, sendo o melhor cavalo (…) o do sr. António Boto de Carmões” comprado por 350$000 réis (10).

Destacam-se também outras iniciativas que procuravam esclarecer a população sobre o conflito e serviam igualmente de propaganda para divulgar a posição do governo, as chamadas Conferências Patrióticas:

 - na Tuna, em 22 Novembro de 1914. Conferencistas: Agostinho Fortes e Aníbal Lúcio de Azevedo. O tema tratado foi “a situação de Portugal perante o conflito europeu”. Contou com “um numeroso auditório a que não faltaram as senhoras para lhe dar mais realce” (11);

- no Grémio em 30 de Novembro de 1914, uma “Récita patriótica”, cujo produto ”reverterá em benefício da Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha” (12).

(A Récita rendeu 170$000, sendo divulgados os nomes e os valores dos contribuintes ao longo de várias edições. Na edição em que encerraram essa divulgação refere o jornal A Voz de Torres que no “próximo número publicaremos os nomes dos germanófilos, dos anti-patriotas que se recusaram a contribuir para tão útil quão humano fim. Assim o querem, assim o tenham” (13)).

- na Tuna em 1 Dezembro 1914 -Conferência Patriótica do “Pró-Pátria”. Conferencista – “Sr. Biker (14).

Um acontecimento com repercussões em termos locais, a Revolta Monárquica de 20 de Outubro de 1914, conhecida como “revolta da àgua pé”, não escapou a esse clima de sobressalto constante e de medo da guerra, como se revela numa passagem da reportagem sobre esse acontecimento:

 “(…) pelo caminho [perto da Coutada] só encontramos de anormal povoações em alarme, gente fugindo pelos pinhais, mulheres lastimando a sua sorte, muitos boatos desencontrados, uns diziam que os alemães tinham desembarcado próximo de Santa Cruz para nos aniquilar, outros gritavam que era tropa do governo que vinha buscar gente para a guerra” (15).

(Imagens da "revolta da àgua pé", na região da Ventosa, concelho de T. Vedras. "Ilustração Portuguesa")


No inicio de 1916 a imprensa local já revelava um maior pessimismo sobre os efeitos da Guerra:

“Assistimos à queda do verdadeiro idealismo, num século que devia iluminar, pela sua perfeição, a História do mundo inteiro, para retrogradarmos aos tempos mais remotos do barbarismo, para presenciarmos a mais cruel obra se selvagismo que fez desencadear um coro de imprecações das cinco partes do globo, e acendem as mais ruins paixões, destruindo, até à base, a própria civilização que os séculos conquistaram.

“Que vais tu ser, 1916, se esta guerra amaldiçoada se prolongar, como vaticinamos, para além de ti, talvez para além, ainda, dos fins de 1917?

“Agravada cada vez mais a carestia e falta de subsistências, desaparecendo gradualmente os géneros de primeira necessidade, suspenso ficará, sobre as nossas cabeças, como a espada de Démocles, o gládio da Fome, cuja lâmina pontiaguda já faz arrepiar os cabelos”.

“Que o Novo Ano nos traga, ao menos, a esperança fagueira de que todas estas calamidades desaparecerão breve, e já nos daremos felizes” (16).

Pouco depois Portugal entrava finalmente no conflito europeu, apesar de já estar envolvido na frente africana desde o início do conflito.

Depois de, em Fevereiro desse ano de 1916 o governo português ter apresado todos os navios alemães e austro-húngaros ancorados na costa portuguesa, a pedido dos ingleses, a Alemanha declarou guerra a Portugal em 9 de Março. Oficialmente Portugal entrava no conflito, embora já combatesse em África desde 1914.


A “Vinha…” realçava a “ serenidade com que o povo português recebeu a declaração de guerra feita a Portugal pela Alemanha, contrasta com o nervosismo daquele poderoso país, em fazer tal declaração”(17).

Uma das primeiras medidas concretas em termos locais para preparar a nova realidade reflecte-se na Ordem de serviço nº 19 de 19 /3/1916 da Sociedade de Instrução Militar Preparatória nº 19 de Torres Vedras:


“Na hora presente, em que pela declaração de guerra com que a Alemanha, essa nação brutal (…) nos honrou, nós portugueses, que nos presamos de ser, não podemos ficar de braços cruzados, esperando algum milagre da padroeira (...).


“Como director da instrução deste núcleo e sociedade, cumpre-me o dever de apelar para vós, homens de amanhã, para que, dedicando toda a vossa atenção e toda a vossa força de vontade à instrução que vos é ministrada, procureis tornar-vos aptos a bem defender a nossa querida Pátria (…).

“Este meu apelo, dirijo-o a todos os homens válidos de Torres Vedras (…).

“Trabalhem, pois, com ardor, no ressurgimento da nossa querida Pátria fazendo por ela todos os sacrifícios necessários(…)”.

      " O Director da Instrução
Jorge Marrecas F. Pimentel, capitão de Infantaria 2" (18).

A partir desse ano a até ao final da guerra, multiplicam-se os actos de apoio à mobilização, que se reflectiam nalgumas das noticias da imprensa local:

- 11/4/1916 - Os habitantes de Torres Vedras tomam conhecimento, por “placards afixados”, da vitória de tropas portuguesas sobre as alemães, em África, “tomando a baía de Kionga” . Na vila “formou-se uma comissão que organizou uma marcha aux-flambeaux. À frente íam as bandeiras de França, Inglaterra e Portugal, fechando o cortejo a Filarmónica Torrense, que executou o Hino Nacional, no meio de frenéticos vivas à Pátria, ao Exército, à República (…) subindo ao ar um sem número de foguetes e reinando grande entusiasmo” (19);

-30/7/1916 – Realizam-se as provas finais  e os concursos desportivos dos “mancebos” da Sociedade de Instrução Militar, com a presença do Ministro da Guerra e da banda de Infantaria nº 2 (20);  

-3/9/1916 – Realiza-se  uma “sessão patriótica” com a presença de membros do governo, deputados e altas patentes militares(21).  

Ponto alto desse clima de mobilização foi a realização, no concelho, de parte das manobras da 1ª Divisão entre 8 e 30 de Outubro de 1916 (sobre essas manobras, ver também AQUI) :

“No dia 8 chegaram a esta vila dois pelotões do primeiro esquadrão de cavalaria 4, dois do segundo com respectivo estado maior, sob comendo do major sr. João Nunes Vilela e uma secção de exploração.

“Às 9 horas chegaram as primeiras patrulhas que tomaram as embocaduras das ruas, indo uma até ao Castelo.

“Depois chegou o resto da força composta de 200 praças, 16 sargentos e 42 oficiais, que seguiu em direcção à praça de touros onde bivacou.

“Infantaria 5 tem estado no Turcifal onde tem feito vários exercícios, assim como tem estado bivacado na Encarnação o regimento de infantaria 1, e outros regimentos em diversas localidades aqui perto, esperando se que aqui cheguem muito em breve.

“Amanhã ou depois deve chegar o quartel general, cujos alojamento para oficiais e secretarias já estão prontos”(22).

Vários locais de Torres Vedras foram ocupados por vários serviços dessa divisão:

- Quartel General : “num prédio da rua Valadim, entre a Avenida e a Praça Nova”;
- Estação central de telefones : “Na sede da Associação de Socorros Mútuos 24 de Julho”;
- Pagadoria : “num prédio da rua Paiva de Andrada”;
- Correio Militar : “noutro à esquina do Largo de S. Tiago”;
- na Porta da Várzea: “montaram-se os serviços de telegrafia sem fios, parque de automóveis e serviços de saúde”;
- Secção de “camions” : “No prédio do sr. José Pedro Lopes”;
- nos Armazéns das Covas: “os depósitos de provisões”.
- 2 Hospitais de sangue : “No campo de S. João”(23).



(reportagem da "Ilustração Portuguesa" sobre as manobras lideradas por Pereira D'Eça)


“Na vila acham-se aboletados soldados e oficiais em grande número, e foi interessante e pitoresco o aspecto de Torres Vedras, no domingo de mercado, pela grande quantidade de famílias que vieram visitar oficiais e soldados.

“os diversos regimentos de infantaria, cavalaria e artilharia acham-se bivacados em roda de Torres Vedras, pelo que se póde dizer-se [sic] que neste concelho estão concentradas tropas no efectivo de alguns milhares de homens.

“O matadouro municipal desta vila foi tomado militarmente, não sendo ali abatidos senão rezes da administração militar” (24).

Deve-se a Júlio Dantas uma pitoresca descrição  dessas manobras na área do concelho:

“Partimos de Torres Vedras às 10 horas da manhã, num automóvel do Quartel General. A divisão Pereira d’Éça estacionava a norte, dispersa numa extensão de noventa quilómetros quadrados, ao longo de três grandes estradas divergentes. Tomámos pela estrada Torres- Lourinhã-Peniche.

“(…) vinte minutos depois, estávamos em Paio Correia (…) [onde] alastravam as tendas do primeiro bivaque: era o batalhão de infantaria 11. Começava a subir o fumo das cozinhas. Um carro alentejano descarregava pão (…). Bandos de soldados, risonhos, tisnados, uma toalha branca ao pescoço, vinham de lavar-se no ribeiro. (…).

“Seguimos [até] “A dos Cunhados”, centro de reabastecimento, coalhado de carros de bois e de camions militares (…) num campo à mão esquerda, estendia-se o bivaque do 3º grupo de baterias divisionárias (artilharia 3) (…). Dois soldados, a cara lambuzada de sabão, faziam a barba, à beira da estrada”.

Seguiram depois para o Vimeiro onde estavam “duas formações sanitárias –a ambulância nº 2 e uma coluna de transportes - ; e, mais adiante, num vasto campo, perto das águas lampejantes do Maceira, os dois batalhões de infantaria 1”. Continuaram até Toledo onde “se encontravam acantonados os sapadores mineiros”, continuando na direcção a Cabeça Gorda, voltando a Paio Correia, seguindo para o Amial, perto da onde, “subindo por uma encosta de pinhal, um vasto bivaque de três batalhões, infantaria 16 e 17”, seguindo para o Ramalhal “onde vimos infantaria 5 e metralhadoras”, seguindo pela Ermegeira, Quinta do Visconde, Maxial “onde estacionava o 1º grupo de baterias”, Malpique e Mecejana .

Ao todo dispersavam-se pela região vinte mil homens da divisão Pereira D’Éça.

Chegaram a Torres Vedras à 1 hora da tarde (25).

O clima de guerra em Torres Vedras acentuou-se ao longo de 1917 e 1918 (sobre Torres Vedras em 1917, ver também AQUI):

- 15/2/1917 - Anuncio da abertura em  Torres Vedras de uma sub-comissão da Cruzada das Mulheres Portuguesas, presidida pela “professora oficial srª D. Emília de Castro Garcia”(26);

-25/3/1917 -Promovido “por um grupo de piedosas senhoras” , realizou-se na Igreja de Dois Portos “uma festividade religiosa ao Senhor dos Passos, fazendo votos pela vitória das armas portuguesas”(27);

- 23/4/1917 -  Chegam à vila os alunos da escola de Guerra, para exercícios militares. Faziam parte do contingente que partiu para França em 14 de Maio. (memória anónima manuscrita).

- 5/6/1917 - Uma comissão “de senhoras da Freiria” entregou na redacção de A Vinha…., “12 escudos destinados aos feridos de guerra”, parte do produto de uma quermesse realizada naquele lugar (28);

- 21/2/1918 - “Pedido de Madrinha de Guerra” – “De Inglaterra escreve-nos o soldado Cipriano Jacinto, deste concelho (….) pedindo uma madrinha de guerra(…)” (29);

- 26/4/1918 - O padre Jacinto Pio Sobreiro, prior de S. Pedro, comunica à realiza “solenes exéquias por alma dos nossos soldados mortos no campo de batalha” (30);

A própria imprensa local colabora no esforço de Guerra : “A Vinha de Torres Vedras, no patriótico intuito de fornecer notícias do torrão natal àqueles que em terra de França estão honrando o nome português, tem sido enviado gratuitamente a vários conterrâneos nossos, e sê-lo-á da mesma forma àqueles que requisitarem este jornal” (31).

Contudo o maior reflexo da guerra em termos locais foi em termos económicos, reflectindo-se no preço e na falta de géneros, situação que provocou alguma agitação social (sobre o efeito da chamada "crise de subsistências" no concelho de Torres Vedras, podem ler mais AQUI) .

Logo em 1915 foram tomadas várias medidas institucionais para controlar o preço e o comércio dos géneros de primeira necessidade, com a criação as chamadas “Comissões de Subsistência”:

- Decreto nº 1483 de 6 /4/1915 -  cria uma “Comissão Reguladora dos Preços Alimentícios” em cada concelho do país para elaborar tabelas do preço de venda a público dos géneros alimentícios de primeira necessidade e registar a saída de cereais do concelho para o abastecimento das fábricas de moagem.

- Decreto nº 1900 de 18/9/1915- substitui as “Comissões Reguladoras” por “Comissões de Subsistência” para atenuar “os inevitáveis efeitos da guerra europeia e tomar medidas a fim de obstar a que a elevação dos preços dos géneros de primeira necessidade” fosse “devido a causas menos lícitas”. Serviam para tabelar o preço dos géneros de primeira necessidade e obrigar os “produtores, comerciantes ou detentores de quaisquer géneros de primeira necessidade, que possuindo-os para venda se recusem vendê-los, ou os tiverem em quantidade superior às necessidades da família e da sua exploração agrícola, industrial ou comercial” a “expo-los à venda, sempre que haja procura, sob pena de desobediência qualificada”.

Outra medida foi a criação de Celeiros Municipais:

- Decreto nº 4125 de 22 /4/1918, cria os “Celeiros Municipais” com  o objectivo de auxiliarem a Repartição de Cereais  de Panificação da Direcção Geral de Subsistências, do Ministério das Subsistências e transportes, na aquisição, armazenagem  distribuição pelo país de todo o centeio, milho e trigo das futuras colheitas e das farinhas desses cereais.

Os celeiros eram administrados pelo Presidente do executivo, por um vereador eleito e pelo tesoureiro da fazenda pública.

As câmaras ficam com um grande poder sobre a vida económica dos concelhos.

Em 10 de Julho de 1918 foram requisitados os celeiros de João Ferreira Júnior e de Ângelo Custódio Rodrigues, ambos na Rua Dias Neiva.

Em consequência da grave situação económica provocada pela entrada de Portugal no palco europeu, generalizaram-se os protestos contra a carestia e a falta de géneros.

Em Setembro de 1915 registou-se em Torres Vedras “grande indignação (...) pelo facto (...) de os açambarcadores de géneros não serem incomodados pelas autoridades”.

Entre os finais de Maio e início de Junho de 1916 registaram-se protestos contra a venda de “um novo tipo de pão de trigo e milho misturado e pelo preço idêntico ao do pão de trigo só” motivando várias reuniões que resultaram num acordo os  “industriais de padaria” para “fabricar, além do pão fino, sem limite de preço, um tipo de pão de farinha de trigo por 180 réis o quilo e um tipo de pão de milho, com uma margem de rolão grosso”, por “120 réis o quilo”.

Em 26 de Setembro de 1916 os proprietários das mercearias reuniram-se para protestar “contra as delongas do fornecimento do açúcar” e as dificuldades opostas ao comércio local”.
A chamada  “crise de subsistências” em Torres Vedras no período da 1ª Guerra foi sentido de forma diferente pelos vários actores socias:

A população rural, que vivia basicamente  da produção agrícola, queixava-se principalmente do preço dos meios de produção e das limitações á exportação e comercialização dos seus produtos.

A população urbana, constituída maioritariamente por assalariados ligados às actividades não agrícolas, queixava-se principalmente da subida dos preços dos géneros de primeira necessidade, do açambarcamento dos comerciantes e da má qualidade do pão fabricado.
Por sua vez os comerciantes  queixavam-se do tabelamento dos preços e, no caso dos padeiros, da falta de matéria prima.

Em relação á situação alimentar da população torriense, não se terão registado situações de fome extrema, já que funcionava uma economia de auto-subsistência, pelo menos no meio rural (32).

De qualquer modo, a instabilidade  alimentar facilitou a rápida disseminação da pneumónica em 1918 (sobre o impacto deste acontecimento em Torres Vedras, podem ver mais AQUI), com as consequências trágicas que se conhecem, tendo sido este concelho um dos mais atingidos (33).

A vitória aliada e o fim da guerra foi, assim, bastante festejada, festejos assim referidos pela imprensa local:

-  “ULTIMA HORA
 “A PAZ
“Enfim! Victória!
“Os alemães acabam de assinar o armistício capitulando.
“Em sinal de regozijo uma comissão composta por indivíduos desta vila, pede para que hoje sejam iluminadas as frontarias dos prédios”(34).

- “COMEMORANDO A VICTÓRIA DOS ALIADOS
“Uma comissão composta pelos srs. Jacinto Custódio Rodrigues, José Augusto d’ Almeida Trigueiros, Artur Gouveia d’Almeida, João Fernandes Caldeira e Victor Fonseca, angariaram por meio de subscrição a quantia de 95$65 que tiveram o seguinte destino:
23 famílias contempladas a 3$00     - 69$00
7 esmolas de $50                      -  3$50
Pago ao distribuidor das esmolas      -   $50
Entrega à sopa dos pobres            - 22$65  (…)”
“Torres Vedras, 8 de Novembro de 1918
- “Ex.mo Sr. Júlio Vieira – regozijando-nos muitíssimo com o triunfo dos aliados, e para festejar esta tão desejada vitória, rogamos a V. ex.ª que faça chegar às mãos da ilustre direcção do hospital desta vila, a quantia de 10$00 que junto enviamos (…) – João Antolin e Francisco F. Antolin” (35).

Dessa guerra ficou a memória dos muitos torriense que nela combateram e o nome da Rua 9 de Abril,  atribuído à parte da rua Dias Neiva “compreendida entre a Praça da República e o prédio da Firma Fonseca & Lisboa (…) para perpetuar os actos de heroísmo praticados pelo exercito Portuguez na batalha da França”, em sessão do senado de 28 de Julho de 1919. ( in Actas das Sessões Plenárias [Senado da Câmara] 1914-1950, sessão de 28/7/1919, AMTV).

Também muitos ainda se recordarão de ver desfilar no Dia de Portugal, em Torres Vedras, os velhos combatentes dessa guerra, que viviam no “Asilo” Militar de Runa os seus últimos anos de vida.

Ficam aqui, em traços largos, a memória do que foi o reflexo dessa guerra, ao mesmo tempo distante e próxima, distante das destruições materiais e dos horrores das populações em desespero no centro da Europa, mas próxima pela presença de torrienses nas frentes europeia e africana e pelos reflexos socias e económicos vividos pela população do concelho.
  • (1)    Editorial de A Vinha de Torre. Vedras (VTV) de 78/1914;
  • (2)     “Em Hora de tréguas” in A Voz de Torres (AVT) – 9 /8/1914 (nº1), órgão local do PRP;
  • (3)     “A Guerra e o livre Pensamento” in A AVT – 23 /8/1914;
  • (4)     in VTV 13/8/1914;
  • (5)     in VTV de 8/4/1915;
  • (6)     in AVT de 15 /11/ 1914;
  • (7)     In VTV de 6/8/1914;
  • (8)     in VTV de 10/9/1914;
  • (9)     in VTV de 19/11/1914;
  • (10) in VTV de 21/1/1915;
  • (11) In AVT de 22 e 29/11/1914;
  • (12) In AVT de 29/11/1914;
  • (13) In AVT de 7/2/1915;
  • (14) In AVT de 6/12/1914;
  • (15) Revolta da àgua pé de 20 Outubro 1914, reportagem publicada nas páginas de A Voz de Torres, 1 /11/ 1914;
  • (16) “Novo Ano” (1916) in VTV de 6/1/1916;
  • (17) in VTV de 16/3/1916;
  • (18) In VTV de 30/3/1916;
  • (19) In VTV de 13/4/1916;
  • (20) In VTV de 27/7 e 3/8 de 1916;
  • (21) In VTV 10/8, 31/8 e 7/9 de 1916;
  • (22) in VTV 12/10/1916;
  • (23) In VTV de 9/10/1916;
  • (24) In VTV de 19 /10/ 1916;
  • (25) Júlio Dantas  para o jornal Primeiro de Janeiro, segundo transcrição na VTV de 8 /11/ 1916;
  • (26) In VTV  de 15/2/ 1917 e  7/6/1917;
  • (27) In VTV de 22/3/1917;
  • (28) In VTV de 7/6/1917;
  • (29) In VTV 21/2/1918;
  • (30) Acta da CMTV de 24/4/1918;
  • (31) In VTV de 5/7/1917;
  • (32) Sobre a “questão da subsistências”, baseámo-nos na nossa comunicação “A Questão das “subsistências” em Torres Vedras (1916-1918)” , publicada em “História da Alimentação, Turres Veteras IX, Lisboa Colibri, 2007, pp.181-214;
  • (33) Sobre este tema ler “Torres Vedras e a Pneumónica de 1918”in História da Saúde e da Doença, Turres Veteras XIV, coord. de Carlos Guardado Silva,ed. Colibri/CMTV, Maio 2012, pp..187 a 203;
  • (34) in VTV 7/11/1918;
  • (35) in VTV 14/11/1918.


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