segunda-feira, 27 de junho de 2016

1955 /1956 – Recordar os anos de glória do “Torreense”


Há 60 anos atrás o “Torreense” viveu um momento de grande euforia, iniciado em Maio de 1955, com a primeira subida do clube à “primeira divisão” nacional de futebol, e que atingiu o seu auge como finalista da Taça de Portugal em Maio de 1956.
Após duas épocas em que esteve à beira de subir de divisão, finalmente o sonho concretizou-se em Maio de 1955.
 
(equipa vencedora da 2ª Divisão na época de 1954/1955)
Não se pense, contudo, que as coisas foram fáceis. A duas jornadas do fim da fase final da zona sul da 2ª divisão, o Torrense encontrava-se mais uma vez em segundo lugar, depois de, na jornada anterior, ter sido derrotado pelo seu rival de sempre , o “Caldas”.
 
Mas nessa jornada o Torreense conseguiu derrotar outro forte concorrente à liderança, o Oriental, batendo-o por 3-1, e,  beneficiando da escorregadela do Caldas contra o Montijo, chegou à última jornada na liderança.
Na véspera dessa jornada, marcada par Domingo dia 29 de Maio, o jornal “Diário Popular”, num artigo justamente intitulado “Na Derradeira Jornada os três primeiros lugares por decidir”, descrevia o que estava em jogo:
“Este Campeonato Nacional da II ª Divisão parece destinado a resolver-se nos últimos minutos. Quando tudo parecia resolvido com o Caldas S.C na Iª Divisão [depois de ter derrotado o Torreense], a jornada de domingo [passado] deu uma volta à classificação (…).
“Em vésperas da última jornada, três clubes estão interessados nos dois primeiros lugares: Torreense, Caldas S.C e Oriental (…).
 
“A partida do dia é jogada em Santarém, onde os “Leões” recebem o Torreense que entra em campo…na Iª Divisão” (1).
Apesar da pressão,  e do facto de jogar fora, o Torreense conseguiu vencer os “Leões” de Santarém por duas bolas a zero, golos marcados, respectivamente, por Carlos Alberto, aos 30 minutos da primeira parte, e por Mendonça, aos 35 minutos da segunda parte(2).
Com essa vitória o Torreense alcançava o primeiro lugar e o acesso directo à 1ª Divisão, facto até então inédito na sua história.
(Página do Diário Popular de 29 de Maio de 1955)
Assim que se soube em Torres Vedras da vitória em Santarém, de imediato o entusiasmo apossou-se das ruas da antão vila:
“Nas janelas surgiram, num ápice, colchas e colgaduras, enquanto nas ruas já mal se pode romper – que as dezenas de camionetas e automóveis regressados de Santarém ou provenientes de localidades do concelho despejavam, quase sem cessar, gente e mais gente, que parecia tomada de loucura colectiva e desfilava de um lado para o outro atrás de charangas surgidas não se sabe donde…
“Nos “cafés” e nas tabernas as “rodadas” sucediam-se para “lubrificar” as gargantas enrouquecidas de tanto gritar, enquanto se aguardava a chegada dos “heróis” da jornada (…).
“Finalmente, incorporados num cortejo automóvel, com 5 quilómetros (!) de extensão e no qual figuravam 400 veículos, surgiram na vila os jogadores do Torreense empoleirados numa furgoneta descoberta sobre a qual se destacou uma grande bandeira da colectividade. Então é que foi o “fim do mundo” (…) no ar rebentavam mais foguetes e morteiros (…) sendo, às tantas, os “ídolos” sacados em ombros até à sede da Associação de Educação Física e Desportiva, onde se improvisou uma sessão de recepção.
“Usou da palavra o presidente do Torreense, Dr. José António Neiva Vieira (…) encerrando-se a sessão com o hino da vila, executado pela banda dos Bombeiros locais (…)” (3).
(reportagem do jornal "Diário Popular" de 29 de Maio de 1955 sobre os festejos em Torres Vedras pela subida do Torreense à 1ª Divisão)
 
Os festejos continuaram por toda a semana, destacando-se uma “marcha luminosa” de 3 mil balões no dia seguinte e as danças nas ruas “em animados bailaricos”.
Chegou mesmo a anunciar-se um jogo comemorativo com o Celta de Vigo (4), o qual, pelo que sabemos, não se chegou a efectuar.
Treinada por um argentino, Oscar Tellechea, a equipa contou com alguns jogadores argentino no seu plantel, os médios Juan Forneri e Américo Belen.
O plantel, para disputar o campeonato, contou com 23 jogadores, os guarda-redes Serrano e António Gama, os defesas António Augusto, Mergulho, Amílcar Silva e Joaquim Fernandes, os médios Aragão, António Bernardes, Forneri, António Manuel, Carapinha, Inácio (angolano), José da Costa, Belen e Carlos Alberto, e os avançados Martins, Pina, Fernando Mendonça, João Morais, Rui André, Matos, José Gonçalves e João Mendonça (5).
O Torreense estreou-se na 1ª Divisão com três vitórias consecutivas, respectivamente sobre o Lusitano de Évora, por 2-0, o Sporting, batido surpreendentemente por 1-0 em Alvalade e a Académica, por 2-0. No final da 1ª jornada da época o Torreense estava na 4ª posição do campeonato. A segunda época não correu tão bem, mas mesmo assim conseguiu terminar o campeonato na 7ª posição, com 22 pontos, 7 vitórias, 8 empates e 11 derrotas.
O campeonato desse ano foi vencido pelo Futebol Clube do Porto, que quebrou nessa época um jejum de 15 anos sem ganhar um campeonato.
 
(Equipa do Torreense que disputou o campeonato da 1ª Divisão na época de 1955/1956)
 
A balizar esta época de glória, a equipa de Torres Vedras acabou por voltar a surpreender, chegando ao final da Taça de Portugal.
Os jogos da Taça realizavam-se numa curta jornada de eliminação , ao longo do mês de Maio.
Depois de eliminar o Desportivo de Beja nos dezasseis avos de final, canhou-lhe pela frente o poderoso Sporting, mas, a jogar em casa, para surpresa de muitos, o Torreense conseguiu eliminar a equipa de Alvalade com um golo isolado, na segunda parte, aos 12 minutos, na sequência de um livre marcado por Carlos Alberto que “endossou a bola a  Forneri que, com um golpe de cabeça fez a bola entrar na baliza de Carlos Gomes”(6).
Nos quartos de final canhou o Braga, e, pela terceira vez, o Torreense jogava em casa. Com um empate a zero golos no final da primeira parte, foi mais uma vez no segundo tempo que a equipa da casa acabou por vencer, por 2-0, golos marcados por Frernando Mendonça da mesma maneira, na sequência de “um centro de José da Costa” (7).
O Torreense chegava assim às meias finais e encontrou pela frente outra equipa, então das mais poderosas, o Belenenses, que terminara o campeonato na terceira posição, com a agravante de ter calhado em sorteio que o jogo se disputasse na “tapadinha”, em Lisboa.
 
(1ª página do Diário Popular de 20 de Maio de 1956, anunciando os finalistas da Taça de Portugal)
 
O jogo foi um dos mais emocionantes da taça, com um empate a uma bola no final da primeira parte e um empate a duas bolas, conseguido por Fernando Mendonça, ao 43 minutos, obrigando ao prolongamento.
A dois minutos do final do prolongamento Gonçalves marcou o golo que o colocou o Torreense na final:
“A vitória do Torreense aceita-se bem, até porque foi a equipa que menos se ressentiu na altura decisiva “ (8).
Um ano depois de ascender pela primeira vez à primeira divisão, o Torreense garantia a presença na final da Taça de Portugal, onde ía enfrentar o vencedor do campeonato, o Futebol Clube do Porto.
O “Diário de Lisboa” anunciava que na final, disputada no dia 27 de Maio de 1956 a partir das 17 horas, e arbitrada por  Hermínio Soares, iam estar “duas equipas a lutar de igual para igual”, desmentindo a idéia de um embate entre Davis e Golias. (9).
Disputada no Jamor, o Porto marcou logo no ínicio, aos 3 minutos, numa jogara fortuita, mas o Torreense bateu-se sempre de igual para igual, tendo, por várias vezes, estado à beira de igualar a partida.
O Porto só conseguiu consolidar a vitória no segundo tempo, através da marcação, aos 12 minutos, de uma grande penalidade, muito duvidosa e contestada. Num violento ataque à arbitragem do jogo, o jornal “República” referiu que não se descortinou “a mais leve falta”, opinião dada por outros órgãos de imprensa da época. Mas mesmo a perder por essa diferença, o Torreense bateu-se até ao último minuto, falhando desafortunadamente várias oportunidades de golo.
Longe “de se entregarem os torreenses imediatamente desceram no meio campo do adversário”, insistindo o Torreense nas jogadas de ataque, falhando várias oportunidades de golo, perdendo “golos em série” (10).
A imprensa da época elogiou a atitude dos jogadores do Torreense: “À turma torreense deve ter causado espanto, primeiro a impressão, a rondar pela má sina; depois, o facto de nas primeiras jogadas do encontro não ter marcado, como merecia, dado a boa urdidura de dois ou três lances, traídos somente pelo golpe final.
“(…) O Torreense, com a sua presença na “final”, em que compareceu por mérito próprio (…) não ficou diminuído” (11).
A desforra com o Porto surgiu quase cinquenta anos depois, no dia 16 de Fevereiro de 1999, quando, à 5ª eliminatória da taça, a jogar no estádio das Antes, frente a um poderoso Porto, então liderado por Fernando Santos, o Torreense marcou um golo isolado, a cinco minutos do fim, eliminando o Porto. A data coincidiu com a terça feira de Carnaval, e a festa prolongou-se por vários dias.
Nunca o Torreense voltou a viver momentos de tanta euforia como nesse período entre 1955 e 1956.
Claro que ainda se conseguiu manter na Primeira divisão por mais duas épocas, voltando a descer de divisão no final da época de 1958/59, regressando à divisão maior efemeramente na época de 1964/1965. Foi necessário esperar mais de trinta anos para voltar a estar entre os primeiros na época de 1991/1992.
Na taça de Portugal nunca voltou a repetir a façanha, apesar de ter chegado aos quartos de final na época de 1983/1984 (12).
 
Mas estas são outras histórias que, em boa hora, têm vindo a ser regularmente recordada nas páginas do jornal “Badaladas” por Rui Santos, quando nos aproximamos, em Maio de 2017, do primeiro centenário do clube de Torres Vedras.
(1)    Diário Popular, 28 de Maio de 1955;
(2)    Diário Poular,30 de Maios de 1955;
(3)    Diário Popular, 30 de Maios de 1955;
(4)    Diário Popular, 31 de Maio de 1955;
(5)    Site www.zerozero.pt;
(6)    Diário Popular, 6 de Maio de 1956;
(7)    Diário Popular,13 de Maios de 1956;
(8)    República, 21 de Maio de 1956;
(9)    Diário de Lisboa, 26 de Maio de 1956;
(10)Diário Popular, 27 de Maios de 1956;
(11)República, 28 de Maio de 1956;
(12)MATOS, Vivian e Sandra, Passado Presente (monografia sobre o SCUT), ed. 1998.
(nota: uma versão resumida deste texto foi publicada nas páginas do jornal "Badaladas" de 17 de Junho de 2016)

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