sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Recordar o Ceia - Breve Homenagem a um AMIGO


Conheci o Ceia (1944-2024) no Cineclube de Torres Vedras, aí pelos idos de 1973, altura em que um lote de jovens professores, com novas ideias, vieram arejar o velho liceu de Torres Vedras.

Nunca fui seu aluno, na escola, mas ele foi das pessoas que mais contribuiu para a minha formação.

O cinema foi a sua primeira paixão e deu um grande contributo para retirar o Cine Clube de Torres Vedras das cinzas em que vivia desde que lhe tinha sido imposta uma direcção devidamente domesticada pelo velho regime salazarista.

O seu humor, a sua criatividade e o seu entusiasmo eram contagiantes. A ele se deve uma total renovação na programação, no grafismo dos boletins e na vida do velho cineclube.

Os anos que se seguiram ao 25 de Abril foram de grande entusiasmo, com a criação das chamadas “brigadas móveis” de 16 mm, por ele baptizadas,  percorrendo as aldeias do concelho, permitindo que muita gente assistisse, muitos pela primeira vez na vida, a uma sessão de cinema.

Depois seguiram-se outros projectos que percorri na sua companhia e na de um lote de amigos que me acompanharam para a vida. Foi a colaboração irreverente no “Oeste Democrático”, foi a célebre e polémica sessão de cinema underground incluída na programação da chamada “semana contra a droga”, em consequência da qual, só faltou colocarem-no, a ele e aos que o acompanharam no projecto, às portas da “vila” com alcatrão e penas, foi o jornal Área, criado em 1979, com um grafismo arrojado para a época, até hoje um imbatível  projecto jornalístico no panorama torriense e até a nível nacional.

A partir do jornal Área nasceu aquele que foi o seu maior projecto cultural de vida, a criação da Cooperativa de Comunicação e Cultura, no âmbito do qual se incluiu, é bom aqui recordar, o Performarte de 1985, iniciativa pioneira em Portugal e ainda hoje muito citada.



A partir de 1981 iniciou a sua careira como professor da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, que marcou todos os alunos que frequentaram as suas aulas.

Pelo meio, a produção de alguns dos mais criativos cartazes e autocolantes, não só em Torres Vedras, mas também a nível nacional, com destaque para muitos cartazes para as sessões do cineclube, para as actividades da Cooperativa, para as comemorações do 25 de Abril, sem esquecer a autoria do mais icónico cartaz da centenária feira de S. Pedro.

Foram muitas as exposições dedicadas à sua actividade como artista plástico, para além de ter editado vários livros, abordando não só a sua actividade plástica, mas também as suas memórias associativas, com destaque para o livro “Pequenas Crónicas, Grandes Memórias”, em parceria com o Luís Filipe Rodrigues, editado em 2021, onde aborda, com humor e ironia, a sua experiência na criação da “Cooperativa”, e que foi a minha última colaboração com o Ceia, cedendo-lhe alguns documentos do meu arquivo.

Recentemente, aventurou-se pela ficção, com “O Amor Incerto”, editado já este ano.




Cruzei-me com ele, pela última vez, no final da Primavera, no seu espaço preferido, a “Cooperativa”, por ocasião da inauguração, nessa galeria, da exposição de BD de Vasco Parracho.
(Fotografia de Joaquim Esteves)

Ao longo das nossas vidas cruzamo-nos com muitas pessoas que nos marcam, umas pelo exemplo, outras pelas ideias e criatividade, outras pela amizade, outras pela parceria em projectos de vida. Com o Ceia cruzei-me em todas essas situações.

Dizem que só morremos totalmente quando já ninguém se lembra de nós. O Ceia vai ser recordado por muitos e por muito tempo, e por isso, vai continuar a “viver” por aí por muito tempo, tantas foram as marcas que deixou em nós.

O Ceia vai deixar saudade a todos que com ele se cruzaram.

Até sempre amigo!