Num relatório confidencial da
secção torriense da Legião Portuguesa, relatava-se a forma como tinha
decorrido, em Torres Vedras, no dia 23 de Março de 1973, uma sessão pública da
SEDES, onde “o tema foi eleições” e, na “assistência, encontrava-se um tal Dr.
Gomes Mota, de Lisboa, que fez várias intervenções tendenciosas de forma a
deixar compreender que a única solução política seria ir para a revolução” (1).
O “Dr. Gomes Mota” era o deputado
da ala liberal Magalhães Mota, já em ruptura com o regime. A chamada ala
liberal foi eleita nas listas da União Nacional nas eleições de 1969,
disputadas na esperança de uma evolução do regime. Dela faziam parte, entre
outros, para além de Magalhães Mota, Francisco Sá Carneiro e Pinto Balsemão que
tinham começado a abandonar o seu lugar de deputados ao longo dos primeiros
meses de 1973, em protesto pelo endurecimento do regime.
A SEDES era a “Associação para o
Desenvolvimento Económico e Social” criada em 25 de Janeiro de 1970, à volta da
chamada ala liberal e visava o debate público de uma liberalização do regime e
da sua evolução para um regime democrático.
O advogado torriense, mas com
escritório na Lourinhã, Dr. Afonso de Moura Guedes, e a sua esposa Maria
Filomena Moura Guedes, foram sócios fundadores daquela associação,
respectivamente com os números 109 e 110 (2).
Afonso de Moura Guedes teve uma
activa participação na vida cívica torriense desde o início dos anos de 1970,
participando em debates nas páginas do jornal “Badaladas”, promovendo debates
públicos em Torres Vedras, em nome da SEDES e debatendo a situação social e
política com oposicionistas locais.
Chegou a organizar mesmo uma mesa
redondo sobre os destinos do município torriense, mas que foi proibido de
publicar no “Badaladas” por intervenção do poder local e da censura.
Alguns oposicionistas, como o pai
do articulista, foram avisados telefonicamente do 25 de Abril por esse dinâmico
advogado.
Quando, em 6 de Maio de 1974, alguns
dos membros da antiga “ala liberal”, como Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto
Balsemão, anunciam a criação do PPD (Partido Popular Democrático), um dos
primeiros partidos políticos criado após o 25 de Abril, Moura Guedes está na
primeira linha da criação de um núcleo local desse partido, contribuindo para
que muitos dos membros locais dessa associação também aderissem a esse partido.
A fundação local do PPD foi “a
base de partida para a implantação do PPD no Oeste” (3).
Dias antes, na grande
manifestação popular do 1º de Maio de 1974, que percorreu as ruas de Torres
Vedras, Afonso de Moura Guedes foi um dos oradores.
Oficialmente o PSD de Torres
Vedras nasceu no dia 20 de Junho de 1974, data da inscrição do seu militante
número um neste concelho, Afonso de Moura Guedes.
O militante nº 2 do concelho foi
Luís Afonso Miranda, empregado de escritório, inscrito no dia 2 de Julho de
1974.
No dia 5 de Julho inscreveram-se
mais quatro militantes: António Martins Bento, gerente comercial, Armando dos
Santos Gomes, comerciante, José Monteiro Gomes, gerente de seguros, Maria do
Espírito Santo Simão Miranda, professora, e que foi também a primeira mulher
inscrita localmente nesse partido.
José Manuel Lopes Figueiredo,
funcionário público, José Rodrigues, controlador industrial. Rui Rola Coelho,
electicista, e Francisco Manuel Elias de Carvalho, empregado bancário, que se inscreveram
, respectivamente em 20 de Julho, 20 de Agosto, 27 de Agosto e 10 de Setembro
de 1974, completam a lista dos primeiros dez militantes do concelho de Torres
Vedras.
Sobre esses primeiros tempos,
referiu António Bento, que esteve “na fundação do Partido, no início de Maio de
1974, numa reunião realizada no escritório do Dr. Afonso de Moura Guedes, sobre
o Café Império”, que a “adesão foi subscrita numa lista, por não existirem
propostas”, seguindo-se a constituição da secção de Torres Vedras” (4).
Em Dezembro de 1974, em data não
especificada, num Domingo, teve lugar a eleição da primeira comissão política
do PPD de Torres Vedras, num plenário presidido pelo Dr. Afonso de Moura
Guedes.
De uma lista de 17 nomes foram
escolhidos o presidente e os 6 vogais da primeira Comissão política concelhia e
3 membros da Mesa do plenário, a saber:
Presidente : – Afonso de Moura
Guedes (advogado);
Vogais : – Manuel César Candeias
(funcionário judicial); Luís Afonso Miranda (empregado de escritório);António
Martins Bento (profissional de seguros); José Manuel Lopes Figueiredo
(canalizador); Secundino Outeiro Pereira (professor do ensino liceal); João
Flores da Cunha (farmacêutico);
Mesa do Plenário: - Joaquim José
Severino (empregado de escritório); Maria Espírito Santo Miranda (professora); José
Joaquim Ferreira da Silva.
Coube a esta comissão, em funções
até Janeiro de 1976, organizar, implementar, divulgar e expandir o crescimento
do partido a nível local (5).
Enfrentou também um dos períodos
mais críticos do pós 25 de Abril, enfrentando as condições difíceis do chamado
PREC, entre o 11 de Março e o 25 de Novembro de 1975.
Entretanto, em 4 de Dezembro de
1974 forma-se, oficialmente, o núcleo local da Juventude Social-democrática,
com 15 filiados fundadores, e para cuja fundação teve papel de destaque o então
jovem estudante do liceu de Torres Vedras, Emílio Gomes (6), com um passado de colaboração
com a oposição local ao Estado Novo e ligado à renovação do Cine-Clube de
Torres Vedras nos inícios da década de 1970.
Por essa altura também se
procurou uma sede local para o partido, que começou por funcionar entre o
escritório do Dr. Moura Guedes e o escritório de António Bento, na Rua Dr.
Carlos França, nºs 7 e 9, até se instalar num rés-do-chão de uma loja na
Praceta Calouste Gulbenkian, em frente à “Física”, espaço cedido gratuitamente
pelo Dr. Francisco Bastos, outro histórico desse partido a nível local. Em 1978
mudou a sede para o sito mais conhecido dos torrienses como sede do PPD de
Torres Vedras, no último andar do edifício por cima do café Havaneza, de onde
apenas se mudou recentemente, em 2023, para a sua sede local (7).
A primeira prova de fogo teve
lugar durante a campanha para as eleições para a Assembleia Constituinte que
tiveram lugar em 25 de Abril de 1975.
A essas eleições foram
candidatos, na lista do partido do Distrito de Lisboa, os torrienses Moura Guedes,
Maria Lucília Miranda Santos, conhecida advogada, defensora de presos
políticos, Manuel Candeias, Rogério Calhamar e Luís Afonso Miranda, enquanto
José Furtado Fernandes, economista ligado a esta região, foi candidato por
Santarém.
A Drª Lucília, como era
carinhosamente conhecida, foi uma figura de destaque na oposição local ao
Estado Novo e chegou a estar ligada à comissão jurídica do partido, acabando
por sair do PPD ainda em 1975.
Afonso de Moura Guedes acabou por
ser eleito como deputado nessas eleições, tornando-se num dos mais destacados
dirigentes do partido (8). Foi reeleito como deputado nas 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª
legislatura, e assumindo, durante 8 anos, o cargo de Governador-Civil de
Lisboa.
Nessas “Constituintes” de 1975,
que foram as eleições mais participadas até aos nossos dias, o PSD foi a
segunda força política mais votada no concelho, com 10.091 votos (27,7%), sendo
a força vencedora nas freguesias de A-Dos-Cunhados, Campelos, Freiria, Silveira
e Ventosa.
O seu pior resultado, nestas
eleições, foi registado em Dois Portos, Monte Redondo, Runa e Stª Maria do
Castelo, onde ficou em terceiro lugar, atrás do PS e do PCP (9).
Nas primeiras eleições
autárquicas, realizadas em 12 Dezembro de 1976, o PSD foi a segunda força
política mais votada no concelho, tanto para a Câmara (9 498 votos,
34,4%), como para a Assembleia Municipal (8 255, 30,1%) e no conjunto da
votação para as Assembleias de Freguesia (9 898, 36,1%).
Para a Câmara elegeu 3
vereadores, o mesmo número do PS, o partido mais votado. Foram eleitos vereadores
o Dr. João Francisco Ribeiro Correias, o engº Ângelo Custódio Rodrigues e Ana
Maria Bastos, esta a primeira mulher a exercer estas funções no concelho de
Torres Vedras.
Para a Assembleia Municipal
elegeu directamente 7 membros, aos quais se juntaram mais 6 presidentes de
Juntas de Freguesia.
Elegeu ainda 57 membros de
assembleias de freguesia, vencendo nas freguesias de A-Dos-Cunhados, Campelos,
Carvoeira, Freiria, Ventosa e Silveira. As freguesias onde obteve os piores
resultados foram as de Dois Portos, Stª Maria e Turcifal, ficando atrás do PS e
do PCP, não tendo concorrido em Runa (9).
Tendo por base a publicação das
listas de candidatos a essas eleições, publicadas na imprensa local,
principalmente no jornal “Oeste Democrático”, é possível fazer um retrato
aproximado da base sociológica do PPD dos primeiros anos, no concelho de Torres
Vedras:
26,7% eram classificados por
agricultores e rurais;
15,2% eram comerciantes ou
empregados de comércio.
Desagregando as actividades, as cinco
mais numerosas eram: agricultor-69; comerciante-28; técnico superior-14; industrial-13;
empregado de escritório -11.
Nas elites dirigentes dominavam
os técnicos superiores e elementos do sector terciário.
Registe-se ainda, a título de
curiosidade, que o partido apresentava 16 mulheres como candidatas,
representando 6,1%, a maior percentagem entre todos os partidos concorrentes.
Aqui registamos, no seu
cinquentenário, algumas notas sobre os primórdios da vida desse partido neste
concelho.
A sua longa história pode ser
acompanhada lendo as duas obras de José Damas Antunes citadas nas notas deste
ensaio (11).
José Damas Antunes alia, nestas
duas obras, o seu grande conhecimento sobre o funcionamento do partido, onde
tem exercido um papel activo em termos locais e regionais , com o rigor e
objectividade da investigação histórica, área onde já revelou experiência
através da autoria de estudos sobre a freguesia de Campelos.
(1) documento
datado de 6 de Abril de 1973, disponível no site “Casa Comum”, da Fundação
Mário Soares;
(2) informação referida no site da SEDES;
(3) ANTUNES,
José Damas, 40 anos de democracia – o PPD/PSD de Torres Vedra, ed. Da Comissão
Política Concelhia de Torres Vedras, Abril de 2015, pág.9;
(4) ANTUNES,
José Damas, Contributos para a História do PSD, na Área do Oeste , 1974-2014,
Comissão Política Distrital do Oeste, ed.Sinapis, Abril de 2015;
(5) ANTUNES,
in “40 anos…”, pp.17 a 19;
(6) ANTUNES,
“40 anos…”, pág. 39;
(7) ANTUNES,
“40 anos…”, pág.9;
(8) ANTUNES,
“Contributos…”, pp.53 a 55;
(9) Documentação
do arquivo pessoal do autor;
(10)
“Eleições para as autarquias locais. Distrito de Lisboa. 1976” ed. Imprensa
Nacional, 1976.
(11)esses
livros, acima citados, reúnem uma vasta documentação sobre esse partido,
recolhendo depoimentos de vários militantes históricos da zona Oeste e de
Torres Vedras, histórias e factos que, cronologicamente, marcaram a história
política regional.