terça-feira, 4 de outubro de 2011

TORRES VEDRAS, A PIDE, E AS COMEMORAÇÕES DO 5 DE OUTUBRO EM 1956


Durante o Estado Novo, o 5 de Outubro era uma data usada pela oposição, principalmente a republicana, para se manifestar contra o regime.
Essa data era assim vista com particular preocupação pelo regime, dando origem a uma especial vigilância, por parte da PIDE, sobre o modo como essa oposição comemorava essa data.
É esse o tema do relatório, que a seguir transcrevemos, escrito por um sub-inspector daquela polícia política, sobre as movimentações da oposição durante as comemorações dessa data no ano de 1956, relatório que descobrimos na investigação que estamos a fazer sobre os dados sobre Torres Vedras existentes no Arquivo da Pide:
Relatório
“Excelentissimo Senhor
“Estando em gôso de licença graciosa no lugar de Ermigeira, a cerca de 8 quilómetros de Torres Vedras e efectuando-se naquela vila a comemoração do 46º aniversário da implantação da República Portuguesa, por parte oposicionista, por imperativo de consciência profissional desloquei-me ali nos passados dias 4, 5 e 6 a fim de observar os diversos actos efectuados e tudo o que os mesmos se relacionasse; por isso cumpre-me relatar a V. Exª o que dentro da medida possível me foi dado observar: -
“A comissão, que fez distribuir um programa dos actos a realizar – documento nº 1-, era composta por:
Ernesto Carvalho dos Santos – Advogado;
Victor Cesário da Fonseca – Industrial;

Augusto Bastos Troni – Médico;

Pedro Mendes Fernandes – empregado do “café Império”;

Adalberto Simões de Carvalho – empregado de escritório da casa “Florindo Chagas”;

Francisco Amado Ceia – barbeiro; sendo seus principais elementos activos os Drs. Carvalho dos Santos e Troni.

“Igualmente a comissão mandou proceder à impressão de grande quantidade de verbetes com a legenda “ES REPUBLICANO? COLABORA NAS COMEMORAÇÕES DO 5 DE OUTUBRO”, que os seus membros, (especialmente o Dr. Troni fez entrega em grandes quantidades a pessoas de confiança) tinham por missão lançar e distribuir – documento nº 2.
“A propósito deste impresso devo informar V. Exª que poucos foram distribuídos, pois era raro vê-los espalhados pela rua, pelos cafés ou pelos estabelecimentos comerciais.
“A comissão para abrilhantar os actos fez vários convites às bandas musicais dos arredores, uma das quais a da localidade onde me encontrava – Documento nº 3 – que foi ajustado pela importância de 1.300$00 sendo a missão desta, percorrer as ruas da vila, tocando como atractivo.
“No dia 4 passado, por verificar qua a banda a que o programa se referia era a de Ermigeira, abordei os seus músicos e fiz-lhes ver o caracter das manifestações a que se iriam associar, aconselhando-os a não irem, tanto mais que a referida banda é subsidiada pela Câmara Municipal, ao que todos concordaram, preferindo ir para os trabalhos do campo.
“Nesse mesmo dia 4 à noite, o Dr. Troni voltou a abordar os componentes da referida banda e ao saber da resolução pelos mesmos assumida, foi informado que havia sido eu a demovê-los, motivo por que a mim se dirigiu.
“Houve uma pequena troca de palavras tendo eu focado o cunho retintamente  comunista de que se revestiam tais manifestações, pelo que o referido Dr. Troni se retirou para Torres Vedras visivelmente contrariado, não sem que antes me ativesse atribuído “gaves responsabilidades” (sic) na atitude então assumida pela banda.
“Nesse mesmo dia 4, à noite, geraram-se as primeiras inteligências [?] entre os elementos da comissão a ponto de na alvorada do dia 5 já não estar presente a “Banda Recreativa Torreense”.
“Fosse por falta da banda de Ermigeira, ou porque fosse, não foram levadas a efeito a homenagem à memória do primeiro republicano português às 12,30 horas e bem assim a saudação à Bandeira Nacional hasteada nos Paços do Concelho, às 18,30 horas e em que a referida banda da Ermigeira deveria tocar o Hino Nacional.
“Apenas houve os concertos pelas bandas “Recreativa Torreense” das 20 às 22 horas e da dos “Bombeiros de Torres Vedras” das 22 até // cerca das 24 horas, num coreto improvisado na Praça do Império.
“Houve, finalmente, cerca das 20, 30 horas, um jantar de confraternização que teve lugar no Hotel das Termas dos Cucos há cerca de 1 quilómetro de Torres Vedras, ao qual assistiram cerca de 50 pessoas que se fizeram transportar nas viaturas: [segue-se uma lista com 21 matrículas de automóveis e de uma “lambreta”] (…).
“ A este jantar faltaram devido às desinteligências havidas, os membros da  comissão Pedro Mendes Fernandes e Francisco Amado Ceia [estes eram provavelmente membros do Partido Comunista que eram acusados, numa carta de Vitor Cesário da Fonseca a Helder Ribeiro,, apreendida pela PIDE, pelo fracasso das comemorações: “a gente nova, fez asneira. Os comunistas, que de entrada deram a sua adesão, por birra inexplicável e muito própria deles quando não podem impor a sua opinião, há última hora não apareceram, e até fizeram contra vapor”], tendo o Dr. Carvalho dos Santos falado em primeiro lugar, mas retirando logo em seguida protextando [sic] afazeres profissionais, quando o certo é que já havia previamente combinado uma chamada telefónica reclamando a sua presença noutro local.
“Discursou no referido jantar além do Dr. Carvalho dos Santos,  Luís Pereira Brandão de Melo, guarda livros da firma “Francisco Alves & Filhos”.
“A comissão fez também imprimir um convite ao “comércio e à industria” que fez espalhar pelos diversos estabelecimentos comerciais – documento nº4 – de facto a quase totalidade dos estabelecimentos comerciais encerrou cerca das 15 horas, tendo os seus proprietários ido uns para a caça, outros para a praia de Santa Cruz, em virtude de o dia se apresentar convidativo.
“ A Legião Portuguesa pretendeu espalhar uns “ciclostilados”[?] sobre a actividade do “partido comunista português”, mas, segundo julgo, não teve oportunidade de o fazer – documento nº 5.
“Foram convidados para a a comissão Raimundo dos Santos Porta e Álvaro Ramalho, ambos já com antecedentes nesta Polícia por pertencerem à organização do referido “partido”, o primeiro pelo Dr. Troni e o segundo por Pedro Mourão, tendo-se ambos recusado a participar nas referidas manifestações.
“Foram vistos na tarde do dia 5, em Torres Vedras, possivelmente para tomarem parte no jantar, dois indivíduos conhecidos pelas suas ideias oposicionistas: Mirtil Pereira Rodrigues, do Cadaval e o professor Mesquita, de Dois Portos.
“Exposto o que me foi possível apurar, deixo ao alto critério de V.ª Ex.ª a sua apreciação.
“Porto, 10 de Outubro de 1956
“O Sub inspector
“a) José da Costa Pereira”.
In Arquivo Nacional da Torres do Tombo, Arquivo da PIDE/DGS, Processo Individual 19274, delegação do Porto, referente a Victor Cesário da Fonseca.

1 comentário:

Joaquim Moedas Duarte disse...

Ler isto ainda hoje me faz asco, azia, nojo.
Nós vivemos num país em que isto foi possível, em que os culpados nunca foram julgados e condenados, até foram agraciados com pensões de reforma, no tempo do Cavaco.
Conheci quase todos estes homens, quando vim para Torres Vedras, em 1971. Eram gente de bem. E este verme, que escreveu esta trampa?
Obrigado, Venerando, por divulgares.
Abraço!