terça-feira, 28 de outubro de 2025

Um Falso D. Sebastião na região de Torres Vedras

(Gravura-de-Mateus-Alvares (História de Portugal de Pinheiro Chagas- séc. XIX))

No dia 11 de Junho de 1585 conheceu um triste fim o chamado “rei da Ericeira”.

Foi o culminar de uma rebelião popular que agitou a região em 1585, numa tentativa de depor a autoridade castelhana.

Foi mais um episódio de afirmação do mito  “sebastianista”, que se desenvolveu após a morte de D. Sebastião, na Batalha de Alcácer-Quibir , em 4 de Agosto de 1578.

Aconteceu que um ermitão da Ericeira, Mateus Alvares, se fez passar por D. Sebastião, apoiado por um lavrador da zona, um tal Pedro Afonso.

Mateus Álvares era natural da Vila da Praia na Ilha Terceira dos Açores, filho de um pedreiro, tendo estudado num Convento franciscano, vindo para o continente para iniciar o seu noviciado no Mosteiro de S. Miguel, perto de Óbidos.

Mais tarde abandonou o noviciado e tornou-se eremita e estabeleceu-se junto da Ermida de S. Julião, perto da Ericeira, na freguesia da Carvoeira do concelho de Mafra. Aí abordava os camponeses e outros frequentadores desse sítio “entre gemidos e flagelações” proferindo palavras enigmáticas que aqueles identificavam como “prova” de estarem perante D. Sebastião.

Vários fidalgos de Lisboa deslocaram-se ao local para confirmarem a sua identidade, mas a maior parte confirmou o embuste.

Isso não fez desistir dois fervorosos defensores do falso D. Sebastião, entre os quais António Simões, escrivão dos Armazéns de Lisboa, muito influenciado pela sua mulher, sebastianista convicta, e Pedro Afonso, lavrador rico, proprietário de uma azenha em Rio de Mouro (Sintra), que tinha combatido ao lado do prior do Crato contra o domínio filipino.

Este Pedro Afonso tornou-se o mais acérrimo defensor da identificação do eremita Mateus Álvares como D. Sebastião, mesmo contra a resistência inicial do próprio falsário, mas que acabou por colabora na farsa.

O rico lavrador de Rio de Mouro rapidamente conseguiu reunir à sua volta mais de 800 homens armados, simpatizantes da causa, reunidos entre as gentes da Ericeira e de outras regiões à volta, de Sintra, Torres Vedras e Mafra.

Entusiasmado com o apoio granjeado por Pedro Afonso, o eremita Mateus Álvaro, montou corte na Ericeira, proclamando-se rei, distribuindo cargos e títulos de nobreza e publicando alvarás “régios”, ao mesmo tempo que enviava cartas às Câmaras de algumas cidades e vilas para o ajudarem a expulsar os castelhanos.

Pedro Afonso tomou o nome de D. Pedro de Menezes, apelido dos condes da Ericeira, proclamando-se Conde de Torres Vedras.

Casou a sua filha com o falso “D. Sebastião” da Ericeira, coroada rainha com uma coroa de prata de uma Imagem de Nossa Senhora retirada de uma capela da freguesia.

Por essa via, Pedro Afonso foi agraciado com o título de marquês de Torres Vedras, conde de Monsanto, senhor de Cascais e Alcaide-mor de Lisboa.

Entretanto, na  “quinta-feira de Ascensão desse ano de 1585, quando o cardeal arquiduque Alberto saía da capela real, veio ao seu encontro um jovem que lhe entregou uma carta”. O mensageiro era o filho do acima referido António Simões e dizia entregar a carta em nome de D. Sebastião, o da Ericeira. Essa carta intimava o vice-rei a “desocupar o Paço e ir-se embora para Castela”. O jovem foi imediatamente preso (1).

Alertados por essa iniciativa e alarmadas com a crescente agitação popular à volta do autoproclamado “Rei da Ericeira”, as autoridades em Lisboa ordenaram ao juíz de fora de Torres Vedras, Manuel Ataíde de Sarrea, que fosse à Ericeira prender os líderes dos amotinados. Este fez-se acompanhar pelo seu escrivão e outros oficiais, mas os revoltosos, em vez de lhe obedecerem, executaram-nos, lançando-os das arribas para o mar.

O doutor Gaspar Pereira, ouvidor da comarca de Torres Vedras e do Conselho Régio de Lisboa, ao criticar a crueldade daquelas execuções, acabou assassinado na sua quinta, juntamente com um filho e um sobrinho e a sua casa saqueada. O mesmo destino tiveram outros habitantes que se recusaram a aceitar as ordens do falso D. Sebastião.

Perante esses acontecimentos, o vice-rei decidiu-se por uma intervenção militar de larga escala. Deu ordens a Diogo da Fonseca para esmagar a rebelião. Este Diogo da Fonseca tinha acompanhado o verdadeiro D. Sebastião na sua campanha africana e era agora corregedor do crime ao serviço de Filipe II, tendo ganho notoriedade entre os castelhanos por ter posto termo a outro episódio de um falso D. Sebastião, o célebre “rei” de Penamacor, sentenciado em 1584.

Acompanhado por um exército de “quatrocentos castelhanos bem armados e comandados pelo capitão Calderon” partiu para a Ericeira para prender o falso “rei”. O combate terá tido início junto da Ermida de S. Julião. “Esperava-os uma forte carga de arcabuzaria e mosqueteria”, resultando vários mortos e feridos de ambos os lados, mas a vantagem estava do lado castelhano, fugindo a maior parte dos revoltosos “por montes e vales”, entre eles o “rei”, Mateus Álvares, sendo capturado no 12 de Junho em Colares, o dia a seguir à batalha.

De imediato Mateus Álvares confessou que não era D. Sebastião e que a sua intenção era entrar em Lisboa, “na noite de S. João, e depois de degolarem e matarem os que não quisessem obedecer ao nome D. Sebastião, iria a uma janela dizer ao povo” que não era D. Sebastião, mas um homem “que veio para libertá-los da tirania dos castelhanos”, proclamando de seguida: “agora fazei rei a quem quiserdes”.

Teve um fim trágico e cruel, esse Mateus Álvares (2). Conduzido do Limoeiro para o pelourinho, foi-lhe cortada a mão direita, antes de ser enforcado. Depois cortaram-lhe a cabeça, que ficou exposta na forca durante um mês. O seu corpo esquartejado ficou exposto nas quatro portas da cidade de Lisboa. O mesmo aconteceu no dia seguinte a todos os que tinham sido presos com ele.

Pedro Afonso ainda andou fugido mais uns dias, mas acabou por ser preso no Bombarral, sofrendo o mesmo destino do genro, executado no dia 22 de Junho.

Outros dos “nomeados como principais delinquentes e autores das mortes, roubos e insultos e dos mais males e danos que se seguiram e puderam seguir aquietação e sossego público” escaparam à morte, mas foram enviados para as galés (3). Entre estes encontramos habitantes do Barril, da Fonte Boa, da Ericeira, das Casas Velhas, do Brejo, dos Alvarinhos, do Sobral, de Ribamar, de Monterroio, do Turcifal, da Feiteira, da Ribeira, lugares localizados em grande parte no termo de Mafra, mas também de Sintra e Torres Vedras, mostrando a dimensão da insurreição.

Foi necessário esperar mais 55 anos para que Portugal recuperasse a independência.

(1)    – DINIZ, Sebastião, “Mateus Álvares, Eremita e Rei – Da Ilha Terceira à Ericeira”, in O Falso D. Sebastião da Ericeira e o Sebastianismo, obra colectica, coordenada por Manuel J. Gandra, ed. C.M de Mafra, 1998, pp.299-312. Baseámo-nos neste estudo para a elaboração deste texto. Sobre este acontecimento leia-se também outras versões desse acontecimento da autoria de Manuel Novais Granada, publicadas nas páginas do jornal “Badaladas” : “Revista de Lisboa garantia em 1932: Última batalha entre as tropas castelhanas e as milícias do “rei da Ericeira” deu-se no castelo de Torres Vedras”, em 27 de julho de 2018; “Justiça de Filipe I abateu-se de modo implacável sobre os revoltosos de “D. Sebastião da Ericeira”, em 17 de Agosto de 2018;

(2)    – Um presumível retrato desse Mateus Álvares foi publicado nas páginas da História de Portugal de Pinheiro Chagas, publicada no século XIX, e que reproduzimos nesta página;

(3)     - “Carta de perdão geral concedido aos rústicos do termo de Sintra”, in O Falso D. Sebastião da Ericeira e o Sebastianismo , ob. Cit, pp.318 a 323.

Sem comentários: