quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Torres Vedras - Da ditadura de Pimenta de Castro à "2ª Revolução"(Jeneiro-Maio 1915)

(Imagem de populares na Revolta do 14 de Maio de 1915. Fonte: RTP)

Em 21 de Janeiro de 1915, na sequência do chamado "Movimento das Espadas", protesto pela demissão do então Major João Craveiro Lopes, o general Pimenta de Castro foi convidado a formar governo pelo presidente Manuel de Arriaga. Apoiado pelos "evolucionistas", pelos "unionistas", por parte do exército, por monárquicos e pela Igreja, cedo esse governo se revelou como tendo por objectivo principal combater a influência do Partido Democrático (PRP), perseguindo-os ferozmente. Em 4 de Março o governo entrou em ditadura, encerrando o parlamento. Os "democráticos" procuraram resistir, transferindo o parlamento para o Palácio da Mitra, em Santo Antão do Tojal, no concelho de Loures, onde, reunindo as duas câmaras, aprovaram por unanimidade uma moção apresentada por Afonso Costa, declarando o Governo fora da lei e nulos todos os actos governativos.

Em 1 de Março a Câmara de Torres Vedras, exclusivamente dominada pelo PRP, resolve enviar ao directório desse partido um telegrama onde dá conhecimento da deliberação tomada por unanimidade, na sua sessão plenária extraordinária, realizada nessa data, apoiando o "protesto contra medidas dictatoriais | do | actual governo"(1).

Por outro lado, não disfarçando o seu apoio ao governo de Pimenta de Castro, o jornal "A Vinha de Torres Vedras", então já sob direcção de Júlio Vieira, comentava  de forma irónica e em termos críticos aquela reunião:

"(…) reuniu extraordinariamente o Senado Municipal de Torres Vedras.

"Quando do caso soubémos, e já tarde, aprove-nos indagar que questão de alto interesse publico levou a camara a reunir em sessão extraordinária.

"Tratar-se-ia de resolver algum problema urgente em beneficio do concelho?

"Ir-se-ia representar ao governo, apresentando alguma reclamação em defesa da Lavoura, para atenuar a crise gravissima por que estamos passando? Iria a camara cuidar dos interesses dos munícipes, resolvendo algum problema para acudir á carestia dos generos?

"Nada disso.

"Tratou-se tão sómente de política...

"(...)O que resolveu a Camara? Protestar contra a Lei eleitoral e contra as arbitrariedades  do actual governo, em nome do concelho de Torres Vedras, como se o nosso concelho se prestasse, porventura, a forças desta natureza” (2).

A Câmara acabou por ser dissolvida em  22 de Abril,  substituída por uma comissão administrativa cuja posse, em 27 de Abril, teve de enfrentar uma forte resistência por parte dos "democráticos", acontecimento  descrito pelo porta-voz local do PRP, o jornal "A Voz de Torres":"(...) Também chegou a esta linda região de Torres o espadagão ferrugento do terribil  Pimenta. O velhote esbraveja em descompassadas convulsões. É um verdadeiro macaco dentro d'uma loja de louça(...).

"A obra patrioticamente republicana da estimada vereação do municipio d'esta vila foi vilipendiada, tristemente, pelos azedumes d'esse monstro que se chama Pimenta de Castro (...)" (3).

Uma outra versão dos acontecimentos era dada pelo presidente nomeado dessa comissão, em carta dirigida ao Governador Civil de Lisboa, datada de 29 de Abril, queixando-se principalmente da passividade do administrador do concelho:

"(...)Tendo-se dado nesta vila, acontecimentos de que poderiam ter resultado consequencias bem pouco agradaveis, no acto de posse da comissão a que tenho a honra de presidir,(...) e atribuindo esta Comissão tão lamentavel factor á falta de energia de quem tinha por dever assegurar a manutenção da ordem publica num acto que era de esperar fôsse concorrido e que muito mais o foi, devido ás hesitações da mesma autoridade que féz com que esta comissão tivesse de esperar 5 horas para lhe ser dada posse, demora esta que estabeleceu o ridiculo num acto que, por todos os motivos deveria ser praticado com respeito devido às ordens emanadas do Govêrno da República e que colocou esta comissão na contigencia de ter de ouvir no acto da posse frases menos respeitosas e, á saida dos Paços do Concelho, ser enxovalhada com vaias e assobios, acontecimentos estes que tiraram áquela autoridade todo o prestígio, não pode esta comissão deixar de vir perante V.Ex.ª narrar estes factos, para que V.Ex.ª se digne providenciar como tiver por conveniente(...)" (4).

A esmagadora maioria dos 14 membros da comissão administrativa fazia parte do Partido Evolucionista.

Contudo, esta comissão durou por pouco tempo, pois foi afastada em consequência da "Revolução de 14 de Maio" que derrubou Pimenta de Castro.

Temendo que o próximo acto eleitoral, marcado para Junho, viesse a realizar-se sob controle do governo,  possibilitando que , nessas condições, se legitimasse a perda de influência do PRP a favor dos seus adversários, enquanto, por outro lado, se temia a crescente tolerância do governo em relação aos monárquicos, cedo os "democráticos" encararam a necessidade de organizar um golpe de força para derrubar a ditadura e repor a situação anterior.

O rompimento do Partido Unionista com o governo, foi o pretexto para a conspiração avançar.

A Junta Militar que desencadeou a "Revolução de 14 de Maio" era dirigida por vários militares ligados maioritariamente à maçonaria, desempenhando Afonso Costa, nos bastidores, um papel fundamental na mobilização dos civis ligados ao Partido Democrático e à "Formiga Branca", enquadrados pela quase totalidade da Marinha de Guerra e da Guarda Fiscal e por parte do Exército, que foram a principal base de apoio militar que permitiu o êxito da revolução.

Para muitos republicanos esta revolução foi uma espécie de "refundação" do regime. Teve maior participação popular, foi muito mais violenta, de maior duração, abrangendo os seus combates uma área mais vasta que o 5 de Outubro, saldando-se por 102 mortos e 250 feridos graves (5).

Vitoriosa a revolução, o presidente Arriaga demitiu-se em 29 de Maio, elegendo o Congresso, para completar o mandato, Teófilo Braga, voltando a constituir-se um governo maioritariamente "democrático”.

Os republicanos torrienses estiveram activamente envolvidos nos acontecimentos pormenorizadamente descritos pelo anónimo correspondente local do "O Século":

"(...) Acordámos hoje |14 de Maio| sem comunicações telegraficas, cortados os fios em diferentes pontos, com exceção | sic | do Sobral do Mont' Agraço. Os jornaes de Lisboa á sua chegada vieram esclarecer a situação, sendo lidos com extrema anciedade | sic |.Pouco a pouco os animos exaltaram-se e começou a juntar-se gente no largo da Republica, comentando os acontecimentos.

"Ás 13 horas destacou-se d'ali uma comissão (…) dirigindo-se á administração onde foram recebidos pelo (…) administrador do concelho, a quem convidaram a demitir-se. Houve alteração e a comissão saiu sem ter conseguido o seu intuito (...).

"Pelas 18 horas, a estação do caminho de ferro foi invadida, esperando-se a chegada do comboio de Lisboa, que não veiu. E de novo a multidão seguiu para o largo da Republica, voltando a mesma comissão a procurar o administrador no hotel Natividade.

"D'esta vez não o convidaram a demitir-se, intimaram-no. Em face d'isto não havia outro remedio. O administrador seguiu em trem para Runa, com dois revolucionarios, esperando aí o comboio que o conduzisse a Lisboa.

"Foi então investido no cargo o dr. Aurelio Ricardo Belo, entre aclamações á Republica, á Patria e á Constituição.

"Depois a multidão dirigiu-se á praça do Municipio, entrando na camara os srs. dr. Aurelio Ricardo Belo, dr. Celestino da Silva Almendro, António Batista da Costa e Francisco Firmino, falando de uma das janelas os tres ultimos, sendo soltados novamente muitos vivas.

"D'ali foram, dividindo-se em pequenos grupos, que ficaram toda a noite de vigilancia"(6).

A "vigilância revolucionária" continuou  na vila por mais alguns dias e caracterizou-se pela perseguição, expulsão da vila ou saneamento dos cargos  ocupados por personalidades identificadas politicamente com a ditadura derrubada.

Este período excepcional  durou em Torres Vedras entre 14 e 17 de Maio.

Em 26 de Maio a Câmara "democrática", demitida pelo governo de Pimenta de Castro, voltou a reunir ordinariamente, terminando o seu mandato, de acordo com o previsto, em Dezembro de 1917, exactamente no momento em que uma nova ditadura , a de Sidónio Pais, se instalou.

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(1)Registo de Correspondência da Câmara(1-1-1915 a 8-11-1917),Telegrama de 1 de Março de 1915, AMTV.

(2) A Vinha de Torres Vedras, 4 de Março de 1915.

(3) A Voz de Torres, 2 de Maio de 1915.

(4)Registo de Correspondência da Câmara (1-1-1915 a 8-11-1917), carta nº 82 de 29 de Abril de 1915, AMTV.

(5) MARQUES, A. H. de Oliveira, Portugal da Monarquia para a República, pp.711-712.

(6) O Século, 18 de Maio de 1915.

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