Em 21 de Janeiro de 1915, na sequência do chamado "Movimento das Espadas", protesto pela demissão do então Major João Craveiro Lopes, o general Pimenta de Castro foi convidado a formar governo pelo presidente Manuel de Arriaga. Apoiado pelos "evolucionistas", pelos "unionistas", por parte do exército, por monárquicos e pela Igreja, cedo esse governo se revelou como tendo por objectivo principal combater a influência do Partido Democrático (PRP), perseguindo-os ferozmente. Em 4 de Março o governo entrou em ditadura, encerrando o parlamento. Os "democráticos" procuraram resistir, transferindo o parlamento para o Palácio da Mitra, em Santo Antão do Tojal, no concelho de Loures, onde, reunindo as duas câmaras, aprovaram por unanimidade uma moção apresentada por Afonso Costa, declarando o Governo fora da lei e nulos todos os actos governativos.
Em 1 de Março a Câmara de Torres Vedras, exclusivamente
dominada pelo PRP, resolve enviar ao directório desse partido um telegrama onde
dá conhecimento da deliberação tomada por unanimidade, na sua sessão plenária
extraordinária, realizada nessa data, apoiando o "protesto contra medidas
dictatoriais | do | actual governo"(1).
Por outro lado, não disfarçando o seu apoio ao governo de
Pimenta de Castro, o jornal "A Vinha de Torres Vedras", então já sob
direcção de Júlio Vieira, comentava de
forma irónica e em termos críticos aquela reunião:
"(…) reuniu extraordinariamente o Senado Municipal de
Torres Vedras.
"Quando do caso soubémos, e já tarde, aprove-nos
indagar que questão de alto interesse publico levou a camara a reunir em sessão
extraordinária.
"Tratar-se-ia de resolver algum problema urgente em
beneficio do concelho?
"Ir-se-ia representar ao governo, apresentando alguma
reclamação em defesa da Lavoura, para atenuar a crise gravissima por que
estamos passando? Iria a camara cuidar dos interesses dos munícipes, resolvendo
algum problema para acudir á carestia dos generos?
"Nada disso.
"Tratou-se tão sómente de política...
"(...)O que resolveu a Camara? Protestar contra a Lei
eleitoral e contra as arbitrariedades do
actual governo, em nome do concelho de Torres Vedras, como se o nosso concelho
se prestasse, porventura, a forças desta natureza” (2).
A Câmara acabou por ser dissolvida em 22 de Abril,
substituída por uma comissão administrativa cuja posse, em 27 de Abril,
teve de enfrentar uma forte resistência por parte dos "democráticos",
acontecimento descrito pelo porta-voz
local do PRP, o jornal "A Voz de Torres":"(...) Também chegou a
esta linda região de Torres o espadagão ferrugento do terribil Pimenta. O velhote esbraveja em
descompassadas convulsões. É um verdadeiro macaco dentro d'uma loja de
louça(...).
"A obra patrioticamente republicana da estimada
vereação do municipio d'esta vila foi vilipendiada, tristemente, pelos azedumes
d'esse monstro que se chama Pimenta de Castro (...)" (3).
Uma outra versão dos acontecimentos era dada pelo presidente
nomeado dessa comissão, em carta dirigida ao Governador Civil de Lisboa, datada
de 29 de Abril, queixando-se principalmente da passividade do administrador do
concelho:
"(...)Tendo-se dado nesta vila, acontecimentos de que
poderiam ter resultado consequencias bem pouco agradaveis, no acto de posse da
comissão a que tenho a honra de presidir,(...) e atribuindo esta Comissão tão
lamentavel factor á falta de energia de quem tinha por dever assegurar a
manutenção da ordem publica num acto que era de esperar fôsse concorrido e que
muito mais o foi, devido ás hesitações da mesma autoridade que féz com que esta
comissão tivesse de esperar 5 horas para lhe ser dada posse, demora esta que
estabeleceu o ridiculo num acto que, por todos os motivos deveria ser praticado
com respeito devido às ordens emanadas do Govêrno da República e que colocou
esta comissão na contigencia de ter de ouvir no acto da posse frases menos
respeitosas e, á saida dos Paços do Concelho, ser enxovalhada com vaias e
assobios, acontecimentos estes que tiraram áquela autoridade todo o prestígio,
não pode esta comissão deixar de vir perante V.Ex.ª narrar estes factos, para
que V.Ex.ª se digne providenciar como tiver por conveniente(...)" (4).
A esmagadora maioria dos 14 membros da comissão
administrativa fazia parte do Partido Evolucionista.
Contudo, esta comissão durou por pouco tempo, pois foi afastada
em consequência da "Revolução de 14 de Maio" que derrubou Pimenta de
Castro.
Temendo que o próximo acto eleitoral, marcado para Junho,
viesse a realizar-se sob controle do governo,
possibilitando que , nessas condições, se legitimasse a perda de
influência do PRP a favor dos seus adversários, enquanto, por outro lado, se
temia a crescente tolerância do governo em relação aos monárquicos, cedo os
"democráticos" encararam a necessidade de organizar um golpe de força
para derrubar a ditadura e repor a situação anterior.
O rompimento do Partido Unionista com o governo, foi o
pretexto para a conspiração avançar.
A Junta Militar que desencadeou a "Revolução de 14 de
Maio" era dirigida por vários militares ligados maioritariamente à
maçonaria, desempenhando Afonso Costa, nos bastidores, um papel fundamental na
mobilização dos civis ligados ao Partido Democrático e à "Formiga
Branca", enquadrados pela quase totalidade da Marinha de Guerra e da
Guarda Fiscal e por parte do Exército, que foram a principal base de apoio
militar que permitiu o êxito da revolução.
Para muitos republicanos esta revolução foi uma espécie de
"refundação" do regime. Teve maior participação popular, foi muito
mais violenta, de maior duração, abrangendo os seus combates uma área mais
vasta que o 5 de Outubro, saldando-se por 102 mortos e 250 feridos graves (5).
Vitoriosa a revolução, o presidente Arriaga demitiu-se em 29
de Maio, elegendo o Congresso, para completar o mandato, Teófilo Braga,
voltando a constituir-se um governo maioritariamente "democrático”.
Os republicanos torrienses estiveram activamente envolvidos
nos acontecimentos pormenorizadamente descritos pelo anónimo correspondente
local do "O Século":
"(...) Acordámos hoje |14 de Maio| sem comunicações
telegraficas, cortados os fios em diferentes pontos, com exceção | sic | do
Sobral do Mont' Agraço. Os jornaes de Lisboa á sua chegada vieram esclarecer a
situação, sendo lidos com extrema anciedade | sic |.Pouco a pouco os animos
exaltaram-se e começou a juntar-se gente no largo da Republica, comentando os
acontecimentos.
"Ás 13 horas destacou-se d'ali uma comissão (…)
dirigindo-se á administração onde foram recebidos pelo (…) administrador do
concelho, a quem convidaram a demitir-se. Houve alteração e a comissão saiu sem
ter conseguido o seu intuito (...).
"Pelas 18 horas, a estação do caminho de ferro foi
invadida, esperando-se a chegada do comboio de Lisboa, que não veiu. E de novo
a multidão seguiu para o largo da Republica, voltando a mesma comissão a
procurar o administrador no hotel Natividade.
"D'esta vez não o convidaram a demitir-se,
intimaram-no. Em face d'isto não havia outro remedio. O administrador seguiu em
trem para Runa, com dois revolucionarios, esperando aí o comboio que o
conduzisse a Lisboa.
"Foi então investido no cargo o dr. Aurelio Ricardo
Belo, entre aclamações á Republica, á Patria e á Constituição.
"Depois a multidão dirigiu-se á praça do Municipio,
entrando na camara os srs. dr. Aurelio Ricardo Belo, dr. Celestino da Silva
Almendro, António Batista da Costa e Francisco Firmino, falando de uma das
janelas os tres ultimos, sendo soltados novamente muitos vivas.
"D'ali foram, dividindo-se em pequenos grupos, que
ficaram toda a noite de vigilancia"(6).
A "vigilância revolucionária" continuou na vila por mais alguns dias e
caracterizou-se pela perseguição, expulsão da vila ou saneamento dos
cargos ocupados por personalidades
identificadas politicamente com a ditadura derrubada.
Este período excepcional durou em Torres Vedras entre 14 e 17 de Maio.
Em 26 de Maio a Câmara "democrática", demitida
pelo governo de Pimenta de Castro, voltou a reunir ordinariamente, terminando o
seu mandato, de acordo com o previsto, em Dezembro de 1917, exactamente no
momento em que uma nova ditadura , a de Sidónio Pais, se instalou.
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(1)Registo de Correspondência da Câmara(1-1-1915 a
8-11-1917),Telegrama de 1 de Março de 1915, AMTV.
(2) A Vinha de Torres Vedras, 4 de Março de 1915.
(3) A Voz de Torres, 2 de Maio de 1915.
(4)Registo de Correspondência da Câmara (1-1-1915 a
8-11-1917), carta nº 82 de 29 de Abril de 1915, AMTV.
(5) MARQUES, A. H. de Oliveira, Portugal da Monarquia para a
República, pp.711-712.
(6) O Século, 18 de Maio de 1915.
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