Chegados aqui talvez valha a pena fazer um balanço sobre o modo como se tem debatido a aquisição do “Sr. Vinho” pela Câmara de Torres Vedras.
Parece-me a mim que o debate chegou a um impasse, sem que se tenha discutido o essencial.
Neste momento o “debate” começa a variar entre a demagogia economicista e a mera partidarite, começando já a entrar, aqui e ali, pelo mero ataque pessoal.
Para mim a discussão essencial devia passar pelo debate sobre as seguintes questões:
Até que ponto a arte é um bem público?;
Qual o seu papel na identidade de uma comunidade urbana moderna? ;
Até onde estamos dispostos a gastar financeiramente para valorizarmos culturalmente o meio onde vivemos?;
A obra em questão, de Joana Vasconcelos, será ou não digna de integrar a valorização de um espaço público em Torres Vedras?
Em relação à primeira questão, penso que muito do debate tem estado inquinado exactamente por estarmos a falar de arte e cultura, uma actividade ainda menorizada e considerada como um bem supérfluo por muita gente, lamentavelmente gente com responsabilidades políticas e sociais. Tivéssemos nós a falar de grandes superfícies comerciais, de vias rápidas ou de futebol e provavelmente os números avançados não incomodavam tanta gente!
Quanto à segunda questão, basta olhar à nossa volta, e percebermos a importância da arte para a identidade de Torres Vedras. Se os nossos antepassados pensassem apenas com cifrões não nos teriam dado um Chafariz dos Canos, um Convento do Varatojo, uma capela do Sirol, um rico e vasto património de imagens sacras, pintura, azulejaria, uma edifício como o de Runa, umas Termas dos Cucos… e Torres Vedras seria pouco mais que um dormitório sem identidade.
Claro que valorizar o nosso património e a nossa identidade passa por não ficar parado no tempo e para isso são necessários meios financeiros. Não deixa de ser curioso que a opinião de parte da oposição política local sobre o assunto seja coincidente com a estreiteza de vistas do governo de José Sócrates em termos de investimento e no estafado discurso da crise para justificar todo o radicalismo economicista que ele tem posto em prática.
Continuo a considerar que os meios financeiros em jogo não comprometem outros investimentos nem alteram os valores da dívida aos fornecedores que são apontados. Os nossos políticos locais, mais do que ninguém, deviam saber que não podem misturar alhos com bugalhos.
Eventualmente a divergência podia passar por se considerar Joana Vasconcelos uma artista menor, pouco digna de receber por uma obra sua o valor em jogo. (Para sossegar a mesquinhez de alguns, convém recordar que Joana Vasconcelos não trabalha sozinha, tem à sua volta uma vasta equipa de artesãos e por isso aquele valor não vai todo para o seu bolso).
Contudo não vejo opiniões fundamentadas que ponham em causa essa obra, do ponto de vista artístico-cultural.
Para aqueles que gostam muito de falar, olhando apenas para a camisola política do “adversário”, convidava-os a visitar a obra de Joana Vasconcelos no Centro Cultural de Belém, perceber o significado da sua obra e fazerem a leitura de alguns textos sobre a história da arte nos últimos cem anos, para poderem aferir da sua importância cultural.
A ignorância, e, ainda pior, o fazer jus dessa ignorância, não costuma ser boa conselheira nestas questões.
Bem sei , comparativamente com Caldas da Rainha e Mafra, que os níveis de analfabetismo e de iliteracia neste concelho eram bastante elevados no ultimo censo, o de 2001, mas acredito que eles hoje sejam ligeiramente diferentes e as pessoas já tenham outras exigências que passam, entre outras, por poderem usufruir de uma cidade que faça da arte e da cultura, e cada vez mais, a sua imagem de marca.
1 comentário:
Pois eu acho que ainda falta uma questão, primordial às que coloca, e que é de fácil resposta: arte e cultura são a mesma coisa?
Ora é evidentemente que NÃO são a mesma coisa. Grande parte das vezes não têm nada a ver uma com a outra e até já aconteceu, por diversas ocasiões na História, que a Arte foi inimiga da Cultura.
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