A propósito do início oficial das comemorações do centenário da Primeira República, que hoje tiveram início, recordamos aqui um excerto do nosso livro Republicanos de Torres Vedras (ed.Colibri), sobre os primórdios do republicanismo nesta localidade.
Aproveitamos também para vos recomendar a visita a um blog dedicado ao centenário da República AQUI.
Os Antecedentes da afirmação dos Republicana em Torres Vedras
Data de 1901 o primeiro apelo público local à votação nos republicanos, numa carta publicada na primeira página d' "A Vinha de Torres Vedras", jornal do Partido Progressista, mas que então parecia atravessar um momento de algum descontentamento face à política oficial desse partido. Nessa carta, assinada por José Joaquim Rodrigues, da Ribaldeira, datada de 6 de Setembro de 1901, este entendia "que todos nós, viticultores, devemos ir á urna protestar, para mostrarmos ao governo e á tal benefica real associação," ( refere-se à "Real Associação Central de Agricultura Portuguesa”, defensora dos interesses dos grandes proprietários e de medidas proteccionistas na agricultura) "(...) É necessario irmos todos á urna, não pelos progressistas, que, quando governo, nada fizeram a nosso favor, nem tão pouco pelos francaceos," (apoiantes de João Franco) "pois é tudo a mesma família, mas sim pelos republicanos que o governo teme e odeia.
"Os viticultores de todos os concelhos pódem dar uma severa lição ao governo votando na lista republicana como signal de protesto." (1).
Esta não foi uma opinião isolada, pois o próprio jornal apelou a que se votasse "como protesto" na lista republicana (2).Contudo foi apenas uma atitude de protesto pontual.
Só em Novembro de 1905 temos notícia da existência de alguma organização republicana local, mas ainda longe da formalidade de uma comissão republicana, como se conclui do conteúdo da seguinte notícia publicada pelo órgão local dos "progressistas", insurgindo-se contra a candidatura municipal dos "regeneradores-liberais":
"Estrangeiros revoltados lembraram-se d'uma lista camararia alcunhada de regeneradora-liberal.Para apresentar a publico eram precisos quatorze nomes de respeitabilidade, impossiveis de recrutar no vespeiro. Apezar de terem andado de barretinho na mão, de prometterem este mundo e o outro, a resposta era sempre:
"Deus os favoreça"(...). Ferteis em expedientes, desorientados, imploraram o auxilio dos republicanos! Estes, mais finos do que elles, querendo-se vingar da lei de 13 de fevereiro, e como pirraça, exigiram-lhe representação. A condição, além de humilhante, era dura de roer!
"Convocou-se o vespeiro. Foram presentes todos os zangões. Ordem da noite, o acinte dos republicanos. Uns queriam, outros não. A abstenção ganhou terreno. Por ultimo, para salvarem a honra do convento, foi approvado por unanimidade de votos a colligação com o partido republicano, o unico meio de obterem alguns votos!..." (3).
Contudo, observando a lista proposta à câmara pelos "franquistas", apenas encontramos um nome que veio a estar ligado à organização local do Partido Republicano, o de Júlio Vieira, como suplente da lista candidata. A esmagadora maioria dos candidatos,10 entre 14, pertencia ao Partido Regenerador-Liberal, dois, um como efectivo e outro como suplente, ao Partido Progressista, e um outro, também suplente, sem opção política possível de confirmar, embora o encontremos como efectivo numa comissão paroquial republicana, mas já em 1911.
Mesmo se limitada, esta parece ter sido a primeira intervenção política local conhecida dos republicanos torrienses.
A primeira informação sobre a criação de um comissão republicana, data de Dezembro de 1905 e teve lugar, não na sede do concelho, mas na freguesia rural de Dois Portos, "devido à iniciativa do nosso amigo Faustino Polycarpo Thimoteo, commerciante"(4).O mesmo jornal inclui o nome de 15 dos aderentes, dos quais um deles, Alberto Maria de Magalhães, "mui illustre pharmaceutico e professor ", no número seguinte daquele jornal, vem desmentir a sua adesão à causa republicana, declarando que não fazia parte da "Commissão Parochial Republicana", que se está organisando n'esta freguezia, tendo-se inscripto sim a principio, quando foi convidado, mas para uma commissão de melhoramentos locaes, desistindo porem da sua cooperação, visto predominar a politica, de que a sua vida laboriosa, lhe não permitte occupar-se" (5).
Desta notícia pode concluir-se que uma táctica para cativar aderentes terá sido usar a capa de uma associação com vista à defesa de interesses locais ("commissão de melhoramentos locaes"), e por último que determinadas actividades profissionais, se dependentes do poder, como a de professor, podiam coarctar a participação política activa em organizações marginais ao sistema monárquico.
Quanto aos restantes membros desta comissão paroquial, conseguimos identificar 12, cruzando os seus nomes com os cadernos eleitorais daquela freguesia de 1895 e 1908, pelo que detectamos entre eles 4 comerciantes (ou lojistas), 3 barbeiros, 1 proprietário, 1 taberneiro, 1 carpinteiro, 1 empregado do caminho de ferro (Dois Portos era servida por estação ferroviária), e 1 músico, regente da "Real Philarmonica da Ribaldeira". 8 deles residiam na sede de freguesia, 3 na Ribaldeira e 1 na Caixaria.
Durante a campanha eleitoral para as eleições de Abril de 1906 realizam-se no concelho de Torres Vedras vários comícios de propaganda republicana, denotando um crescendo de organização republicana a nível local.
Dois Portos, assumindo-se mais uma vez como um importante centro republicano, recebe a 12 de Abril "o illustre candidato republicano sr. dr. João de Menezes " , para participar num comício ao "qual assistiram mais de 300 pessoas" (6).
Dias depois, em notícia de primeira página, a "Folha de Torres Vedras" anunciava a realização, a 15 de Abril, "pelas 2 e meia horas da tarde (...) n'esta villa" de "um comicio para apresentação de alguns dos candidatos republicanos e no qual" falariam ", entre outros, os illustres oradores João Duarte de Menezes, Alexandre Braga e Heliodoro Salgado", a realizar "no recinto dos armazens dos srs.A.Galrão & Cª, proximo à estação do caminho de ferro d'esta villa"(7), informação que denota mais uma vez uma certa colaboração entre republicanos e "franquistas", já que esses armazéns pertenciam a um dos líderes franquistas locais.
Estava-se já em pleno "consulado" de João Franco, iniciado em Maio, quando, a 21 de Agosto, António José d' Almeida chegou de comboio a Torres Vedras de "passagem para a praia de Santa Cruz, onde foi exercer os seus serviços clínicos", regressando a Lisboa nesse mesmo dia. "Vários correligionarios de sª exª foram esperal-o á estrada dos Casalinhos em trens, acompanhando-o no seu regresso á estação, onde se achava a Fanfarra União Torreense que tocou varias peças . S.ex.ª teve na gare uma despedida deveras affectuosa" (8).
Este ano parece ter marcando o arranque local da organização republicana culminando, em 16 de Dezembro, com o anuncio de que uma comissão republicana da vila estava a organizar o partido republicano em Torres Vedras, tencionando "preparar um comicio no proximo mez de Janeiro no dia em que se effectua a eleição da commissão municipal republicana d'este concelho", publicitando-se a provável presença de Bernardino Machado e António José d' Almeida (9), assim como a tentativa de fundar uma nova comissão paroquial republicana, desta vez na freguesia de S. Domingos de Carmões, vizinha da de Dois Portos .
Curiosamente estas duas freguesia tinham sido a base da constituição do extinto, em 1855, concelho da Ribaldeira, e eram aquelas que mais próximas estavam do vizinho concelho de Sobral de Monte Agraço, terra natal de França Borges, director d' "O Mundo", onde existia, nas vésperas da implantação da República, um forte núcleo da maçonaria, e onde os republicanos obtiveram maiorias em eleições anteriores ao 5 de Outubro.
Só a Abril de 1907 será constituída a comissão republicana paroquial de Carmões, formada por 1 farmacêutico, 1 "proprietário e comerciante", 1 "industrial e comerciante", 1 "comerciante" (taberneiro), 1 "industrial"(ferrador), e 1 "proprietário", sendo mais uma vez notório o domínio de comerciantes e lojistas(10) .
Por sua vez, o grupo organizador da comissão municipal teve a sua primeira reunião em 31 de Janeiro de 1907, uma data que talvez não tenha sido casual, pelo seu simbolismo para a causa republicana, tendo-se na ocasião decidido organizar para Fevereiro um comício republicano.
A mesma comissão decidiu dirigir-se à Ribaldeira par convidar pessoalmente Maximo Brou, "illustre médico municipal, para fazer parte da lista da commissão municipal" (11).Essa notícia refere apenas um outro nome de um membro dessa comissão, o do seu tesoureiro José Anjos da Fonseca.
Por sugestão de António José de Almeida, devido a compromissos pessoais vários, aquele comício republicano apenas se realizou a 21 de Abril de 1907, naquela que foi a primeira grande acção pública dos republicanos em Torres Vedras: "o comicio foi uma manifestação imponente de sympathia ao ideal republicano que já hoje vae deixando de ser olhado com desconfiança pelo camponez ignaro e que está já sendo abraçado por todos aquelles que, um pouco mais instruido, vae comprehendendo os seus legitimos e racionaes principios, compativeis com a epocha de liberdade e de conquistas que a humanidade vae atravessando e que nenhuma mão tyranica poderá fazer affrouxar na sua carreira vertiginosa.
"A anciedade de ouvir o soberbo tribuno da democracia que se chama António José d'Almeida e todos os outros oradores, arrastaram ao local do comício, um vastissimo recinto, junto á Avenida Casal Ribeiro, alguns milhares de pessoas". Segundo a mesma notícia, vieram pessoas de Mafra, Sobral de Monte Agraço e Arruda dos Vinhos assistir ao comício.
À partida do comboio que transportou de regresso a Lisboa os oradores republicanos, "a multidão que enchia a gare rompeu em estridentes vivas ao partido republicano, aos deputados republicanos, directorio, imprensa, etc.". O mesmo jornal insurgiu-se contra o facto de, quer nesta ocasião, quer durante a passagem do comboio pela estação de Dois Portos, respectivamente a Tuna Comercial e a Filarmónica da Ribaldeira terem sido impedidas de tocar, denunciando ainda o facto de terem sido requisitadas para Torres Vedras "12 policias de Lisboa pelo sr. Administrador interino, para reforçar a polícia que aqui existe e mais destacamento de infantaria. Dias antes, a mesma auctoridade, conversando com dois republicanos em evidencia d'esta villa, affiançára-lhes que não requisitaria policia alguma"(12).
Em correspondência enviada pelo administrador do concelho ao governador civil era este informado que aquele comício republicano tinha decorrido "em boa ordem e em harmonia com a lei", acrescentando "que me consta ter havido dentro da gare da estação, alguns vivas a republica, á partida do comboio, manifestando-se os empregados da mesma por uma forma inequivoca a favor do partido republicano, por meio de vivas e palmas"(13).
Nessa mesma data foi eleita a primeira Comissão Municipal Republicana de Torres Vedras, formalizando-se deste modo a intervenção do Partido Republicano na política local.
Presidia a essa comissão Júlio Vieira, sendo vice-presidente o dr. Arthur Maximo Brou, secretários Joaquim Marques Trindade e Manuel Augusto Baptista, tesoureiro José Anjos da Fonseca e vogais Rufino de Carvalho e Estevão Xavier de Menezes Feio, podendo considerar-se este grupo o núcleo fundador do Partido Republicano "histórico" de Torres Vedras. Cinco deles viviam na vila de Torres Vedras, só dois fora do centro urbano, um na Ribaldeira e outro na Maceira. Em termos sócio-profissionais o grupo repartia-se por 3 proprietários e 3 comerciantes, mais um médico.
Logo em Maio aquela comissão decidiu realizar uma série de conferências de propaganda na vila, tendo convidado para o efeito Bernardino Machado, Alexandre Braga, João de Menezes, Magalhães Lima, Agostinho Fortes e Botto Machado.
Organizada a Comissão Municipal e alargando a sua influência às freguesias do concelho, onde se inicia uma intensa campanha de propaganda, quer através da realização de conferências, quer passando a dominar abertamente um órgão de informação local, "Folha de Torres Vedras", o Partido Republicano torna-se uma força importante na vida política local nos três últimos anos do regime monárquico.
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(1) A Vinha de Torres Vedras, 12 de Setembro de 1901.
(2) A Vinha de Torres Vedras, 3 de Outubro de1901.
(3) A Vinha de Torres Vedras, 23 de Novembro de 1905.
(4) Folha de Torres Vedras , 10 de Dezembro de1905.
(5)Folha de Torres Vedras, 17 de Dezembro de1905.
(6)Folha de Torres Vedras, 12 de Abril de1906.
(7) Folha de Torres Vedras, 15 de Abril de1906.
(8) Folha de Torres Vedras, 26 de Agosto de1906.
(9) Folha de Torres Vedras, 16 de Dezembro de 1906.
(10) Folha de Torres Vedras, 28 de Abril de 1907.
(11)Folha de Torres Vedras,3 de Fevereiro de1907.
(12)Folha de Torres Vedras, 28 de Abril de1907.
(13)Registo de Correspondência - Governo Civil (do Administrador do Concelho)(1905-1910),nº81, de 22 de Abril de 1907, AMTV.
1 comentário:
Olá Venerando!!!!!
Sabe bem reler aqui este teu texto...com o rigor a que nos habituaste!!!!!
E agradeço as palavras gentis que deixaste no meu cantinho!!!!!
Bom fim de semana!!!!!!
MC
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