A "Quarta-feira de Cinzas" marca o final do Entrudo e o início da Quaresma e a esta ocasião estão ligadas várias cerimónias, entre elas a da "Serração da Velha".
A cerimónia da serração da velha assinala a saída do Inverno e a entrada no Verão. A ”velha” simboliza o Inverno ou a opressora Quaresma. Entre os árabes os sete dias do solstício de Inverno são designados por “dias da velha”.Serrar a "velha" ao meio é uma alegoria à ideia de partir ao meio o ano solar. (1).
Data de 1685 a mais antiga referência em Portugal da realização da cerimónia de “serração da velha”.“Esta alegórica festança ocorria numa quarta-feira do meado da Quaresma e consistia numa paródia da gente nova, conluiada, em época de defeso lúdico, para serrar cada velho, no campo ou na cidade.
“Pela calada da noite, um grupo de embuçados rouquejava, à porta das casas sentenciadas, paródias testamentárias do locatário idoso, enquanto o serrote percutia num bocado de madeira ou de cortiça o seu lúgubre ranger, acompanhando o atroar dos guizos, ferros,latas, cântaros."(2).
Em finais do séc. XIX, em Cuba, no Alentejo, a cerimónia da “serração da velha” consistia em meterem um cão e um gato dentro de um cortiço hermeticamente fechado. Um homem transportava o cortiço, seguido de outros armados de cacetes e varas. Um rapazito, por vezes vestido de anjo, transportava a serra que deveria servir para serrar o cortiço no lugar escolhido para o suplicio. O cortejo percorria as diversas ruas da localidade e a cerimónia terminava com a serração do cortiço, que simbolizava a velha. Não se refere o destino dos animais (3).
Outro costume da Quarta-Feira de Cinzas era o “enterro do Entrudo".Este era um costume antigo, sendo conhecido na antiga Veneza por "Enterro de Baco".Esta tradição era por vezes acompanhada por uma procissão onde se parodiavam várias cenas biblicas, como ainda acontecia em finais do século XIX no Fundão(4).
No Alentejo no "enterro do Entrudo",os"foliões iluminados pela luz de archotes ou lampiões de petróleo, levavam aos ombros um simulacro de urna funerária que continha um boneco de palha. O caixão era coberto com panos pretos pintados de cruzes brancas e os brincalhões iam fantasiados de viúva e órfãos que carpiam o defunto em alta gritaria. Outros, com saias brancas, fingiam de padres que, sobraçando jornais ou outros papéis velhos, aspergiam com água ou outros líquidos menos próprios os observadores, usando um pincel a simular de hissope. Um, de encarnado, fingia de sacristão e ia fazendo momices e outras brincadeiras, guizalhando um chocalho. Percorriam todas as ruas e o rei momo era finalmente queimado fora de portas. Ia começar o tempo da abstinência e os aldeãos aproveitavam os últimos momentos de alegria consentida” (5). O fogo nesta cerimónia simbolizaria a purificação dos penitentes, perante os pecados do Entrudo.
Em Alenquer entoavam-se pela ocasião"uns versos em que se diz que o Entrudo deixa sete coisas ridículas a certas pessoas, por exemplo:"sete ratos mortos"(6).J
Cerimónia semelhante às referidas é o"Enterro do Bacalhau ", só que esta costuma realizar-se em Sábado de Aleluia, para festejar o fim das restrições impostas pela Quaresma.
Ainda no século passado este dia era ocupado em Torres Vedras com a Procissão das Cinzas, organizada pela Ordem Terceira de S.Francisco que a isso se obrigava por compromisso declarado no "breve" dessa instituição , datado de 21 de Novembro de 1676.
Com 9 andores, muitos "irmãos" , uma filarmónica (durante anos a "Phylarmonica Torreense"), gente da vila e arredores , e uma guarda de honra com forças militares destacada para Torres Vedras , todos os anos , por essa ocasião, a procissão percorria o Largo de S.Tiago , a "rua da olaria" , a do "Espírito Santo", a praça municipal ,a rua de S.Pedro , a "travessa dos canos",as ruas "de trás do Açougue" e dos "celeiros".("Jornal de Torres Vedras" de 19 de Fevereiro de 1887 e "A Semana" de 16 -02-1888).
Bem diferente é a "procissão" que actualmente tem lugar em Quarta-Feira de cinzas.
Com origem nos tradicionais "enterro do entrudo" e "serração" da velha", costumes a que nos referimos acima, e muito referenciados na região Oeste , o enterro do carnaval já por cá se fazia pelo menos em 1908 como se pode ler na seguinte notícia:
"Na quarta feira ainda se realisou o enterro do entrudo no qual tomou parte um numeroso grupo que percorreu desde as 8 horas da noite até cerca das 10 horas as principaes ruas da villa acompanhado de uma musica que tocava uma marcha funebre em passo cadenciado e levando n'um esquife a figura do Carnaval que terminou os seus dias de 1908 , n'uma fogueira accesa no largo da Graça.
" A esta romaria funebre não faltou grande numero de devotos que em magotes a acompanhou (...)" . ( in Folha de Torres Vedras de 8 de Março de 1908 )
Esse costume realizava-se regularmente nos anos 30, quando se fazia um desfile pelas ruas da então vila , à luz de archotes, terminando no Largo de S.Pedro com a leitura do testamento do "defundo", realizando-se depois o "auto de fé" onde se queimava um boneco que o representava.
Hoje , o enterro do carnaval , mantendo as mesmas carecteristicas , conta com um maior aparato pirotécnico , realizando-se na Várzea, acompanhado da respectiva "viuva" e da leitura do testamento , com referências jocosas à vida social e política do concelho.
E com esta cerimónia todos os anos se encerra mais um carnaval de Torres Vedras.
Notas:
(1).citado por Theophilo Braga , em "A Tradição" p.49, Abril de l899 ).
(2).p.251, ob. cit. de Mª Micaela Soares).
(3).citado por Fazenda junior em “A Tradição” , ano 1, p.45, Março de 1899).
(4).Alvaro de Castro em “A Tradição”, ano 1 p.122-agosto de 1889).
(5).p.246, ob.cit. de Mª Micaela Soares).
(6).J.Leite de Vasconcelos , Etnografia Portuguesa,Vol.IX,Pág. 133, ed.I.N.C.M.,1985).
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