O movimento cineclubista nasceu em França nos anos vinte do século passado.
Deveu-se a Ricciotto Canudo e Louis Delluc a iniciativa da criação
desse movimento, realizando-se na em 1929, na Suiça, um congresso de
cineclubistas e cineastas de vanguarda com o objectivo de fundar uma Federação
Internacional de Cineclubes e uma Cooperativa Internacional de Produção
Cinematográfica independente, pugnando pela afirmação da qualidade
estético-temática dessa nova arte em ascensão .
Contudo,os terríveis acontecimentos das décadas de 30 e 40 impediram o
florescimento do cineclubismo. Só depois da 2ª Guerra, ainda em 1945, se
iniciou a reconstrução do movimento, reunindo-se em congresso em Cannes para definir as suas linhas programáticas.
Em Portugal, apesar de em décadas anteriores alguma imprensa
cinematográfica se referir à importância dos “clubes de cinema”, foi necessário
esperar pela década de 40 para se fundarem os primeiros cineclubes, o C.C do Porto
(1945) e o Clube de Cinema de Coimbra (1949). Contudo só nos anos 50 se assiste
a um forte incremento do cineclubismo
português, que realizará o seu primeiro encontro nacional em Agosto de 1955.
É neste contexto que surge o Cine Clube de Torres Vedras, que comemora
este mês o 60 º aniversário da sua fundação.
A idéia da formação de um cineclube
em Torres Vedras partiu de um
artigo, da autoria de António Augusto Sales, publicado nas páginas deste
jornal, em 15 de Setembro de 1955.
Com base nesse artigo , reuniu-se , à volta de Augusto Sales, um
conjunto de entusiastas que formaram uma comissão organizadora para por de pé
essa iniciativa.
Esta “comissão organizadora de um Cine-Clube de Torres Vedras” deu o
seu primeiro sinal de vida numa carta datada de 26 de Setembro de 1955, enviada
à revista “Visor”, pedindo informações sobre os passos necessários para a
fundação de um cineclube.
Uma das primeiras tarefas dessa comissão foi procurar uma sala onde se
pudessem realizar as sessões cinematográficas. Nessa época apenas uma sala
oferecia as condições necessárias, o Teatro-Cine Ferreira da Silva, sala
inaugurada nos anos 20.
Contactada a gerência desta sala, os seus proprietários recusaram-se a
satisfazer o pedido daquela comissão, num processo de contornos políticos e que
se arrastaria ao longo de algum tempo.
Perante o impasse, a comissão organizadora do Cine Clube convocou todos
os interessados para uma reunião pública na sede do Clube Artístico e Comercial
que teve lugar em 24 de Fevereiro de 1956 e da qual saiu um abaixo assinado,
que recolheu 237 assinaturas, dirigido ao presidente da A.G do Teatro-Cine,
pedindo explicações para a recusa na cedência de instalações, acabando os
proprietários do cinema por cederem à pressão publica.
Com esta situação aparentemente ultrapassada, foi convocada a primeira
Assembleia Geral do Cine Clube para
discutir e aprovar os seus estatutos e eleger os corpos gerentes.
Esta assembleia prolongou-se por 10 sessões , realizadas entre 25 de
Maio (considerada a data oficial da fundação dessa colectividade) e 3 de Julho.
Contudo, aprovados estatutos e eleitos os dirigentes, encontraram um
novo entrave, desta vez por parte do SNI (Secretariado Nacional da Informação) que
atrasou o processo da sua legalização.
Tentando forçar aquele organismo a tomar uma posição, os organizadores
do cineclube, avançaram para a primeira sessão de cinema publica, depois de
reunirem com um responsável daquele organismo, que teve lugar, na Cine-esplanada da Física, com o filme
“Ladrões de Bicicletas” , no dia 29 de Julho.
Perante o facto consumado, e sem que se concretizasse a temida prisão
dos organizadores, ao longo de mais 10 sessões foram jogando nos limites da lei
, conseguindo realizar as sessões, , até que, finalmente, os Estatutos acabaram
por ser legalizados, por despacho de 9 de Março de 1957, publicado em Diário do
Governo de 30 de Março de 1957 e conseguindo eleger definitivamente uma
direcção.
Finalmente, a primeira sessão oficial e devidamente legalizada teve
lugar em 23 de Julho de 1957 com o filme “É preciso ter azar” de Nils Poppe.
Contando com um núcleo inicial de 235 sócios, registados no ano da
fundação, chegou ao seu auge em 1961 com 603 sócios.
Editando boletins que acompanhavam as sessões, muitas delas comentadas,
desde logo essa colectividade teve de se confrontar com a censura, que obrigava
a cortes constantes nos boletins e no teor das palestras.
Destacava-se o excelente nível gráfico daqueles boletins, graças à
colaboração das ilustrações a linóleo de Rui Pintão e José Afonso Torres e à
direcção de Armando Pedro Lopes na sua elaboração.
O movimento cineclubista encontrou pela frente todo o tipo de
dificuldades impostas pelo regime, que não via com bons olhos mais um espaço de
liberdade que não era facilmente
controlável, espaço esse que, por sua vez, também era aproveitado pela oposição
para divulgar uma visão diferente da cultura oficial.
Em finais de 1959 regista-se o primeiro conflito grave entre as
autoridades da ditadura que tutelavam o movimento cultural, representadas pelo
SNI, e o Cine Clube de Torres Vedras,
quando foi proibida a realização do V Encontro de Cineclubes Portugueses
que estava programado para Torres Vedras
em Dezembro desse ano.
Poucos meses depois regista-se outro conflito grave, quando o mesmo SNI
não homologa alguns dos nomes eleitos para a direcção do Cineclube de Torres Vedras
de 1960, situação que se arrasta ao longo de todo o ano, provocando uma quebra
no ritmo da actividade dessa colectividade.
No ano seguinte o conflito agrava-se quando o SNI procura impor um
estatuto único aos cineclubes portugueses.
A situação vai culminar com o SNI, em colaboração com a Câmara
Municipal de Torres Vedras, a impor, em Maios de 1962, uma Comissão
Administrativa para dirigir o Cineclube torriense.
Encerrava-se assim o primeiro período da história do Cineclube. Este só
veio a recuperar o seu fulgor doutros tempos no principio dos anos 70….Mas essa
é outra história.
(Fontes : António [Aspra de MATOS], Venerando, “Cineclubismo – História
à margem da História?”, in “Área”, Junho de 1982 e “Esboço histórico do
Cine-Clube de Torres Vedras, série de 10 artigos publicados entre 11 de
Novembro de 1981 e 29 de Janeiro de 1982 no jornal “Badaladas”; SALES,
“Recordar o Cineclube”, série de 3 artigos publicados a partir de 2 de
Fevereiro de 1976 no jornal “Badaladas”]
1 comentário:
Há quanto tempo o cine clube acabou? Ainda me lembro de ver uma placa na rua Paiva de Andrada
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