quarta-feira, 20 de maio de 2020

Um Buraco Negro na História Torriense (409 a 1148).

(administração romana na Península Ibérica no final do Império

Existe um lapso de tempo, de quase 750 anos, no conhecimento histórico da  actual região de Torres Vedras.

Referimos-nos ao período que vai do final do domínio romano até à “reconquista” cristã, a chamada “alta Idade Média”.

Os documentos escritos sobre o território torriense, durante esse período, são praticamente inexistentes e os arqueológicos raros ou pouco esclarecedores.

As referências existentes baseiam-se muitas vezes em documentos posteriores à reconquista.

Convém recordar que o actual território torriense, durante o período romano, era repartido pela administração da Lisboa e , num espaço mais reduzido a norte, por Óbidos, situação que se terá mantido durante a época visigótica e muçulmana ( neste último período o território de Óbidos passou a integrar o território de Lisboa).

Convém igualmente recordar que, na actual região torriense, não existe qualquer prova da existência de um centro urbano digno desse nome antes da reconquista (a própria localização de Chretina onde está Torres Vedras parece ser hoje contestada).

A própria existência de Torres Vedras, com este nome, só está documentada a partir da segunda metade do século XII.

Sobram, para além de vagas referências posteriores, algumas lendas, factos mal documentados referidos por historiadores ou autores de corografias, e, com maior solidez, a existências de topónimos, principalmente de origem árabe.

Mas também estas últimas fontes têm de ser analisadas com cuidado, pois, se podem ser de origem “germânica” ou “muçulmana”, esses topónimos podem ter sido atribuídos em épocas posteriores, por influência de antigos termos ainda popularmente usados ou por populações de origem muçulmana vivendo no seio do território cristão.


Período “Germânico” (409 a 711/716)

(Fonte : Volume 1 da História de Portugal dirigida por José Mattoso)

A 1ª incursão dos chamados “bárbaros” na Península Ibérica ocorreu no Outono de 409, com a entrada de Alanos, Vândalos e Suevos, um ano antes da “queda” de Roma (1).

Toda a Hispânia vive dois anos de grande instabilidade, com pilhagens, fomes e epidemias.

Esses povos vão-se espalhar por diversas regiões ibéricas, repartindo entre si o poder, os chamados Vândalos Silingos na Bética (actual Andaluzia), os Vândalos Asdingos na região oriental da Gallaecia (Galiza), os Suevos a norte do rio Douro e os Alanos na região cartagiense e parte da Lusitânia (sudoeste da península), dominando estes últimos a região de Lisboa (Olisipo).


A vasta rede urbana da Galecia e da Lusitânia, os “vici” ou “castra”, “não foram aniquilados nem abandonados no momento da invasão de 409, e podemos mesmo supor que a sua população teria aumentado com a chegada dos refugiados vindos de um hinterland devastado.

“Essas zonas urbanas conservaram um mínimo de actividades artesanais e comerciais (…) e um autonomia administrativa, favorecida pelo isolamento e o declínio do poder imperial e da administração provincial” (2).

A maior parte dos centros urbanos, contudo, manteve-se fiel à cultura romana, administrando-se com autonomia, adaptando as estruturas romanas e a organização diocesana daquela que era então a religião oficial do Império Romano, o cristianismo.


Essas populações romanizadas e cristianizadas vão resistir aos invasores, principalmente a partir do noroeste peninsular, resistência mais evidente nas zonas rurais, mais isoladas do contacto com os invasores.

Entre 416 e 418 os Visigodos entram na Península Ibérica como aliados dos romanos, expulsando da Península os Vândalos Silingos e os Alanos, embora alguns destes tivessem sido assimilados.

Por sua vez, os Suevos, aliando-se aos romanos , expulsam do norte os Vândalos Asdingos, os quais abandonam a Península para de instalarem no Norte de África em 429.

A partir de então vão-se afirmar e reforçar dois reinos na Península Ibérica , assimilando a cultura romana e as elites ibéricas, os Suevos e os Visigodos.


Estabelecidos a norte, em 409, como já vimos, os Suevos reforçam e estruturam o seu reino entre 429 e 455, estabelecendo a sua capital em Braga e convertendo-se ao cristianismo em 448.

A expansão dos suevos para sul foi contida entre 455 e 456 pelos Visigodos, apoiados por contingentes romanos e burgundíos, saqueando Braga, que ocupam temporariamente.

Apesar de derrotados, os suevos reorganizam-se e passam à ofensiva, chegando à região de Lisboa em 468, que lhes é entregue pelo governador romano da cidade, Lusídio.

A presença e domínio suevos da região de Lisboa dura até cerca de 485 e, no final do século V, recuam até aos seus domínios iniciais, a região a norte do Douro, com capital em Braga. O reino dos Suevos vai ser submetido pelos visigodos em 585.



Entretanto, em 476, caiu definitivamente o Império Romano do Ocidente, com a deposição de Rómulo Augusto.

Como vimos, os visigodos entraram na Península como aliados dos romanos, expulsando os primeiros “bárbaros” e contendo os suevos a norte, estabelecendo um reino cristão/romanizado, o Reino Visigótico, que mantém a administração de origem romana e a organização religiosa dos cristãos.

Durante o século VI, para além de combaterem os suevos a noroeste, combatem os bascos a norte, povo pré-romano de origem celta, e os bizantinos (Império Romano do Oriente) que, a sul, a partir de 553, procuravam reconstruir o antigo Império.


É sob a liderança de Leovigildo (568-586) que o Reino Visigótico unifica toda a Península sobre o seu domínio, depois de ocupar a Galiza e o derrotar o Reino Suevo em 585 e de, a sul expulsar os bizantinos.

Em 589, no concílio de Toledo, o reino visigótico, até aí dominado pelo arianismo, uma heresia cristã, com Recaredo, converte-se oficialmente ao cristianismo, perseguindo o arianismo.

Os anos de 642 a 653 são de apogeu do reino visigótico.

Entre 680 e 710 inicia-se uma grave crise que vai terminar com esse reino, marcada pelo seu declínio económico-social (crise política, calamidades naturais e crise demográfica), seguindo-se uma guerra civil entre católicos  e arianos. Estes últimos acabam por pedir auxílio aos muçulmanos, então já dominantes no Norte de África que, na década de 710 vão passar a dominar a Península, como veremos mais à frente.

Não se conhecendo nada de concreto sobre a situação na região de Torres Vedras nesse período, apenas podemos especular com base no pouco se conhece sobre a conjuntura da região de Lisboa durante esse período.

A falta de vestígios arqueológicos nesta região, durante esse período, leva a acreditar que, pelo menos até à entrega da região aos Suevos, em 468, como vimos, e antes da integração do território no domínio do Reino Visigótico, se manteve a organização administrativa, com o território integrado na “civitas” de Olisipo, pontilhado por “villae” e cruzado por algumas vias de comunicação ligando a economia da região ao Tejo e a Lisboa.

Durante esse período esta região integrava o “bispado” de Lisboa, pelo menos desde o Concílio de 633, recordando-se que a religião cristã foi aqui introduzida pelos romanos.

Demograficamente, ao longo de todo esse tempo, o peso do povoamento germânico terá sido fraco, dominando a população de origem hispânico/romana, apesar de as elites administrativas, militares e politicas da região serem ocupadas, se não por “bárbaros”, por gente a eles submetida e convertida.

Na região torriense, sendo raros os vestígios dessa época, junto de algumas villae romanas (S. Gião de Entre Vinhas e Penedo) estão identificados alguns raros vestígios paleocristão. Júlio Vieira também considera datar deste período a capela de Nª Sr.ª do Amial.


Não existe um estudo aprofundado sobre topónimos de origem germânicos nesta região. Apenas se indica o topónimo Runa, mas que pode ter sido introduzido muito mais tarde.

(1)    -Sobre este período, leia-se LEGUAY, Jean-Pierre, “O “Portugal” Germânico” in Portugal das Invasões Germânicas à “Reconquista”, 2º volume da Nova História de Portugal, dirigida por Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques, editorial Presença, Lisboa 1993, pp.11 a 115.

(2)    – LEGUAY, ob. Cit, p.31;


Torres Vedras “muçulmana" (716 a 1148 (?))


Não faltando referências, quer escritas, quer arqueológicas, a Lisboa, Sintra, Santarém ou ao vale do rio Tejo durante o período islâmico, nada existe de concreto sobre a região de Torres Vedras, a não ser umas vagas referências ao território “a norte” ou ao “litoral” de Lisboa, onde, eventualmente, podemos situar o território torriense (1).

Segundo Oliveira Marques, durante o período muçulmanos,  a “kura” de Lisboa (al-usbuna) , assim designado pelo menos desde 813-814 (2) “abrangia o território do actual distrito do mesmo nome, somando à civitas de Eburobrittium – região de Peniche e Óbidos – e a grande parte da península de Setúbal. O seu limite meridional era a serra da Arrábida” (3).  O mesmo autor, e outros, referem a existência esporádica de outra “kura” na região, com sede em Sintra, pelo menos no final do século X e estendendo o seu domínio pelo menos até à região de Mafra (4).

Por sua vez, alguns autores integram o território do concelho torriense na província de “Balatha”, mas uma leitura atenta de fontes árabes esclarece que a “Balatha” refere-se à região pertencente à “kura” de Santarém, incluindo a margem ocidental do Tejo e a actual região do Ribatejo.

Na actual região torriense, não existe qualquer prova da existência de um centro urbano digno desse nome antes da reconquista. Existiriam, sim, pequenos centros rurais, alguns formados à volta de antigas villae romanas.

Tudo aponta, contudo, para a existência de uma estrutura defensiva no morro do actual Castelo, embora se desconheça a sua real dimensão .

Há uma referência coeva a um centro urbano com o nome de Torres na época muçulmana, mas localizado no sítio de Torres Novas.


Na Península Ibérica foi o sudeste peninsular que registou os primeiros e maiores impactos da investida islâmica iniciada no verão de 711 , data da expedição militar comandada por Tariq Ibn Ziyad, governador de Tânger, a mando de Musa Ibn Nusayr, governador árabe do Norte de África, território então integrado no Império Omíada de Damasco.

Essa expedição entrou na Península a pedido de uma das facções visigóticas, os “arianos”, por ocasião da guerra civil que opunha duas facções visigóticas, acabando os muçulmanos por conquistar quase toda a Península até 716.

A parte ocidental da “Ibéria”, onde se integra a nossa região, terá sido “conquistada” durante uma segunda vaga comandada pelo próprio Musa, a partir de junho de 712, tarefa completada pelo filho deste, Abd Azis, a partir de Outubro desse ano, ao longo de várias campanhas militares, uma delas, em 714, para sufocar a revolta visigótica de Sevilha e Beja, ocasião em que a região entre Lisboa e Santarém foi “conquistada” definitivamente.

Lisboa terá sido submetida em 716, de forma pacífica, através de um chamado “pacto de capitulação”.

O exército invasor não era constituído apenas por árabes ( principalmente oriundos do Íemen) e berberes (tribos do Norte de África) , mas também por cristãos hispânicos, adversários do rei visigótico Rodrigo e da oligarquia visigótica que o apoiava, situação que ajuda a explicar a facilidade e rapidez da conquista muçulmana do território.

Na região a norte de Lisboa vão estabelecer-se árabes de tribos do Íemen, como, possivelmente, os da tribo Mahra, que parece estar na origem do topónimo Mafra, e berberes do norte de África, a colonização mais importante na região, presença que parece estar documentada na origem de alguns topónimos da região, com referência a tribos berberes, como Zuwara (Azueira), Zanata (Genetia), Banu Birzar (Baraçal) e em topónimos começados por Bem, de Banu, como Benfica (5).
A submissão destes territórios ocidentais terá sido pacífica, através de acordos estabelecidos entre os invasores e as elites indígenas, de origem visigótica e romanizadas, mantendo em funções administrativas as autoridades cristãs, desde que aceitassem a autoridade central muçulmana.

Segundo Picard (6) , nos primeiros tempos, na região de Lisboa, os árabes deixaram aos senhores visigodos “ a soberania dos territórios e da sua população” e a “Igreja manteve os seus quadros e os seus bens, bem como a sua autoridade”, em troca de não dar refugio a inimigos dos muçulmanos e de um tributo anual, pago pelos habitantes como prova da sua submissão ao conquistador.

A região de Lisboa e o território a norte terá mantido, durante essa época, uma importante concentração de população moçárabe (cristão islamizados).

Deve-se, ao padre Félix Lopes, num dos seus estudos sobre a Idade Média Torriense,  a hipótese da origem moçárabe da paróquia medieval de Santa Maria do Castelo de Torres Vedras, enquanto outros autores colocam a hipótese de a actual ermida de Nossa Senhora do Amial, junto ao Choupal, ter a mesma origem. A proximidade do culto de S. Vicente, uma tradição moçárabe da época islâmica (7), com capela no morro do mesmo nome, parece reforçar a importância desses núcleos cristãos nesta região.

São também referenciados alguns topónimos moçárabes na região, como Moçarria, Calvel, Feliteira, Murteira, Arneiros, Carapinheira ou Brejoeira (8).

A partir de 740 é quebrada a estabilidade de décadas, devido à crescente rivalidade entre árabes, berberes e entre as diversas tribos muçulmanas, como a revolta dos berberes de Marrocos que se estende à Península Ibérica em 742, situação que cria as condições para o início da Reconquista Cristã a partir das Astúrias.


Essa instabilidade reflecte, também,  a instabilidade política generalizada do Califado Omíada de Damasco a partir de 750 que inicia a sua decadência, sendo substituído pelo poder dos Abássidas, que mudam a capital para Bagdad.

É neste contexto que em 756 se forma um emirato independente omíada na Península Ibérica, o chamado “Al-Andaluz”, com capital em Córdoba, a nova “capital” Ibérica, transformando-se em Califado, com a sua independência religiosa, face a Bagdad ,em 929.

Até meados do século IX o emirato de Córdoba vive um período de alguma estabilidade, apesar da incursão falhada de Afonso II das Astúrias neste território em 798.

Essa estabilidade vai ser quebrado em três ocasiões:

- na revolta de moçárabes de Lisboa, apoiada por tribos berberes aqui estabelecidas, em 808-809, mas que foi debelada;

- na incursão dos normandos (os “vikings”), que começam a devastar o litoral ocidental a partir de 844, ano em que atacam Lisboa e a sua região, pelo menos por duas vezes, uma em Agosto, outra no Inverno, ataques que se vão repetir em 858 e, esporadicamente, até 972, ano em que se regista novo ataque na região de Lisboa (9). Não deixa de ser curioso a datação neste período da fundação lendárias do primeiro Convento de Penafirme, junto ao litoral, em 850, exactamente num local onde, pelo menos no século XVII, era frequente o desembarque e as pilhagens de piratas mouros, que aí se abasteciam de água (10);

- na rebelião de Ibn Marwan, um “malado”, isto é, um cristão convertido, governador de Mérida, que vai durar de 868 até à sua morte em 889. Um dos momentos dessa rebelião tem lugar em 876, quando se estende a Lisboa e à sua região. Após a sua morte, entre 889 e 890, tem lugar uma nova rebelião na região de Lisboa, sob o comando de Ibn Awsaji.

Só em 930 é que Córdova consegue restabelecer o seu poder ao território ocidental, constituído pela região de Lisboa, Santarém e Coimbra, das regiões mais periféricas do “Al-Andaluz”, onde dominavam as populações “moçárabes”, existindo referência a uma governo omíada “autónomo” com sede em Lisboa entre 844 e 858.

A partir dessa época, como reacção aos constantes ataques Normandos e ao avanço dos Cristão a Norte, a península de Lisboa ganha importância defensiva, construindo-se ou reconstruindo-se torres defensivas, algumas de origem romana,  ao longo da costa, dos vales de rios ou no cruzamento das antigas vias romanas.

Arqueologicamente já estão referenciados vestígios dessas torres defensivas, no litoral da “Península de Lisboa”, de (re)contrução muçulmana, na zona de Oeiras à Praia das Maçãs e na zona de Peniche à Lourinhã (11).

Pode ter sido uma dessas torres a estar na origem quer do topónimo, quer da localização do futuro centro urbano medieval de Torres Vedras.

Existe, nas crónicas cristãs, escritas após a reconquista, referências a uma “reedificação” ou “ampliação” do “castelo” de Torres Vedras em 920 (??), data referida por Madeira Torres.

Um dos poucos vestígios arqueológicos da ocupação humana, na época muçulmana, junto ao castelo é referido pelos anotadores de Madeira Torres (pág.90 da parte histórica da conhecida monografia local) e terá sido descoberto em 1718 “pouco mais ou menos” ao abrir-se “junto ao adro da Igreja[de Stª Maria do Castelo] um alicerce para certa parede que se fez”, achando-se então “no fundo d’ella na altura de mais de duas varas um tumulo de pedra com um grande alfange mourisco” muito antigo “ e uma espôra de disforme grandeza, e da mesma sorte ossos de desproporcionado comprimento”, voltando-se a “cobrir com o alicerce”. Até hoje essa descoberta permanece desconhecida e por confirmar.

Segundo Carlos Guardado “Torres Vedas seria um hisn, isto é, um sítio fortificado com uma função militar, pelo menos defensiva, com um território dependente em torno do lugar. Uma fortaleza do período islâmico ou anterior, que serviria de abrigo, em caso de perigo, à população do núcleo urbano localizado na vertente sul do morro, de que é exemplo o sítio medieval dos paços do concelho com uma ocupação islâmica do período califal (926-1029), assim como refugio às populações rurais”, localização “que lhe permitia o controle de importantes vias terrestres” de origem romana com ligação a Lisboa, ao norte e  ao Tejo, e que se cruzavam na base da colina, junto ao rio Sizandro.

O mesmo historiador salienta que as muralhas “já existiriam na época Omíada (756 a c.1093) no sítio mais elevado do morro”, mas não “abrigariam a população permanentemente, servindo de ponto fortificado para a vigilância do território e de refugio das populações rurais, em caso de ataque”, fortificação “construída e mantida pela população rural muito provavelmente sem intervenção directa de uma autoridade militar” (12).

Para Manuel Santos Silva, que estudou a região de Óbidos durante o período medieval, referindo-se à região litoral a Oeste da “Balatha”, entes da reconquista, não existiriam mais do que pequena comunidades rurais, ocupando antigas villaes romanas próximas de “pequenos castelos guardados por limitados grupos armados muçulmanos, nos vales, encostas ou no cimo de alguns montes” , embora considere a possibilidade de existir no local do actual Castelo torriense “um centro populacional que apoiava os cultivadores do seu termo, e no período de mais acesa guerra entre os dois credos, representara uma linha de defesa contra as incursões pelo litoral, mais segura do que qualquer outro castelo mais a norte” (13).  

Existem na região, alguns topónimos de origem árabe que podem indicar a existência de outras Torres defensivas, como “qala ‘a”, evoluindo para “cal” ou “cat”, na origem de Catefica.

Só recentemente, já no século XXI, começaram a ser descobertos novos vestígios arqueológicos desse período na actual zona urbana de Torres Vedras.

Refiram-se alguns desses vestígios e a sua localização descobertos em campanhas entre 1998 e 2008::

- em 1998, no Paço do Patim, vestígios de “um forno de carâmica na transição da época islâmica para a cristã”, semelhantes a outro encontrado no largo de Santiago ;
 - no troço poente da cerca do Castelo” foi recolhida alguma cerâmica islâmica;
- no Largo de Santo António recolheu-se “um conjunto muito significativo de cerâmica islâmica, nomeadamente com pintura em banda, em que se destacam a boca de um cântaro e uma panela, decorada a barbotina branca” ;
- 2001 e 2002 – nos Paços do Concelho, 9 silos islâmicos, cerâmicas de produção islâmica, datável dos séculos X/XI;
- outros “materiais islâmicos” junto à Igreja de Santiago, juntamente com um forno de cerâmica do mesmo período (14);

Num levantamento de algumas peças existentes no Museu Municipal Leonel Trindade em Torres Vedras é referido . além desse “ forno de cerâmica encontrado nas antigas instalações da Casa Hipólito” , um capitel Coríntio paleocristão (moçárabe?) datado do século IX descoberto na aldeia do Penedo. Outras peças existentes nesse museu da época muçulmana são oriundas do Algarve. (15).

Por outro lado, recentemente foram referenciados possíveis vestígios da época muçulmana na ermida de S. João (16).



A região de Lisboa vai integrar o Reino Taifa de Badajoz, formado por volta de 1010, que se vai envolver num conflito militar com o Reino Taifa de Sevilha, numa primeira fase em 1034 e, numa segunda fase, entre 1044 e 1051. Uma das batalhas decisivas para conter os sevilhanos teve lugar na região a norte de Lisboa em 1034.

Durante este período, Lisboa tenta libertar-se do domínio dos aftácidas de Badajoz, com o apoio dos reinos taifa de Sevilha e Toledo, mas a revolta acabará sufocada e Lisboa volta ao domínio político de Badajoz durante as cinco décadas seguintes.


Perante a crescente ameaça cristã, vários monarcas do Al-Andaluz pedem auxílio aos senhores de Marrocos, os Almorávidas, que desembarcam na Península em Junho de 1086, derrotando os cristãos em Badajoz e conquistando e unificando os reinos Taifa, muitas vezes de forma violenta, provocando a resistência do reino Taifa de Badajoz, que se alia aos cristãos, abrindo-lhes as portas de Lisboa e Santarém em 1091, que durante uns anos fica sob domínio cristão, mas que será reconquistada pelos Almorávidas em 1095. Contudo Sintra só será recuperada pelos almorávidas em 1111, sendo retomada  pelos cristão, definitivamente, em Março de 1147, três meses antes da tomada de Lisboa por D. Afonso Henriques (17).

Quando, a partir da  década de 1140, os almóadas, dominantes no Norte de África, começam a invadir a  Península a partir de 1145, Lisboa mantem-se fiel aos decadentes almorávidas, isolamento que apressou a sua conquista definitiva por D. Afonso Henriques em 1147, depois do cerco à cidade iniciado em 28 de Junho, com apoio dos cruzados, caindo a cidade em 21 de Outubro desse ano.


A região a norte de Lisboa, onde se inclui a zona de Torres Vedras, só será integrada no reino cristão numa campanha que durou seis anos, entre 1448 e 1154.

Não nos podemos esquecer de algumas lendas mouras existentes na região, muitas provavelmente surgidas após a reconquista cristã, como a célebre lenda de “Matacães”, lenda baseada num possível episódio já posterior à reconquista, por ocasião de uma escaramuça local entre cristãos e muçulmanos, provavelmente um bando almóada em fuga da derrota sofrida por estes em Santarém em 1184, última tentativa muçulmana em recuperar a região.

Existe ainda uma outra via que nos permite colmatar as lacunas documentais, escritas e arqueológicas, a da toponímia, explorada por alguns autores.

Mas este é um tipo de fonte que tem de ser analisadas com cuidado, pois, se muitos topónimos locais podem ter origem “germânica” ou “muçulmana”, a sua atribuição pode ser de épocas posteriores ao domínio “árabe”, por “aportações recentes coincidentes com o movimento da reconquista” (18).

Em 1993 Oliveira Marques referenciou alguns topónimos de origem árabe registados no actual concelho de Torres Vedras.

Uns teriam origem nas tribos berberes estabelecidas então na região:

- Os Zanata : -  Genetia; Baraçal (dos Banu Birzal, tribo zanata), Benfica e Bem Paga em T. Vedras, com origem no Banu (Benfica= Banul al-Faqih);
Com outras origens:
- do barro : Alamagra
- de praças fortes: Catefica (com base em cat-, de qala’a, torre, castelo ou praça forte); Asneira, de hisn, outra designação para castelo.

Mais recentemente, no seu dicionário de arabismo, sem data, mas publicado depois de 2008, Adalberto Alves identifica 16 topónimos que ele identifica no concelho de Torres Vedras:

- Alcabrichel (al-kabx), “o carneiro”;
-Alfaiata (alfaiate);
- Alfainça (al-fâyna), “a desaparecida”;
- Alfeiria (de alfeire), “gado estéril”;
- Bonaval (bû nabîl), “pai do honorável”;
- Brejengas, de brejeiras, de brejo, “um vasto e selvagem terreno”;
- Buligueira (bû l-gayra), “o do ciúme” [ciumento];
- Corvão, de corvo;
-Falgueireda, de Falgueira, terra  vermelha fértil e apta para a gricultura;
- Farroupeira, de farroupeiro, guardador de carneiros;
-Fez  (fâs), com origem no topónimo da cidade Marroquina do mesmo nome;
- Ginetias, de ginete, de “zanâtî”, membro da tribo moura dos Zenetas, ou cavalo de boa raça;
- Mocharia e Mocharreira, de mocho, ou lugar com mochos;
- Monfanim, ou Monfalim (bû Halîm), “pai do tolerante;
- Picoita, de pico, cume agudo;
- Sirol (sirwâl), “ceroulas”, “calças”, talvez lugar onde se fabricavam essas vestimentas;
- Turcifal (tûr asfal), rochedo ou pico mais baixo, torre;

Refere outros topónimos de várias regiões do país, identificados pelo mesmo autor, mas sem especificar localização, existente na região de T. Vedras:

- Almagra (al-magra), “o barro vermelho”;
- Almiara (almiar);
- Almofala (al-muhalla), “o acampamento militar”;
- Almograve , de “almogávar”, “o guerreiro”;
- Almoinha , de “almuinha”, “al-munya”, “ a horta”;
- Alpalhão (al-ballâ ‘a), “o esgoto” ou “o sumidouro”;
- Ameixial . de ameixal, pomar de ameixas ou damascos;
- Assenta (al-sant), “o caminho” ou “a estrada”;
- Baraçal, de “baraça” (marasa), onde se fazem baraças, “corda”ou “cordel”;
- Barrigudo, de barriga;~
-Barro, (Barrî), “da terra” argilosa;
- Benfica (bem fiqa), “filho da calmeirona [alta];
- Cadouço (qâdûs), “cavidade”;
- Carmões (karm), “videira” (ou qarm, “senhor”);
- Caxaria (qaysârîya), “bazar”;
- Corujeira, de coruja;
-Corvaceira, de corvo;
- Estrada (xâra), caminho;
- Facaia (fukâha), de “divertimento”;
- Folgarosa, de Falgarosa, “de falgar”, “variedade de terra vermelha” fértil e apta para a agricultura;
- Feteira, de feto (planta) ;
- Gibraltar, (jabal târiq), “monte de Tarique”, comandante da expedição à Península em 711;
-Lapa (labba), ficar no mesmo lugar ou pedra ou laje grande;
-Machial (mâxiya) ou Maxial,  gado, “terreno silvestre próprio para pasto de gado”;
- Mamede (Muhammad), Maómé;
- Matacão, de “matar”, pedregulho ou bloco de pedra;
- Mecejana ou Messejana (masjana), “calabouço” ou “cárcere”;
- Panasqueira, de Panasco  (banafsajî), “como a violeta” ou lugar com abundância de flores parecida com as violetas;
- Rabaçal , de rabaça (rabasa), erva,  fruta verde;
- Rebaldeira, de reabalde, local das mourarias, dança popular;
- Safarujo, de safáro, (sahrî), árido, inculto, pedregoso;
- Vartojo (barâh tâj), propriedade bispal, reguengo;
- Zambujal, de zambujo, mata de zambujeiros;
- Zebreira ou Zibreira, de zebra;

Por sua vez, Carlos Guardado (19), confirma alguns daqueles topónimos, acrescentando outros (numa zona que abrange territórios hoje integrados em concelhos vizinhos, mas que na época medieval integravam o concelho torriense pós reconquista) : Gibraltar, Turcifal, Alfacias, Alfeiria, Almargem, Almageira, Almiarça, Asseiceira, Moçafaneira, Azueira, Pero Negro, Apaul de Alvim, ribeira de Alpilhão, Almofala, Secarias, Secarias, Ribeira de Alcabrichel, Enxara do Bispo e Enxara dos Cavaleiros,

Em 1147 Lisboa cai definitivamente em poder dos cristãos. Contudo, só nos anos seguintes é que as regiões a norte, Alenquer, Óbidos e Torre Vedras, se entregam ao novo poder, num processo ainda pouco esclarecido, que se desenrola entre 1148 e 1154.

Foram pouco menos de cinco séculos sob domínio muçulmano, um período ainda pouco conhecido da História Torriense

(1)    – para informação geral consultámos: BARBOSA, Pedro Gomes, Reconquista Cristã – Nas origens de Portugal, Séculos IX a XII, ed. Ésquilo, Lisboa 2008;  COELHO, António Borges, Portugal Na Espanha Átrabe, 2ª edição em 2 volumes, ed. Caminho, 1989; GONÇALVES, Luís Ribeiro, Sistema de Povoamento e organização territorial : Dois vales na periferia de Lisboa (séculos IX-XIV), dissertação de mestrado em História Medieval, Departamento de História da FLL, 2011 (em linha); MARQUES, A.H de Oliveira, “O Portugal Islâmico”, in Portugal das Invasões Germânicas à “Reconquista”, 2º volume da Nova História de Portugal, dirigida por Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques, editorial Presença,Lisboa 1993, pp.117 a 249; PICARD, Christophe, Le Portugal musulman (VIII – XIII siècle) – L’Occident d’ al- Andalus sous domination islamique, ed Maisonneuve & Larose, Paris, 2000;SILVA, Carlos Guardado da “Da arabização e islamização ao domínio cristão do território: Século XII”, in Nova História Local-Torres Vedras, edições Colibri/CMTV/Instituto Alexandre herculano, 2018, pp.31-40; SILVA, Carlos Guardado da, “A presença árabo-muçulmana”, in Torres Vedras Antiga e Medieval, ed. Colibri/CMTV, 2008, pp. 29-31; SILVA, Carlos Guardado da, “A estruturação do povoamento e defesa na Estremadura Islâmica: elementos para os seu estudo”, in Turres Veteras V – História Militar e da Guerra, CMTV/Instituto Alexandre Herculano,2003, pp 21-35;  SILVA, Manuela Santos, O Concelho de Óbidos na Idade Média, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2008; TORRES, Cláudio, “O Garb-Al-Andaluz”, in MATTOSO, José, História de Portugal – Primeiro Volume, ed. Círculo dos Leitores, 1992, pp. 360 a 437;
(2)     -  PICARD, Ob. Cit, p.209;
(3)    - MARQUES, Ob. Cit. p.185;
(4)  - COELHO, Catarina, “A ocupação islâmica do Castelo dos Mouros (Sintra): interpretação comparada”, Revista Portuguesa de Arqueologia, Volume 3, nº 1, 2000, pp. 207-225;
(5)     - ver MARQUES, Ob. Cit;
(6)     - PICARD, ob.cit, pp. 26-27;
(7)     - segundo MATOS, José Luís de, Lisboa na civilização Islâmica, Academia de Ciências de Lisboa, 2015;
(8)   - ver AZEVEDO, Maria Luísa Seabra Marques, Moçarabismo e Toponímia em Portugal, ed. Academia de Ciências de Lisboa, 2015;
(9)     - ver CORREIA, Fernando Branco (Universidade de Évora) in “Vikings no ocidente do Al-Andalus – alguns tópicos em redor da sua chegada na costa próxima so tejo”, in Dossiê – A Antiguidade Tardia e a Sua Diversidade, História (São Paulo – Brasil), v. 35, e 92, 2016, pp. 1 a 24 (consultado na internet em 14/2/2020) ; PIRES, Hélio Fernando Vitorino, Incursões Nórdicas no Ocidente Ibérico (844-1147): Fontes, História e Vestígios, Tese de Doutoramento em História Medieval, Faculdade de Ciências Humanas e Socias da Universidade Nova de Lisboa, Março de 2012;
(10)    - Jorge Cardoso “Hagiológio Lusitano” e Frei António da Purificação “Chronica (…) da Ordem dos Eremitas de Stº A gostinho (…)”, Lisboa 1642 e 1656;
(11)  - ver CORREIA, ob. Cit e BORGES, Marco Oliveira, “A Defesa costeira do litoral de Sintra- Cascais durante o Garb al-Andalus – Em torno do porto de Colares”, in História – Revista da FLUP, Porto, IV série, Vol 2, 2012, pp. 109-128;
(12)     – SILVA, Carlos Guardado (2018), p.33;
(13)     - SILVA, Manuela Santos, ob. Cit, pp.12 e 14 ;
(14)   - ver LUNA, Isabel e CARDOSO, Guilherme , “A urbe de Torres Vedras e a sua cerca medieval”, in Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (Séculos VI a XVI) , edições Colibri e Campo Arqueológico de Mértola, 2013, pp. 457-471 (em especial as páginas pp. 463 a 465;
(15)   – ver ELIAS, Margarida Maria  Almeida de Campos Rodrigues de Mouro, Cem melhores peças e conjuntos do Museu Municipal Leonel Trindade (Torres Vedras), Lisboa, Dezembro de 2012 (em linha) ; Sobre s descobertas arqueológicas junto da Igreja de Santiago, ver também LUNA, Isabel e CARDOSO, Guilherme, S. Tiago – Torres Vedras – Resultados dos Trabalhos Arqueológicos, 2009 (em linha);
(16)    - BASTOS, José Vitorino da Costa e, BASTOS, António Joaquim da Costa, “Capela de S. João já foi mesquita”, in Badaladas de 12 de Julho de 2002;
(17)  -  BORGES, Marco Oliveira, “Em torno da preparação do cerco de Lisboa (1147) e de um possível estratégica marítima pensada por D. Afonso Henriques”, in Historia- Revista da FLUP, Porto, IV Série, Vol 3, 2013, pp. 123-144;
(18)   - SILVA, Manuela Santos, ob. Cit. , p.13;
(19)    - SILVA, Carlos Guardado da (2008), pp. 30-31 e SILVA, Carlos Guardado da “A Toponímia e o Povomento Árabe e Mocárabe na “região” de Torres Vedras, in Turres Veteras I – Actas de História Medieval, s/d [2000],  pp. 27 a 36;

1 comentário:

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