O ano de 1931 foi um ano decisivo para a consolidação da Ditadura Militar do 28 de Maio e para o fortalecimento de Salazar na liderança política do novo regime.
Foi também um ano marcado pela agitação
política, registando a última grande revolta militar contra a Ditadura liderada
pelos republicanos.
1931 ficou assim conhecido como o “ano de todas as revoltas” (ver FARINHA, Luís,
O Reviralho – Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo –
1926-1940, Lisboa, ed. Estampa, 1998, em especial o capítulo “IV.1931 – O Ano
de Todas as Revoltas”, pp. 127 a 208), com destaque para a “Revolta da
Madeira” (ver REIS, Célia , A Revolta da
Madeira e Açores, Lisboa, Livros
Horizonte, 1990) iniciada em 4 de Abril e liderada por vários oposicionistas aí
deportados, entre eles o General Sousa Dias, conseguindo ocupar e dominar a
ilha durante alguns dias, seguida de vários pronunciamentos militares em várias
ilhas do arquipélago dos Açores, entre 7 e 10 de Abril, e na Guiné em 17 de Abril , falhando uma
mesma tentativa em São Tomé em 12 de Abril.
O regime da ditadura militar enviou reforços
militares para recuperarem as ilhas, começando por dominar a revolta açoriana
entre 17 e 20 de Abril, e desembarcando depois na Madeira em 27 de Abril,
conseguindo dominar os revoltosos, após confrontos violentos, em 2 de Maio,
rendendo-se os insurrectos da Guiné em 6 de Maio.
Animados pelo impacto desses
pronunciamentos da oposição, mas também pela proclamação da República em
Espanha em 14 de Abril, a agitação política alargou-se ao continente, com a
greve universitária iniciada em 25 de Abril, como protesto pela morte de um
estudante, e com a crescente agitação nas ruas de Lisboa e Porto a partir
do 1º de Maio, prolongando-se até ao fim
do mês, , com confrontos violentos entre os manifestantes, maioritariamente comunistas
e anarco-sindicalistas, e a GNR.
Em 26 de Agosto estalou nova revolta
militar, desta vez no Continente, mas que acabou por falhar, em parte pela divisão
dos republicanos, entre os exilados na Galiza e os “Budas” de Paris, para além
de alguma hesitação dos republicanos do continente, ainda abalados pelo
fracasso da revolta da Madeira e anestesiados pela promessa de poderem
concorrer a eleições municipais prometidas para finais desse ano.
A revolta iniciou-se pelas 7 da manhã dessa
4ª feira com a ocupação, por parte de grupos de civis e militares, dos quartéis
de Metralhadoras nº 1, de Artilharia nº 3 e da Penitenciária, em Lisboa, e os
quartéis de sapadores mineiros de Queluz e da Pontinha . A partir desses
quartéis saíram vários militares, acompanhados de civis, para tomar posição em
vários lugares da capital. A reacção das forças fiéis ao governo permitiu
dominar a revolta em Lisboa a partir do final da manhã, acções que se
prolongaram pela tarde desse dia. Cercados por tropas fiéis ao governo, aqueles
quartéis acabariam por se render ao fim de algumas horas de sangrenta
resistência.
Por outro lado, coube ao tenente coronel da
aviação Sarmento de Beires, na clandestinidade desde 1928, ocupar e assumir o
comando do campo de aviação de Alverca, tendo os militares revoltosos ocupado a
estação local de caminho de ferro, revistando todos os comboios que por aí
passavam a caminho de Lisboa.
Desse campo de aviação partiram dois aviões
que bombardearam as peças de artilharia de Almada, fiéis ao governo, e o
Castelo de S. Jorge, onde estavam outras forças governamentais. A falta de
pontaria desses bombardeamentos causaria muitas mortes entre os civis,
principalmente em Almada e no bairro lisboeta de Alfama.
Devido à ofensiva das tropas
governamentais, que bombardearam aquelas instalações de Alverca com uma peça de
artilharia de Sacavém, Sarmento de Beires e os revoltosos sob o seu comando
retiraram-se a caminho de Lisboa no início da tarde, mas tomando conhecimento
de que a revolta já tinha sido dominada em Lisboa, dirigiram-se por Bucelas
para Loures, onde chegaram por volta das 11 e 30 da manhã, sendo recebidos
pelos seus apoiantes locais, demitindo a câmara e requisitando mantimentos.
Apanhada de surpresa, a população de Loures
“sofreu momento de verdadeiro pânico, ao contemplar as manobras militares.
Imediatamente foram estabelecidas vedetas em todos os pontos da vila, ao mesmo
tempo que era tomada a estação telégrafo-postal, a Associação de Bombeiros
Voluntários e a Câmara Municipal e cortadas, exteriormente, as linhas da
estação telefónica”. Sarmento de Beires tomou os Paços do Concelho, dando ordem
de prisão ao administrador do concelho e a vários funcionários municipais,
içando a bandeira nacional na fachada do edifício, onde se reuniram vários
populares “trocando-se nesse momento muitos “vivas” á Pátria e á República de
mistura com morras á Ditadura”.
Muitos habitantes da vila, pelo contrário,
fugiram para lugares vizinhos, temendo um confronto violento entre revoltoso e
forças fiéis à ditadura (“O Século”, 28 de Agosto de 1931).
Perante a aproximação de forças da infantaria e de cavalaria da GNR, fiéis ao
governo, os revoltosos retiraram-se daquela localidade por volta das 2 da manhã
do dia 27, a caminho de Torres Vedras, com o objectivo de rumarem a Caldas da
Rainha.
Acompanhavam Sarmento de Beires cerca de
200 homens (outras fontes jornalísticas falam, ora em 150, ora em 250),
transportados em cinco camionetas. (“Novidades” de 28 de Agosto de 1931).
Na madrugada do dia 27 de Agosto, uma 5ª
feira, pelas 5 horas da madrugada, deu entrada na vila de Torres Vedras a
coluna militar comandada pelo tenente-coronel Sarmento de Beires, que se
posicionou com sentinelas nas principais entradas da vila, impedindo a entrada
e saída de pessoas e veículos.
Segundo alguns relatos, aquelas tropas eram
acompanhadas por civis armados, “estranhos a esta vila” de Torres Vedras (DN,
30 de Agosto de 1931).
Sabe-se, contudo, que os revoltosos
contavam com apoio local (para um melhor enquadramento da situação política
torriense nesse período leia-se RAMOS, Hélder Ribeiro , A Consolidação do
Estado Novo em Torres Vedras – Poder e Oposição – 1926-1949, Ed. Colibri/CMTV,
2019). Num relatório da PVDE sobre a situação política em Torres Vedras, onde
se registam aos acontecimento vividos nesta localidade, refere-se que a coluna
de Sarmento de Beires “tomou rumo a Torres Vedras devido” ao compromisso de
“levantamento revolucionário” nesta localidade e em Caldas da Rainha,
assumidos, respectivamente, por Victor Cesário da Fonseca, “Negociante e
director do jornal “Gazeta de Torres” e “elemento mais perigoso de Torres
Vedras”, e por Maldonado de Freitas, encontrando-se este último na casa de Victor
Cesário da Fonseca, em Torres Vedras, quando da chegada da coluna revoltosa a
esta localidade.
Sarmento de Beires teria ainda contado com
o apoio local de João Caldeira, professor primário, “braço direito do VICTOR
CESARIO DA FONSECA” e Galileu da Silva, caixeiro-viajante na linha do Oeste,
elemento de ligação com Lisboa e concelhos vizinhos. O mesmo relatório acusa,
estranhamente quanto a nós, o Dr. Moura Guedes de ser elemento de ligação com
vários “reviralhistas de Oeste”. Contaria ainda com o apoio de outros notáveis
civis republicanos nos concelhos vizinhos da Lourinhã e do Bombarral
(ANTT/PVDE, Proc. Nº 1483/SR- Sarmento de Beires).
A “coberto de um denso nevoeiro” (O Século,
28 de Agosto de 1931) começaram por tomar o quartel da GNR e a estação de correios
e telégrafos.
Sarmento de Beires, “que apesar de ir
fardado de tenente-coronel, levava sobre aos ombros uma capa alentejana” (O
Século, 28 de Agosto 1931) notificou o comandante do posto da GNR, o então 2º
sargento José da Silva Anacleto “que ficava daquele momento em diante sob o seu
comando, assim como todo o posto”.
Segundo a versão do Diário de Notícias os
rebelde prenderam os 14 soldados da GNR desse posto, que, à sua chegada dormiam
na caserna, bem como o referido sargento que estava no seu quarto. “Os
prisioneiros quiseram reagir, mas, perante a força numericamente superior,
tiveram de desistir do seu intento” (Diário de Notícias, 28 de Agosto de 1931).
A estação “telegrafo-postal” foi ocupada,
sem resistência por volta das 6 da manhã, “tendo a telefonista de serviço,
Maria de Lourdes Albino, chamado o chefe, sr. Evaristo Silva, o qual, perante a
força, foi obrigado a submerter-se” (“O Século”, 29 de Agosto de 1931).
De seguida mandou homens seus ao Hotel
Central, situado na Avenida 5 de Outubro, para ordenar ao administrador do
concelho, o tenente França Borges, que aí estava hospedado, para se apresentar
naquele posto. (“A Revolução – Torres Vedras, assiste na passada quarta feira,
ao desfazer da ultima coluna revolucionária, do comando de Sarmento de Beires”,
in Jornal de Torres Vedras de 30 de Agosto de 1931, pág.3).
França Borges aproveitou a fuga para se
dirigir à estação de caminho-de-ferro “de onde conseguiu telegrafar para Lisboa
e Caldas da Rainha, a prevenir do que se passava. Em seguida, afastou-se da
vila até a saída dos revoltosos. Foi a sua comunicação telegráfica que serviu
de aviso ao regimento de Infantaria 5, que desconhecia, por completo, o que se
passava” (O Século, 29 de Agosto de 1931).
Segundo a reportagem do Diário de Notícias
(28 de Agosto de 1931) a “população da vila, que só dera pela tropa rebelde
quando começava os seus afazeres quotidianos, ficou surpreendida e alarmada com
aquele aspecto bélico, tanto mais que nunca tinha presenciado ali qualquer
revolta. A calma na população foi-se refazendo por não se ter disparado um
único tiro”.
Eram já perto da 8 da noite (?), quando
Sarmento de Beire, após conferenciar com um civil, soube do fracasso da revolução, percebendo que
estava isolado.
Por volta das 9 da noite (?) “reuniu os
sargentos e comunicou-lhes a derrota, ordenando-lhes que se fossem entregar com
os soldados à sua unidade, em Alverca, mas ocultando-lhes a situação. E em
camiões lá foram a caminho.
“Libertos os soldados e o sargento do posto
da G.N.R., este último imediatamente conseguiu comunicar com Caladas da Rainha,
dando conta do sucedido.
“Algum tempo depois voavam sobre Torres
Vedras e arredores dois aeroplanos da aviação militar, afim de fazerem
observação” (DN, 28/8/1931).
O horário indicado pelo repórter do Diário
de Notícia não corresponde com o referido no jornal torriense “Gazeta de
Torres” de 30 de Agosto, que coloca o abandono de Sarmento de Beires de Torres
Vedras pelas 10 horas da manhã desse dia, e não à noite, parecendo-nos aliás
mais credível esta versão.
Seja qual tenha sido o momento, assim que
se decidiu retirar da vila, Sarmento de Beires, acompanhado por um oficial,
tomou um automóvel a caminho da Aldeia Grande (DN 30/8/ 1931).
Entretanto, acompanhado pelo sargento
Anacleto, da GNR, foi a vez de França Borges partir de automóvel em perseguição
de Sarmento de Beires (“O Século”, 28 de Agosto 1931).
Existe uma história curiosa, de tradição
oral, passada entre a fuga de França
Borges, acima descrita, e a fuga
posterior de Sarmento de Beires.
Depois de ter avisado o Regimento de
Infantaria 5 de Caldas da Rainha e o Governador Civil de Lisboa, através do
telegrafo do caminho de ferro, do que se passava em Torres Vedras, após ter
escapado à voz de prisão, França Borges foi ajudado por um adversário político,
mas que era seu amigo, António Vicente dos Santos, conhecido por “Mafalda”, e
levado para o Ramalhal, escondendo-se na casa de José Antunes Martins, o “José
Marujo”.
Entretanto, depois de abandonar a vila, num
carro de praça, Sarmento de Beires teve a colaboração do mesmo “Mafalda”, que o
levou também para o Ramalhal, para a casa do mesmo “José Marujo”.
Assim, durante alguns momentos ou horas, os
dois adversários estiveram escondidos na mesma casa, em salas diferentes, sem
saberem um do outro ( a história foi contada ao sr. Adão de Carvalho por Maria
do Carmo C. da Silva, filha do José Marujo e referidos pelo mesmo Adão de
Carvalho, numa crónica da sua autoria publicada no jornal “Badaladas” em 29 de
Abril de 1994, “Recordando…Uma “revolução” que morreu em Torres Vedras).
Ao contrário do que se disse na altura, os
revoltosos nunca ocuparam o edifício municipal, nem prenderam o Presidente da
Câmara, nem, muito menos, se apoderaram do dinheiro do cofre do município,
mentiras lançadas pelo “situacionista” jornal “A Voz” na sua edição de 28 de Agosto.
Coube ao próprio França Borges, em reunião
da comissão administrativa da Câmara Municipal, realizada no dia 28, desmentir
essa calúnia. (O Século 29 de Agosto 1931), o mesmo fazendo, de forma
indignada, o jornal torriense “Gazeta de Torres” na sua edição de 30 de Agosto.
Sarmento de Beires foi avistado na noite do
dia 27 em Óbidos, na companhia de um outro oficial, onde jantou numa pensão,
deslocando-se depois para a zona de Leiria (“O Século” de 29 de Agosto de 1931
e “Novidades”, 30 de Agosto de 1931).
Segundo o acima mencionado relatório da
PVDE, Sarmento de Beires ter-se-á refugiado na casa do engenheiro agrónomo
Adolfo Bordalo na Lourinhã, para onde foi conduzido por Victor Cesário da
Fonseca, tendo este subsidiado o líder revolucionário em fuga durante alguns
meses “com mil escudos por mês”, tal como o fizeram um tal Vilhena da Quinta do
Calvel, o referido engenheiro Adolfo Bordalo da Lourinhã e o já referido Maldonado
de Freitas de Caldas da Rainha.
A derrota do movimento revolucionário de 26
de Agosto de 1931 terminou com a esperança de uma transição da ditadura para um
novo regresso à “normalidade” republicana e contribui para a consolidação dos
sectores mais radicais da ditadura militar.
Foram efectuadas centenas de prisões entre
oposicionistas, aceleraram-se os saneamentos políticos no exército e na função
pública, envolvendo mesmo muita gente que nada teve a haver com aquela revolta,
reorganizou-se a censura e a polícia política, consolidou-se a recém criada
União Nacional e iniciaram-se os trabalhos para a promulgação da Constituição
de 1933 que criou o Estado Novo, que seguiu de perto o modelo institucional do
fascismo italiano.
Pouco menos de um ano após aqueles
acontecimentos, o até então todo poderoso Ministro das Finanças e líder da facção mais radical dos anteriores
governos da ditadura militar, António de Oliveira Salazar, tornou-se Presidente
do Conselho de Ministros, cargo do qual tomou posse em 5 de Julho de 1932, só o
abandonando por doença súbita em 1968.
Sem comentários:
Enviar um comentário