sexta-feira, 27 de maio de 2022

A Guerra dos “bandos armados” em Torres Vedras, no tempo de D. João II

(D. João II)

Existem referências a confrontos entre dois “bandos armados”, no inicio do reinado de D. João II, na região de Torres Vedras.

As causas desse clima insurrecional na região reflectem o clima de instabilidade política que se viveu no inicio do reinado do “príncipe perfeito”.

Embora governando o reino “de facto” desde 1477, ao herdar o trono, após a morte do seu pai, D. Afonso V, em 1481, D. João II deu inicio a uma politica de forte centralização régia, que durou até 1485, tendo, para o efeito, de enfrentar a reacção da Grande Nobreza, nomeadamente  o duque de Bragança e o duque de Viseu, clima de “pré-guerra civil” que se terá prolongado para lá daquelas datas(1).

Nos confrontos registados nesta região, um dos bandos era liderado pelo alcaide de Torres Vedras Gomes Soares d’Albergaria, o outro era liderado por D. Pedro de Noronha, senhor do Cadaval e mordomo mor de D. João II.

Com base no documento em que nos baseámos para este texto, os “parentes mais próximos dos chefes entraram também na contenda, como os cavaleiros de que dispunham”, sucedendo-se “os choques das forças armadas, e, num dos combates, caiu morto D. Henrique de Noronha, sobrinho de D.Pedro” (2).

No mesmo texto que citamos, o autor, indicando apenas como fonte “os Nobiliários”, faz uma listagem do lideres principal de cada bando.

Pelo “bando” liderado pelo alcaide de Torres Vedras combatiam: Lopo Soares de Albergaria, irmão do alcaide, que veio a ser governador da Índia; Fernão de Melo, irmão daqueles e “Senhor de Vila de Rei”; D. Pedro de Menezes, “1º conde de Canatanhede”, futuro cunhado dos anteriores; D. Álvaro de Castro, cunhado do alcaide de Torres Vedras; Aires da Sylva, também cunhado de Gomes Soares; D. Fernando Coutinho, alcaide-mor de Pinhel, sogro de uma irmã de Gomes Soares; Diogo Soares de Albergaria, tio do alcaide torriense; Fernão Soares de Albergaria, irmão do anterior; D. Diogo Lobo da Silveira, primo de Gomes Soares; Estevão de Brito Nogueira, primo do alcaide; Jorge Moniz, também primo do líder do bando; Tristão da Cunha, navegador conhecido e cunhado do acima citado Lopo Soares; D. João de Castro, cunhado do acima citado Fernão de Melo; D. Afonso de Menezes e Vasconcelos, genro de Lopo Soares; e D. Fernando de Almada, genro do mesmo Lopo Soares.

Pelo “bando” de D. Pedro de Noronha: o seu filho D. Henrique de Noronha; D. Martinho de Noronha, irmão de Pedro; Rui Teles de Menezes, cunhado dos antecedentes; D. João de Noronha, alcaide-mor de Óbidos e irmão de D. Pedro; D. Fernando de Noronha, irmão dos anteriores; D. Pedro de Menezes, marquês de Vila Real, capitão donatário de Ceuta, primo de D. Pedro; D. Pedro de Castro, sobrinho do anterior; D. João, marquês de Montemor-o-Novo, filho segundo dos segundos duques de Bragança e cunhado de D. Pedro; D. João de Almeida, igualmente cunhado de D. Pedro; Luis de Albuquerquer, 1º conde de Penamacor e cunhado do líder do “bando”.

É evidente a força do “sangue” e das lealdades de origem familiar no posicionamento militar e “político” dos principais envolvidos nessa “pequena guerra civil regional”.

Uma análise mais completa e actualizada sobre genealogia e as acima referidas ligações familiares entre os lideres dos dois bandos, pode ser lida no recente estudo de Maria Natália da Silva sobre “A Casa de Torres Vedras” (3).

Citando Maria Natália da Silva, a “rivalidade entre esses senhores e o envolvimento de tão poderosos cavaleiros tiveram como consequência combates sangrentos que puseram em perigo a estabilidade da região”, destacando-se a já citada morte de D. Henrique de Noronha num desses confrontos (4).

A paz foi restabelecida por intervenção do monarca, que privou Gomes Soares do seu cargo de alcaide-mor.

Segundo consta, foi com esse objectivo que D. João II chamou Gomes Soares à sua presença, tendo este respondido ao monarca  que “se Sua Alteza o chamava para lhe fazer mercê ele não a pretendia e se era para lhe cortar a cabeça também se podia  fazer aquela demonstração na praça de Torres Vedras” (5).

Pelo contrário, o monarca parece ter apoiado o “bando” liderado pelo Duque do Cadaval, que desempenhou o cargo de mordomo-mor do rei e pertencia ao conselho de D. João II.

D. Pedro de Noronha foi, aliás, um dos mais fiéis aliados do monarca no confronto que ao longo do seu reinado opôs D. João II à grade nobreza.

Embora ao longo do seu reinado o monarca tenha feito várias doações a Gomes Soares, situação reveladora de que este terá recuperado alguma influência, não deixa de ser significativo que a princesa D. Isabel, casada com o príncipe D. Afonso, ao receber, como era habitual, Torres Vedras como dote de casamento, tenha nomeado para seu procurador na vila, por carta de 9 de Setembro de 1491, o tal D. Pedro de Noronha (6).

Embora o autor daquele texto, onde se referem os “recontros” entre “bandos armados” nesta região, não indique a data em que os mesmos tiveram lugar, é credível que se tenham dado por volta de 1491, não só pela data da nomeação referida no parágrafo anterior, mas também porque foi nesse ano que Gomes Soares foi afastado do cargo de alcaide-mor do Castelo de Torres Vedras, cargo herdado do pai em 1477.

Foi substituído no cargo por Rui de Sande, mas, 9 anos depois, já no reinado de D. Manuel, por carta de 3 de Março de 1500, recuperou em definitivo aquele cargo (7).

Sobre esse episódio, o “combate de Bandos Armados” na região de Torres Vedras, ainda existem muitas dúvidas por esclarecer, nomeadamente sobre as suas reais motivações e o seu impacto social e económico.

Talvez esta referência possa contribuir para aguçar a curiosidade dos investigadores, mais capacitados do que eu para estudar esse período, respondendo às dúvidas suscitadas pelo pouco que se conhece sobre esse episódio.

  • (1)    para uma actualizada biografia do reinado de D. João II leia-se a obra de Luís Adão da Fonseca, “D. João II”, na colecção “Reis de Portugal”, editada pelo Círculo de Leitores em 2005 (existe edição posterior);
  • (2)    ALARCÃO, D, José Manuel de Noronha e Menezes de,  “Os Recontros dos Bandos Armados” nas cercanias de Torres Vedras”, in Boletim da Junta da Provincia da Estremadura, nº 14, 2ª série, 1947 (Janeiro- Abril) pp.85 a 88;
  • (3)    SILVA, Maria Natália, A Casa de Torres Vedras – de Rui Gomes de Alvarenga aos Marqueses do Lavradio – séculos XV-XIX,  colecção H 19, ed. Colibri)CMTV, Lx, Dezembro de 2019. Sobre o tema desta crónica, leia-se, principalmente, o capítulo 2.5 – O sucessor : Gomes Soares de Melo, pp.64-73;
  • (4)    SILVA, Maria Natália, ob. cit., pág. 65;
  • (5)    segundo a obra de Antonio Suárez de Alarcón,  Relaciones genealógicas de la Casa de los Marqueses de Torcifal Condes de Torres Vedras (…), editada em Madrid em 1656, existindo cópia na Biblioteca Nacional de Lisboa, citada por Maria Natália da Silva, na nota 120 da pág. 66, do seu estudo;
  • (6)    documento transcrito por J. M. Cordeiro de Sousa  em “Fontes Medievais da História Torreana : alguns documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo”, ed. CMTV, 1958;
  • (7)    SILVA, Maria Natália, ob. cit., pp. 65-66. 

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