quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Misericórdia de Torres Vedras


A história e a acção cívica da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras confunde-se com os últimos cinco séculos da História torriense.

Fundada  por alvará de 26 de Julho de 1520, revelou-se a mais marcante iniciativa tomada localmente durante o reinado de D. Manuel (nascido em 1469, reinou entre 1495 e 1521).

A sua fundação vem na sequência da  necessidade sentida, desde os finais do século XV, em ordenar e unificar a assistência, que se iniciou quando D. João II lançou a primeira pedra do Hospital de Todos os Santos, reunindo para esse fim os rendimentos de vários estabelecimentos pios, obra continuada por sua mulher D. Leonor, quando, já viúva, fundou a Misericórdia de Lisboa em Agosto de 1498.

A História dessa instituição em Torres Vedras, e da sua acção ao longo dos séculos, está suficientemente estudada, numa primeira síntese por Madeira Torres (1), aprofundada por Salinas Calado (2) e, mais recentemente, numa obra de fôlego e definitiva, por Célia Reis (3).

Registem-se ainda alguns estudos sobre aspectos mais particulares dessa instituição, como os de Manuela Catarino (4) e Joana Balsa de Pinho (5).

Registe-se ainda o volume dedicado às Misericórdias, numa visão global, incluído na edição de actas dos encontros Turres Veteras (6)

Neste texto, apenas pretendemos fazer uma breve evocação dessa instituição, remetendo um conhecimento mais aprofundado sobre a mesma  para a consulta das obras acima referida, em especial para o livro de Célia Reis.

A sede torriense dessa instituição foi instalada no Hospital do Santo Espírito, que já possuía os bens do Hospital de Santa Maria dos Farpados e do Hospital do Mostardeiro, juntando-se então a esses, os bens da Confraria das Ovelhas Pobres e os do Hospital de S. Gião, ou Confraria dos Sapateiros, aos quais se juntariam outros bens ao longo dos séculos.

A Misericórdia de Torres Vedras começou a sua vida “com duas salas para ambos os sexos  e uma capela, e segundo Madeira Torres, com um rendimento de : 6 moios de trigo, 3 de cevada, 36 almudes de vinho, 3 potes de azeite, 56 galinhas e frangos, um carneiro, 13.888 réis em dinheiro e 2 óvos, além dos sobejos de todos os outros Hospitais e Albergarias.

“Além destes rendimentos, estava a Santa Casa autorizada a ter Mamposteiros ou arrecadadores d’esmola em todas as freguesias do arciprestado, encarregados de pedirem para ela” (7).

Em 1767 foi aí construída uma enfermaria de mulheres e, em 1795, foi autorizada a criação de uma “botica” no hospital, só concretizada em 1814.

O edifício foi acrescentado em 1796 com a compra de uma casa nobre a sul, alargando as enfermarias para quatro.

O Hospital funcionou aí até à inauguração do Novo Hospital da Misericórdia, no local do actual Hospital Distrital, em 18 de Julho de 1943, com a presença do então Presidente da república Óscar Carmona.

As obras do novo hospital começaram em 1926, mas a inauguração só ocorreu nessa data.

O novo hospital foi “construído por contribuição do Estado e da Câmara Municipal”, e com a contribuição de vários beneméritos locais, homenageados numa lápide comemorativa descerrada na ocasião, no átrio do hospital”. Entre os beneméritos foram citados os “srs. Álvaro Galrão, dr. José Alberto Bastos, Joaquim Vaquinhas, dr. Júlio Lucas e D. Teresa de Jesus Pereira” (8).

Com a mudança das instalações do Hospital, no edifício então desocupado estiveram instalados o Museu Municipal e a Biblioteca Municipal de 1944 a 1989.

Em 19 de Maio de 1681 deu-se inicio à construção da Igreja da Misericórdia, contigua àquele hospital, obra concluída em 1710, ano em que foi benzida em  acto solene, realizado a 6 de Setembro desse ano, presidido pelo Bispo de Tagaste, o torriense D. Manuel da Silva Francês.

Entra-se para a Igreja pelo adro que serviu de cemitério onde se enterravam os pobres falecidos no Hospital, antes de a Santa Casa ter cemitério pegado para norte e, talvez, para poente.

O Pórtico tem as armas reais do século XVII, e a porta é datada de 1718.

A igreja é de uma nave coberta por abobada de berço, onde estão pintadas as armas reais, com a cruz da ordem de Cristo  (típico do século XVIII).

No altar mor existe, no centro, uma imagem de N.ª Senhora da Misericórdia com o menino (seiscentista) e, segundo Salinas Calado, à “mão direita da Senhora da Misericórdia, no seu altar de talha dourada, existe um pequeno esconderijo; ali escaparam, como protegidos pelo seu manto piedoso, às prisões de 22 de Dezembro” (de 1846) “alguns patuleias, torrienses de então”.

A sacristia foi construída em 1752, por ordem do provedor Nuno da Silva Teles (Tarouca e Alegrete).

Leia-se, a propósito desse monumento, o interessante estudo sobre a sua arquitectura da autoria da já citada Joana Balsa de Pinho.

Sobre o valioso património artístico dessa instituição, visite-se o pequeno museu instalado no espaço sede da instituição, baptizado com o nome de Manuel Rosado, um quase centenário e dedicado cidadão à causa pública e a essa instituição.

Em 1975 a instituição perdeu as suas funções hospitalares, passando o edifício do Hospital a ter gestão estatal. Em contrapartida a associação ganhou novas valências, com a criação de uma creche e jardim de infância em Outubro de 1980, a inauguração de uma nova sede e de um centro de dia em Maio de 1987, e, em Dezembro de 2002, a inauguração do lar de Nossa Senhora da Misericórdia no lugar do Sarge.

Entretanto, no edifício original, para além dos serviços administrativos, existe um bem organizado arquivo histórico, englobando quinhentos anos da história de uma instituição que se confunde com a História de Torres Vedras, bem como o já mencionado museu.

Esperamos , com esta modesta e sintética evocação dessa importante “associação” torriense, despertar o interesse pelo conhecimento da sua actividade e da sua importância histórica e social no concelho torriense.


(1) – MADEIRA TORRES, Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), com nova edição fac-similada editada pele Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras;

(2) - CALADO, Rafael Salinas, Origens e Vida da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras, ed. 1936;

(3) – REIS, Célia, A Misericórdia de Tores Vedras (1520-1975),  ed. Da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras, 2016;

(4) – CATARINO, Manuela, “Assistência no século XIX”, in  Torres Vedras – Passado e Presente, Vol. I, obra colectiva, ed. Pala Câmara Municipal de Torres Vedras em 1996, pp. 299 a 316;

(5)- PINHO, Joana Balsa, “Persistência e atualidade de um modelo tipológico: a Casa da Misericórdia de Torres Vedras e a arquitetura das Misericórdias quinhentistas”, in A Misericórdia – História, Arte e Património, Turres Veteras XXIII, cord. Carlos Guardado Silva, ed. Colibri, CMTV, Universidade de Lisboa (…), ed.2022

(6) – SILVA, Carlos Guardado, (coord.), A Misericórdia – História, Arte e Património, Turres Veteras XXIII, ed. Colibri, CMTV, Universidade de Lisboa (…), ed.2022 ;

(7) – CALADO, ob. Cit., pág.6;

(8) - in Novidades de 19 de Julho de 1943;

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