“Batalha de Torres Vedros(sic)” Reprodução de uma estampa existente no Arquivo Municipal de Torres Vedras. Sabemos existir uma gravura igual na Biblioteca Nacinal de Lisboa. Desconhecemos qual delas é a original. Note-se a figura da rainha, as cabras (os “cabralistas”) e a figura por elas transportada numa maca (Mouzinho?).“Quando a rainha soube da morte e aprisionamento dos bravos, saiu às janelas do palácio e como uma bacante gritou para a sua guarda: “Vitória! Vitória !Vitória” (Espectro, citado por Oliveira Martins).
Há 163 anos, no dia 22 de Dezembro de 1846 teve lugar a chamada “Batalha de Torres Vedras”, um dos episódios mais dramáticos da Patuleia.
Recordamo-la aqui através de uma descrição feita por alguém que assistiu àquele acontecimento e que o registou por escrito apenas uma semana depois, em jeito de rascunho, daí o mau português do texto.
O seu autor é anónimo, mas a comparação da grafia do mesmo com outros documentos da época assinados por José Eduardo César leva-nos a atribuir a sua autoria a este ilustre torriense do século passado.
Aliás, quem ler a descrição daquele acontecimento na obra histórica de Madeira Torres, anotada pelo mesmo J.E.César, poderá, ao ler a nota (a) da página 76, encontrar algumas similitudes entre o conteúdo da mesma e o documento que vamos transcrever.
Para um melhor enquadramento histórico da Batalha de Torres Vedras recomendamos a leitura do artigo de José Travanca Rodrigues "A restauração do cartismo.Os dramas da Maria da Fonte e da Patuleia" publicado na monografia TORRES VEDRAS - Passado e Presente, páginas 216 a 224, que inclui igualmente uma reprodução fotográfica do documento que vamos transcrever.
Podem também consultar um trabalho da minha autoria sobre o mesmo assunto, publicado pela Revista Militar em 2006, consultável na net AQUI.
"No dia 22 de Dezembro de 1846 - Se deu em Torres Vedras huma renhida e sanguinolenta Batalha entre Portugueses (!!!!!!) de diferentes partidos (todos constitucionais) huns do partido chamado Setembrista, ou popular comandados pelo Conde de Bonfim, e os outros chamados Cartistas, ou Cabralistas, ou da Rainha, comandados pelo Marechal Saldanha, ficando este vencedor, com a perda total da Divisão do Conde de Bomfim, q no fim da tarde se meteu com os restos da tropa no castello, onde esteve athe ao dia seguinte (23) em que se entregou prizioneiro de guerra, com esses restos ditos. O conde de Bonfim tinha chegado no Sabado -19- a Torres Vedras, com a sua Devisão q dizião ser huns cento e quarenta cavallos; na infantaria entravão alguas guerrilhas -batalhões organisados do povo, q, no meu parecer, pouco valião, mas trazia então alguns batalhões de linha m.to bons. No Domingo (20) descançou na villa, e acabou de chegar o resto da sua força. Na 2º feira (Dia de S.Thome) logo se conheceu q elle sentia o inimigo perto porq principiou a tomar posições no castello, forte de S.Vicente, forte da Forca, S.João e a colocar a peça e o obuz em posição, tomando m.tas disposições. Na terça feira -22- amanheceu m.to chuvoso tendo chovido toda a Noite de sorte q o rio Cizandro estava cheio e em algumas partes a deitar fora, não deichando com tudo a chuva, q era hum nevoeiro molhado m.to cerrado, a ver cousa algua, de modo q a vinte passos já se não conhecia hum indeviduo.
"Serião onze horas, pouco antes, entrei a sentir alguns tiros dispersos, pª o lado do Forte de S. Vicente e Amiaes, fui colocar me em St. António, ponto de onde podia ver tudo m.to bem, e sem o menor perigo; porem o nevoeiro fechado e molhado não deichava ver cousa algua, ouvido-se comtudo destinctamente as cornetas e os seus toques de avançar de fogo por filas, e as vozes dos officiaes e hum fogo exasperado e conheci q o exercito do Saldanha tinha tomado o Forte de S.Vicente, por vivas á Carta e outras vozes, isto seria meio dia, o q logo sube por gente q chegou da villa, continuamdo a sentir-se m.to fogo, mesmo de artelharia pª o outro lado da villa, parecendo pª o Forte da Forca, Sarges, Fontainhas, e naquella direcção.E vim jantar algua cousa e antes das tres horas voltei pª sima, continuando sempre o fogo vivissimo, e o nevoeiro q nada deichava ver, sendo só por tres horas e meia, q o nevoeiro principiou a abrir, e a deichar ver o campo da peleija, q se extendia por todas as iminencias, principiando pouco depois a ver se q se aproximavão das pontes, e avançavão, pª a villa debaicho de hum fogo q horrorijava, vendo-se destinctamente cahir cavallos, e cavaleiros, e choverem as ballas em todas as direcções, e assim aturou athe noite fechada, ficando eu e os mais que estavamos, na incerteza de que lado ficou o vencimento, supondo mesmo q o Saldanha sim tinha tomado S.Vicente, e os Fortes, e posições à direita do Cizandro, mas q a vila, e toda a esquerda do rio estava ainda occupada pelo Bomfim, com o Castello, o q não admira, porq d'essa mesma opinião estavão, como depois se soube, os mesmos moradores da maior parte da villa, e as mesmas tropas do Saldanha, e talvez ali mesmo, foi necessario mandarem-nas chamar, dizendo-lhe q a vila ou parte d'ella, estava tomada, q podião vir, da sorte q estiverão a entrar toda a noite, noite de horroroza recordação pª os moradores da villa, todas as portas erão arrombadas indestinctamente, todas as cazas roubadas; o saque não foi positivamente mandado, mas foi m.to de proposito convertido. tropa mais indesciplinada, mais ladrões, nunca em epoca algua aqui aparecerão, tendo nós já aqui visto Francezes, Inglezes, Hespanhoes e em m.to maior numero, e nem se podem disculpar com a Batalha, porq antes d'ella, e depois, na marcha pª sima, na volta pª baicho, sempre ladroes desaforados tudo lhe servia!!! Em abono da verdade, porq esta he quem sempre nos derige, o Saldanha conduzio-se na sua victoria com moderação, tratou com moderação os prezioneiros, a maior parte consta terem fugido, e todos deverão ter feito, porq, ao menos os officiaes, consta terem sido em Lisboa m.to mal tratados, alguns, os principaes, athe dizem terem sido mandados pª Angola.
"O Forte da Forca nunca se rendeu, foi de noite abandonado, quando souberão q'a villa estava occupada pelo Saldanha, e a Acção perdida. A artilharia do Saldanha esteve colocada, no dia da acção, na Sera da Almofalla, d'onde deitou hum sem numero de projecteis sobre a villa, principalmente bombas, e foguetes de Conggreave, d'estes mais de 60 - com tanta felecidade pª a villa q poucos, ou nenhuns estragos produsirão, como se os não deitassem.No dia 23 vierão colocar 4 bocas de fogo em o moinho por sima do nicho de Stº Antonio de Varatojo, pª ameaçarem os do Castello pª se renderem mas não chegarão a fazer fogo. A artilharia do Bomfim, pouca, apenas 2 bocas de 6 fogos, causou terriveis estragos na devisão do Saldanha, por mais bem colocado, e optimamente deregida (pelo Mouzinho)
Mouzinho de Albuquerque, falecido nesta mesma Batalha
. A perda do Saldanha foi m.to grande em mortos e feridos.A batalha so foi perdida, por culpa do general, faltou-lhe a presença de esppirito e sangue frio indispensaveis; os soldados, quse sós, abandonados baterão-se athe à noite como leões, o Bonfim no meio da tarde os abandonou, indo meter-se no Castello, e dizem q athé em hum confessionario = estamos perdidos,estamos perdidos - sem dar mais providencias alguas, nem se lembrar do artº 5º dos da guerra.Com soldados taes como elle tinha, ainda q em m.to menor numero, e com taes posições, e o rio cheio, a deitar por fora, como estava naquelle dia, he opinião de todos q prezenciarão a acção, q nunca a perderia; o ir-se meter no Castello, onde nada tinha, nem pão, nem agoa, podendo athe ainda dali sahir de noite, ou ao menos a Cavallaria, pª o lado da ponte do Alpilhão, em direitura a Varatojo, lado q lhe ficou todo aberto athe ao dia seguinte, tanto q os moradores da villa q estavão proximos á porta do Castello, e de todo o lado dito só no seguinte dia he q souberão q o outro lado da villa estava occupado pelo Saldanha."
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"Lavrei estes apontamentos no dia 29 de Dezbº de 1846 - com tenção de continuar, addicionar-lhe factos q depois se forão sabendo, e apurando, passado depois tudo pª limpo; corregido, e melhor organisado, porem não tive occasião pª isso - ".
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