Como indicámos e artigo anterior, existe imprensa em Torres Vedras desde 1885.
A imprensa é um interessante documento histórico para aferir da realidade que ela abrange, complementando, com a sua vida e colorido, o cinzentismo da documentação oficial.
A partir de hoje, e dentro das nossas possibilidades com regularidade mensal, vamos explorar essa documentação, contando um pouco da história e da realidade que a imprensa local nos revelou durante os primeiros cinco anos em que ela se publicou em Torres Vedras.
Parte deste trabalho já tinha sido publicado, em “folhetins” mensais, nas páginas do jornal “Badalada” em 1985 e 1988, tendo seguimento em crónicas radiofónicas nos anos seguintes, quando do início das rádios locais .
Mês a mês, este é o retracto da vida torriense que esses jornais nos deram do final do século XIX.
Janeiro de 1885
Era uma 5.ª feira, aquele primeiro de Janeiro de 1885.
Por 40 réis os torrienses adquiriam o n.° 1 do primeiro jornal de Torres Vedras.
Fundado por Agostinho Barbosa Sottomayor, Ignácio França e Manuel José da Paula Guimarães, chamava-se «JORNAL DE TORRES VEDRAS» e apelidava-se de «Agrícola, commcrcial e noticioso».
Sendo então a Agricultura a actividade económica mais importante, não é de estranhar que um dos principais objectivos desse Jornal fosse a defesa desses interesses.
Torres Vedras, era então «a primeira de Portugal na produção e abundância de vinho» e o «J. T. V.» esforçar-se-ia «por tomar conhecidos os nossos vinhos, por chamar assim a concorrência dos compradores, e conseguintemente obterão elles preços mais vantajosos, e finalmente, lembrará todlas as indicações que parecem úteis à viticultura e ao fabrico».
Torres Vedras era um concelho com cerca de 30.000 habitantes e 10.000 fogos.
Os arredores da Vila conheciam uma azáfama pouco normal: centenas de trabalhadores, vindos de todo o país trabalhavam na construção do caminho-de-ferro que ia tornar mais rápido o escoamento dos produtos locais para Lisboa.
Eram frequentes as desordens lá para as bandas dos Cucos, onde se encontravam esses trabalhadores: num dos primeiros dias do ano «dispararam-se tiros de revólver, ferveu grossa pancadaria, funcionou a navalhar e ficaram maltratadas bastantes pessoas, algumas com ferimentos de certa gravidade».
Não que os locais não estivessem habituados a cenas deste género, mesmo em festas e romarias, mas agora a frequência aumentava. Esta situação e a pouca segurança oferecida pela cadeia local, de onde «a phrase grosseira, o gesto indecente, dirigidos de grades abaixo, com escândalo para o público, e com grande incommodo para os vizinhos que têem de cerrar as janellas para não ouvirem o phraseado baixo e immundo», levaram a que uma das primeiras posições públicas do jornal se prendesse à necessidade de reforçar a vigilância policial da vila, apelo que seria cumprido em princípios desse ano ao chegar «uma diligência de cavallarla n.' 4, composta de 18 praças commandados pelo sr. alferes Parreira».
Mas outra preocupação dominava os proprietários de então; o combate à «phyloxera», cuja «entrada» no concelho era anunciada a 15 de Janeiro: «o concelho de Torres Vedras, e a grande região vinícola assim denominada, estão invadidas pela «phyloxera», pelo lado de Dois Portos, do Sobral de Mont’ Agrraço, de S. Mamede da Ventosa, do Turcifal».
Ao mesmo tempo a varíola era uma das doenças que mais matavam na região.
Enquanto o caminho de ferro não chegava a Torres Vedras, o comércio com Lisboa fazia-se através de várias carreiras de diligências que efectuavam essa viagem em 6 horas:
«De Simplício & Irmão, e Gatos, partem duas diligências diárias, uma às 6 horas da manhã, e outra às 12 horas pelo Turcifal, Freixofeira, Villa Franca do Rosário, Venda do Pinheiro, Lousa, Loures e Lumiar(...)».
«Dos mesmos, parte outra diligência d’aqui às 10 horas da manhã por Matacães, Runa, Ribaldeira, Dois Portos. Carvalhos, Sapataria, Lousa, etc.
« De Carvalho & C.ª sae uma diligência às 2 horas dá noite de segundas, quartas e sextas feiras, e às 2 da tarde de terças, quintas e sábbados para Alhandra, por Matacães, Runa, Ribaldeira, Dois Portos, Sobral de Mont’ AgraÇo e Arruda dlos Vinhos (...)». «Calcula-Se de 60 a 100 diariamente as carroças com transporte de vinhos para Lisboa, e não mencionámos as carreiras particulares de trens de aluguer, que, termo médio, devem regular por três a quatro cada semana».
E foi assim, ao ritmo da diligência que se iniciou mais um ano na vida da população local, num ritmo que estava prestes a terminar, mais rapidamente do que então se sonhava e com ele terminando uma época…
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