Fevereiro de 1885
Um temporal marcou o início do segundo mês do ano: «fez um
tempo horrível. (...) O Sizandro encheu e invadiu algumas ruas da vila à Horta
Nova (...) os estragos causados pelo temporal, não são, felizmente, de
importância».
Já então as condições sanitárias do rio não eram as melhores:
“Torres Vedras tem uma cinta de vallas, de nível inferior ao nível actual do
rio, onde as águas das chuvas de envolta com os resíduos das fábricas de destilação
e materiais orgânicos de diversas proveniências, estão em perpétua fermentação,
originando miasmas de differentes espécies e gazes infectos que tomam a sua
vizinhança altamente incommoda e perigosa» pelo que não seria de estranhar que
em “ Torres Vedras todos os annos» se manifestassem doenças «tais como: febre
Typhoide; purpura hermorrhagica; escorbuto; doenças classificadas como
pestilentas». Por solicitação do representante do circulo eleitoral local,
visconde de Balsemão, o governo concederia ainda nesse mês à Câmara Municipal “d’este
concelho o subsídio de 4.500$00 réis para encanamento das obras do rio
Sizandro».
Mas a falta de educação da população agravava ainda mais as
já de si precárias condições sanitárias da vila, como nos é revelado por uma queixa
apresentada por vários moradores da Porta da Várzea ao «jornal de Torres
Vedras», àcerca «do deplorável estado em que se encontra o pavimento da rua,
que, segundo dizem, é um completo atoleiro, dando-se de mais a mais a
circunstância de alguns moradores fazerem para a rua todos os despejos (...)».
A falta de instrução era igualmente apontada como uma das
principais causas de grande número de desordens que então se registavam,
aliando-se a essa causa a condição miserável em que vivia parte da população do
concelho, pelo menos a rural:
«Multiplicam-se os crimes na Comarca de Torres Vedras (...),
No mez de fevereiro (...) houve no hospital d'esta villa quatro autopsias
cadavericas por mortes violentas, por assassinatos, alguns dos quaes
perpetrados com requintes de selvageria e crueldade; no mez de Janeiro já
houvera uma».
As miseráveis condições de vida da população seriam
igualmente responsáveis pelo elevado número de falecimentos provocados pela
variola (do total de 51 falecimentos registados em Fevereiro, no concelho, 19
foram provocados por essa doença).
Entretanto na vila nascia uma nova filarmónica que se vinha
juntar à já existente, a «Philarmónica Torreense»; “Um grupo de moços, artistas
intelligentes da villa, sob a direcção do nosso amigo, o sr. Augusto dos Santos
Ferreira,e dirigidos na parte artística pelo hábil professor de música, o sr.
Augusto César da Costa Pereira, constituíram em sociedade para organisarem uma
fanfarra que Se denomina «Fanfarra 24 de Julho»”.
Fevereiro costuma ser também o mês do Carnaval. Nessa altura
esta festa não tinha ainda a importância que atingiu nos nossos dias, como
salientava uma crónica dessa época:
«O Carnaval passou-se sem animação e desengraçado, como nos
anos anteriores. Poucas exibições, e essas apresentando-se sem espírito. No
domingo destacou-se apenas da semsaboria geral um grupo de mascarados, muito
bem vestidos, em carruagens, fazendo visitas.
«Um cavalheiro da terra reuniu em sua casa, na noite de terça-feira,
muitas pessoas de suas relações e passou-se uma boa noite em família (...)».
Mais concorrida terá sido a tradicional procissão de
quarta-feira d cinzas que saia «da
egreja de S, Thiago, levando grande número de andores, e percorrendo as
seguintes ruas e praças: largo de S. Thiago, ruas de S. Thiago, Olaria e
Espírito Santo, Praça Municipal, rua de S. Pedro, Travessa dos Canos, rua dos
Canos, de Traz do Açougue e dos Celleiros, e largo do Terreirinho».
«Fazia a guarda de honra a força de caçadores nº 6 e
cavallaria n.º 4 aqui destacada, e atrás do pallio seguia a philarmónica
torreense; grande número de irmãos da ordem terceira e bastante povo».
Paralelamente a estes acontecimentos o «Jornal de Torres
Vedras» fazia-se porta voz dos interesses dos 150 comerciantes e industriais da
região sugerindo a criação de um Tribunal Comercial na vila. E o cronista do
jornal fundamentava essa pretensão escrevendo que em Torres Vedras “se encontra tudo o que é necessário à vida, e
ainda o supérfluo, por preços bem mais modicos que os da capital, tem
estabelecimentos de todos os géneros de commércio, perfeitamente surtidos tem
uma importante fábrica de moagem de cereais e outra de destilação, tem quatro
açougues onde se vende carne de vacca diariamente; tem um frequentado mercado
mensal, e uma bella praça de peixe. As casas de commercio effectuam todos os
dias valiosas transacções, e os productores de vinhos offerecem as suas adegas
repletas a compradores, quasi todos estrangeiros, que de bem longe os veem
procurar».
100 baptizados, 51 falecimentos e 18 casamentos marcaram a
passagem de mais um mês da história torriense...
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