sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Reportagem da revista "VISÃO" sobre a Terça-feira de Carnaval em Torres Vedras



“PIEGUICES E MATRAFONAS

Por  SARA BELO LUÍS  (com fotos de MARCOS BORGA )

“O Primeiro-Ministro argumentou que era preciso saber quem é que queria lutar «para vencer esta crise». Por isso, na manhã de terça-feira de Carnaval, 21, os funcionários das Finanças de Torres Vedras apresentam-se ao serviço. Estão nos seus postos de trabalho, a VISÃO pode comprová-lo, a atender os (poucos) utentes que aparecem. Alguns deles trazem ao peito um crachá, distribuído pela organização do Carnaval da cidade, que diz: «Eu produzo».

“Estarão ali religiosamente até às 17 e 30, mesmo que a afluência não o justifique: num dia normal, ao meio-dia, há 150 senhas para atender; hoje, vamos em quinze. «Não se justifica estarmos aqui», comenta uma. «Viemos cá buscar o subsídio de refeição», ironiza outro. Não é possível um retrato para a VISÃO, dentro da repartição, mas, cá fora, na rua, o chefe não vê inconveniente: um vai buscar a cabeleira; outra, os óculos de fundo de garrafa; outra, as antenas da abelha e outra, ainda, as mangas-de-alpaca, costuradas pela própria para nos fazer lembrar o funcionalismo público do tempo da outra senhora. «Há muito que não via uma coisa dessas», notamos. Resposta: «Também eu não.» Em Torres Vedras, o Carnaval é um estado de espírito.

“O cortejo está reservado para a tarde. Na escola primária funciona o quartel-general da organização e, no quadro da sala de aula, alguém escreveu o sumário: «Enquanto houver um folião na rua... o Carnaval de Torres continua.» E a festa está, de facto, nas ruas, há barraquinhas com pastéis de feijão, roulottes de bifanas, farturas, cerveja, sangria, serpentinas, confettis, máscaras, chapéus, bombos, Ivete Sangalo e muito Michel Teló (sim, o do inenarrável «Ai se eu te pego.»)

“SENHAS POR DISTRIBUIR

“Na zona por onde passa o corso, um quarteirão com um perímetro de cerca de 800 metros, só os cafés e os restauram permanecem abertos - e também a loja chinesa, ainda repleta de fatos e acessórios de Carnaval made in China. O Centro de Emprego abriu apenas das 9 às 11,mas os funcionários do Tribunal do Trabalho e da Autoridade para as Condições Trabalho (os outros dois serviços da Administração Central localizados dentro do recinto vedado para as celebrações) estão presentes. Com muito menos afluência, testemunham à VISÃO, em ambos os locais, neste dia mais ou menos às moscas - e que até teria sido um bom dia para tratar de burocracias. À porta da Autoridade para as Condições do Trabalho, por exemplo, uma hora antes de fechar, o segurança continuava com as senhas na mão, por distribuir.

“São, ao todo, seis dias de Carnaval em Torres Vedras. Um investimento 400 mil euros, uma expectativa de 300 visitantes. A organização diz que, este ano, têm tido mais gente e a perceção que há é a de que isso se deve à publicidade grátis proveniente da «intolerância de ponto» do Governo, explica a assessora de imprensa do presidente da Câmara, o socialista Carlos Miguel. Trata-se de um Carnaval inofensivo, o de Torres, familiar, com muitos idosos e bebés de colo a passear. E no qual, mesmo com a propagação das Brancas de Neve, Minnies e Estrunfes da moda, continuam a reinar as matrafonas. Uma delas (um deles, na verdade) insistiu em que a VISÃO desse uma moeda ao Presidente da República e anotasse esta rima: «Vamos tirar do buraco o pensionista Cavaco.»

“Se a política sempre dominou o Carnaval de Torres Vedras, este ano a sátira faz-se muito à custa da troika. Num dos carros alegóricos, Poul Thomson, representante do FMI, põe Paulo Portas a fazer abdominais em cima de uma bola de pilates e Pedro Passos Coelho, no chão, a fazer flexões (a propósito, o desporto é o tema deste ano). Noutro carro, o galo de Barcelos aparece a ser triturado numa picadora de carne e, noutro ainda, o primeiro-ministro mete notas no porquinho-mealheiro de uma série de bancos. Há muitos piegas confessos («Sou piegas, mas divirto-me mais do que tu») e muita pieguice sobre o fim dos feriados, das reformas, das regalias, da Saúde e da Educação... A VISÃO não avistou nenhum folião mascarado de Passos Coelho ou de Cavaco Silva. Essas máscaras não se devem fabricar na China”.

In VISÃO de 23 de Fevereiro de  2012

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