“PIEGUICES E MATRAFONAS
Por SARA BELO LUÍS (com fotos de MARCOS BORGA )
“O Primeiro-Ministro argumentou que era preciso saber quem é
que queria lutar «para vencer esta crise». Por isso, na manhã de terça-feira de
Carnaval, 21, os funcionários das Finanças de Torres Vedras apresentam-se ao
serviço. Estão nos seus postos de trabalho, a VISÃO pode comprová-lo, a atender
os (poucos) utentes que aparecem. Alguns deles trazem ao peito um crachá,
distribuído pela organização do Carnaval da cidade, que diz: «Eu produzo».
“Estarão ali religiosamente até às 17 e 30, mesmo que a
afluência não o justifique: num dia normal, ao meio-dia, há 150 senhas para
atender; hoje, vamos em quinze. «Não se justifica estarmos aqui», comenta uma.
«Viemos cá buscar o subsídio de refeição», ironiza outro. Não é possível um
retrato para a VISÃO, dentro da repartição, mas, cá fora, na rua, o chefe não
vê inconveniente: um vai buscar a cabeleira; outra, os óculos de fundo de
garrafa; outra, as antenas da abelha e outra, ainda, as mangas-de-alpaca, costuradas
pela própria para nos fazer lembrar o funcionalismo público do tempo da outra
senhora. «Há muito que não via uma coisa dessas», notamos. Resposta: «Também eu
não.» Em Torres Vedras, o Carnaval é um estado de espírito.
“O cortejo está reservado para a tarde. Na escola primária
funciona o quartel-general da organização e, no quadro da sala de aula, alguém
escreveu o sumário: «Enquanto houver um folião na rua... o Carnaval de Torres
continua.» E a festa está, de facto, nas ruas, há barraquinhas com pastéis de
feijão, roulottes de bifanas, farturas, cerveja, sangria, serpentinas,
confettis, máscaras, chapéus, bombos, Ivete Sangalo e muito Michel Teló (sim, o
do inenarrável «Ai se eu te pego.»)
“SENHAS POR DISTRIBUIR
“Na zona por onde passa o corso, um quarteirão com um
perímetro de cerca de 800 metros, só os cafés e os restauram permanecem abertos
- e também a loja chinesa, ainda repleta de fatos e acessórios de Carnaval made
in China. O Centro de Emprego abriu apenas das 9 às 11,mas os funcionários do
Tribunal do Trabalho e da Autoridade para as Condições Trabalho (os outros dois
serviços da Administração Central localizados dentro do recinto vedado para as
celebrações) estão presentes. Com muito menos afluência, testemunham à VISÃO,
em ambos os locais, neste dia mais ou menos às moscas - e que até teria sido um
bom dia para tratar de burocracias. À porta da Autoridade para as Condições do
Trabalho, por exemplo, uma hora antes de fechar, o segurança continuava com as
senhas na mão, por distribuir.
“São, ao todo, seis dias de Carnaval em Torres Vedras. Um
investimento 400 mil euros, uma expectativa de 300 visitantes. A organização
diz que, este ano, têm tido mais gente e a perceção que há é a de que isso se
deve à publicidade grátis proveniente da «intolerância de ponto» do Governo, explica
a assessora de imprensa do presidente da Câmara, o socialista Carlos Miguel.
Trata-se de um Carnaval inofensivo, o de Torres, familiar, com muitos idosos e
bebés de colo a passear. E no qual, mesmo com a propagação das Brancas de Neve,
Minnies e Estrunfes da moda, continuam a reinar as matrafonas. Uma delas (um
deles, na verdade) insistiu em que a VISÃO desse uma moeda ao Presidente da
República e anotasse esta rima: «Vamos tirar do buraco o pensionista Cavaco.»
“Se a política sempre dominou o Carnaval de Torres Vedras,
este ano a sátira faz-se muito à custa da troika. Num dos carros alegóricos,
Poul Thomson, representante do FMI, põe Paulo Portas a fazer abdominais em cima
de uma bola de pilates e Pedro Passos Coelho, no chão, a fazer flexões (a propósito,
o desporto é o tema deste ano). Noutro carro, o galo de Barcelos aparece a ser
triturado numa picadora de carne e, noutro ainda, o primeiro-ministro mete
notas no porquinho-mealheiro de uma série de bancos. Há muitos piegas confessos
(«Sou piegas, mas divirto-me mais do que tu») e muita pieguice sobre o fim dos
feriados, das reformas, das regalias, da Saúde e da Educação... A VISÃO não
avistou nenhum folião mascarado de Passos Coelho ou de Cavaco Silva. Essas
máscaras não se devem fabricar na China”.
In VISÃO de 23 de Fevereiro de 2012
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