segunda-feira, 15 de julho de 2024

Os primeiros tempos do PPD em Torres Vedras


Num relatório confidencial da secção torriense da Legião Portuguesa, relatava-se a forma como tinha decorrido, em Torres Vedras, no dia 23 de Março de 1973, uma sessão pública da SEDES, onde “o tema foi eleições” e, na “assistência, encontrava-se um tal Dr. Gomes Mota, de Lisboa, que fez várias intervenções tendenciosas de forma a deixar compreender que a única solução política seria ir para a revolução” (1).

O “Dr. Gomes Mota” era o deputado da ala liberal Magalhães Mota, já em ruptura com o regime. A chamada ala liberal foi eleita nas listas da União Nacional nas eleições de 1969, disputadas na esperança de uma evolução do regime. Dela faziam parte, entre outros, para além de Magalhães Mota, Francisco Sá Carneiro e Pinto Balsemão que tinham começado a abandonar o seu lugar de deputados ao longo dos primeiros meses de 1973, em protesto pelo endurecimento do regime.

A SEDES era a “Associação para o Desenvolvimento Económico e Social” criada em 25 de Janeiro de 1970, à volta da chamada ala liberal e visava o debate público de uma liberalização do regime e da sua evolução para um regime democrático.

O advogado torriense, mas com escritório na Lourinhã, Dr. Afonso de Moura Guedes, e a sua esposa Maria Filomena Moura Guedes, foram sócios fundadores daquela associação, respectivamente com os números 109 e 110 (2).

Afonso de Moura Guedes teve uma activa participação na vida cívica torriense desde o início dos anos de 1970, participando em debates nas páginas do jornal “Badaladas”, promovendo debates públicos em Torres Vedras, em nome da SEDES e debatendo a situação social e política com oposicionistas locais.

Chegou a organizar mesmo uma mesa redondo sobre os destinos do município torriense, mas que foi proibido de publicar no “Badaladas” por intervenção do poder local e da censura.

Alguns oposicionistas, como o pai do articulista, foram avisados telefonicamente do 25 de Abril por esse dinâmico advogado.

Quando, em 6 de Maio de 1974, alguns dos membros da antiga “ala liberal”, como Sá Carneiro, Magalhães Mota e Pinto Balsemão, anunciam a criação do PPD (Partido Popular Democrático), um dos primeiros partidos políticos criado após o 25 de Abril, Moura Guedes está na primeira linha da criação de um núcleo local desse partido, contribuindo para que muitos dos membros locais dessa associação também aderissem a esse partido.

A fundação local do PPD foi “a base de partida para a implantação do PPD no Oeste” (3).

Dias antes, na grande manifestação popular do 1º de Maio de 1974, que percorreu as ruas de Torres Vedras, Afonso de Moura Guedes foi um dos oradores.

Oficialmente o PSD de Torres Vedras nasceu no dia 20 de Junho de 1974, data da inscrição do seu militante número um neste concelho, Afonso de Moura Guedes.

O militante nº 2 do concelho foi Luís Afonso Miranda, empregado de escritório, inscrito no dia 2 de Julho de 1974.

No dia 5 de Julho inscreveram-se mais quatro militantes: António Martins Bento, gerente comercial, Armando dos Santos Gomes, comerciante, José Monteiro Gomes, gerente de seguros, Maria do Espírito Santo Simão Miranda, professora, e que foi também a primeira mulher inscrita localmente nesse partido.

José Manuel Lopes Figueiredo, funcionário público, José Rodrigues, controlador industrial. Rui Rola Coelho, electicista, e Francisco Manuel Elias de Carvalho, empregado bancário, que se inscreveram , respectivamente em 20 de Julho, 20 de Agosto, 27 de Agosto e 10 de Setembro de 1974, completam a lista dos primeiros dez militantes do concelho de Torres Vedras.

Sobre esses primeiros tempos, referiu António Bento, que esteve “na fundação do Partido, no início de Maio de 1974, numa reunião realizada no escritório do Dr. Afonso de Moura Guedes, sobre o Café Império”, que a “adesão foi subscrita numa lista, por não existirem propostas”, seguindo-se a constituição da secção de Torres Vedras” (4).

Em Dezembro de 1974, em data não especificada, num Domingo, teve lugar a eleição da primeira comissão política do PPD de Torres Vedras, num plenário presidido pelo Dr. Afonso de Moura Guedes.

De uma lista de 17 nomes foram escolhidos o presidente e os 6 vogais da primeira Comissão política concelhia e 3 membros da Mesa do plenário, a saber:

Presidente : – Afonso de Moura Guedes (advogado);

Vogais : – Manuel César Candeias (funcionário judicial); Luís Afonso Miranda (empregado de escritório);António Martins Bento (profissional de seguros); José Manuel Lopes Figueiredo (canalizador); Secundino Outeiro Pereira (professor do ensino liceal); João Flores da Cunha (farmacêutico);

Mesa do Plenário: - Joaquim José Severino (empregado de escritório); Maria Espírito Santo Miranda (professora); José Joaquim Ferreira da Silva.

Coube a esta comissão, em funções até Janeiro de 1976, organizar, implementar, divulgar e expandir o crescimento do partido a nível local (5).

Enfrentou também um dos períodos mais críticos do pós 25 de Abril, enfrentando as condições difíceis do chamado PREC, entre o 11 de Março e o 25 de Novembro de 1975.

Entretanto, em 4 de Dezembro de 1974 forma-se, oficialmente, o núcleo local da Juventude Social-democrática, com 15 filiados fundadores, e para cuja fundação teve papel de destaque o então jovem estudante do liceu de Torres Vedras, Emílio Gomes (6), com um passado de colaboração com a oposição local ao Estado Novo e ligado à renovação do Cine-Clube de Torres Vedras nos inícios da década de 1970.

Por essa altura também se procurou uma sede local para o partido, que começou por funcionar entre o escritório do Dr. Moura Guedes e o escritório de António Bento, na Rua Dr. Carlos França, nºs 7 e 9, até se instalar num rés-do-chão de uma loja na Praceta Calouste Gulbenkian, em frente à “Física”, espaço cedido gratuitamente pelo Dr. Francisco Bastos, outro histórico desse partido a nível local. Em 1978 mudou a sede para o sito mais conhecido dos torrienses como sede do PPD de Torres Vedras, no último andar do edifício por cima do café Havaneza, de onde apenas se mudou recentemente, em 2023, para a sua sede local (7).

A primeira prova de fogo teve lugar durante a campanha para as eleições para a Assembleia Constituinte que tiveram lugar em 25 de Abril de 1975.

A essas eleições foram candidatos, na lista do partido do Distrito de Lisboa, os torrienses Moura Guedes, Maria Lucília Miranda Santos, conhecida advogada, defensora de presos políticos, Manuel Candeias, Rogério Calhamar e Luís Afonso Miranda, enquanto José Furtado Fernandes, economista ligado a esta região, foi candidato por Santarém.

A Drª Lucília, como era carinhosamente conhecida, foi uma figura de destaque na oposição local ao Estado Novo e chegou a estar ligada à comissão jurídica do partido, acabando por sair do PPD ainda em 1975.

Afonso de Moura Guedes acabou por ser eleito como deputado nessas eleições, tornando-se num dos mais destacados dirigentes do partido (8). Foi reeleito como deputado nas 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª legislatura, e assumindo, durante 8 anos, o cargo de Governador-Civil de Lisboa.

Nessas “Constituintes” de 1975, que foram as eleições mais participadas até aos nossos dias, o PSD foi a segunda força política mais votada no concelho, com 10.091 votos (27,7%), sendo a força vencedora nas freguesias de A-Dos-Cunhados, Campelos, Freiria, Silveira e Ventosa.

O seu pior resultado, nestas eleições, foi registado em Dois Portos, Monte Redondo, Runa e Stª Maria do Castelo, onde ficou em terceiro lugar, atrás do PS e do PCP (9).

Nas primeiras eleições autárquicas, realizadas em 12 Dezembro de 1976, o PSD foi a segunda força política mais votada no concelho, tanto para a Câmara (9 498 votos, 34,4%), como para a Assembleia Municipal (8 255, 30,1%) e no conjunto da votação para as Assembleias de Freguesia (9 898, 36,1%).

Para a Câmara elegeu 3 vereadores, o mesmo número do PS, o partido mais votado. Foram eleitos vereadores o Dr. João Francisco Ribeiro Correias, o engº Ângelo Custódio Rodrigues e Ana Maria Bastos, esta a primeira mulher a exercer estas funções no concelho de Torres Vedras.

Para a Assembleia Municipal elegeu directamente 7 membros, aos quais se juntaram mais 6 presidentes de Juntas de Freguesia.

Elegeu ainda 57 membros de assembleias de freguesia, vencendo nas freguesias de A-Dos-Cunhados, Campelos, Carvoeira, Freiria, Ventosa e Silveira. As freguesias onde obteve os piores resultados foram as de Dois Portos, Stª Maria e Turcifal, ficando atrás do PS e do PCP, não tendo concorrido em Runa (9).

Tendo por base a publicação das listas de candidatos a essas eleições, publicadas na imprensa local, principalmente no jornal “Oeste Democrático”, é possível fazer um retrato aproximado da base sociológica do PPD dos primeiros anos, no concelho de Torres Vedras:

26,7% eram classificados por agricultores e rurais;

15,2% eram comerciantes ou empregados de comércio.

Desagregando as actividades, as cinco mais numerosas eram: agricultor-69; comerciante-28; técnico superior-14; industrial-13; empregado de escritório -11.

Nas elites dirigentes dominavam os técnicos superiores e elementos do sector terciário.

Registe-se ainda, a título de curiosidade, que o partido apresentava 16 mulheres como candidatas, representando 6,1%, a maior percentagem entre todos os partidos concorrentes.

Aqui registamos, no seu cinquentenário, algumas notas sobre os primórdios da vida desse partido neste concelho.

A sua longa história pode ser acompanhada lendo as duas obras de José Damas Antunes citadas nas notas deste ensaio (11).

José Damas Antunes alia, nestas duas obras, o seu grande conhecimento sobre o funcionamento do partido, onde tem exercido um papel activo em termos locais e regionais , com o rigor e objectividade da investigação histórica, área onde já revelou experiência através da autoria de estudos sobre a freguesia de Campelos.

(1)    documento datado de 6 de Abril de 1973, disponível no site “Casa Comum”, da Fundação Mário Soares;

(2)     informação referida no site da SEDES;

(3)    ANTUNES, José Damas, 40 anos de democracia – o PPD/PSD de Torres Vedra, ed. Da Comissão Política Concelhia de Torres Vedras, Abril de 2015, pág.9;

(4)    ANTUNES, José Damas, Contributos para a História do PSD, na Área do Oeste , 1974-2014, Comissão Política Distrital do Oeste, ed.Sinapis, Abril de 2015;

(5)    ANTUNES, in “40 anos…”, pp.17 a 19;

(6)    ANTUNES, “40 anos…”, pág. 39;

(7)    ANTUNES, “40 anos…”, pág.9;

(8)    ANTUNES, “Contributos…”, pp.53 a 55;

(9)    Documentação do arquivo pessoal do autor;

(10) “Eleições para as autarquias locais. Distrito de Lisboa. 1976” ed. Imprensa Nacional, 1976.

(11)esses livros, acima citados, reúnem uma vasta documentação sobre esse partido, recolhendo depoimentos de vários militantes históricos da zona Oeste e de Torres Vedras, histórias e factos que, cronologicamente, marcaram a história política regional.

 

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