No final do passado mês de Março, 6ª feira 28, encerrou definitivamente
um dos projectos livreiros mais originais deste concelho, o “Livro do Dia”.
Nascido em 2005, o projecto “Livro do Dia” começou por abrir num
pequeno espaço do cruzamento entre o final da rua Henriques Nogueira e a
Avenida Humberto Delgado, para adquirir em 2007 o espaço mais central, junto à
Igreja de Santiago, antiga “Praça da batata”, praça Machado dos Santos, da
antiga livraria Index.
A Livro do dia realizou várias actividades culturais no seu espaço, com
uma pequena cafetaria, distinguindo-se igualmente pela actividade editorial.
A “Livro do Dia” tornou-se uma livraria de referência na região,
nomeadamente nas áreas da literatura e da poesia.
Infelizmente acabou por ser mais uma das vitimas da actual crise
financeira, que muito tem atingido o comércio local, nomeadamente aquele que se
dedica ao livro.
Ficam a restar a velha “Gráfica Torriana”, na rua 9 de Abril, que
sobrevive mais da sua ligação à Igreja e aos materiais do culto do que da venda
de livros, e a “União”, com sete lojas espalhadas pela cidade, mas que sobrevive
principalmente como papelaria e tabacaria.
Sobra a loja mais recente, a secção local da Livraria Bertrand, no
Centro Comercial Arena.
Com o encerramento do Livro do Dia, a cultura torriense fica mais pobre
e o centro histórico ainda mais desertificado.
Em homenagem a este projecto e aos seus responsáveis, recuperamos aqui
um pequeno estudo de divulgação, da nossa autoria, sobre as livrarias
históricas de Torres Vedras, trabalhado publicado num suplemento que nós
dirigimos, com o grafismo do Aurelindo Ceia, coordenado pela Cooperativa de
Comunicação e Cultura, que fazia parte do jornal Badaladas, e que conheceu
quatro edições entre 1993 e 1994.
Um desses Suplementos, o nº4, integrado na edição nº 1990 do jornal “Badaladas”,
de Fevereiro de 1994, com o título genérico “Recordações da Casa dos Livros”,
foi dedicado à história das livrarias
torrienses .
Para além da minha síntese histórica, abaixo transcrita, escreveram
nessa edição Ana Mourão, prefaciando o tema, Maria Helena Aspra de Matos,
Cristina Lopes e Maria Hermínia Guilherme, familiares dos donos de algumas das
livrarias históricas (respectivamente da Papelaria Escolar de António Ferreira
Aspra, Galeria 70 de António Pedro Lopes, e
Papelaria 9 de Abril, de Raul Guilherme), descrevend de memória as suas
vivências nesses espaços.
Para nós, esta é uma pequena forma de homenagear mais um projecto
cultural que morre em Torres Vedras.
Tintas e Papéis
Por Venerando Aspra de Matos
Pertenço a uma família que há várias gerações se encontra, de algum
modo, ligada aos papéis e às tintas: trisavô e bisavô tipógrafos, avô livreiro
e pai ligado à arte da escrita. Esta circunstância despertou a minha curiosidade
para a procura de dados sobre as antigas livrarias de Torres Vedras.
A história dos livreiros torrienses anda associada à história das
tipografias desta cidade, isto porque as mais antigas livrarias eram também
tipografias.
Desconhece-se a data exacta da fundação da primeira tipografia em
Torres Vedras. Júlio Vieira (1) dá-nos a mais antiga referência conhecida, a
“Torreense", de Manoel do Nascimento Aspra, existente em 1887, que , teria
surgido para apoiar o jornal “Voz de Torres Vedras”, editado pela primeira vez
a 5 de Fevereiro desse ano. Os Anuários Comerciais editados na época (2)
confirmam Manoel do Nascimento Aspra como o mais antigo responsável por uma
tipografia neste concelho.
As primeiras tipografias surgiram e desenvolveram-se nesta terra, quase
sempre ligadas à imprensa local. Curiosamente, o primeiro periódico torriense,
o “JORNAL DE TORRES VEDRAS” fundado em 1885, não indica o local de impressão,
situação igualmente confirmada na obra citada de Júlio Vieira. Provavelmente
terá sido editado fora de Torres Vedras.
As primeiras tipografias locais não se dedicavam, contudo,
exclusivamente à edição de jornais. Editavam, também, folhetos, relatórios, e
estatutos de várias associações instituições locais. Já a edição de livros era
rara.
O jornal “A Semana” anunciava em 14 de Maio de 1895 uma nova edição, a
terceira, da “Descripção histórica e económica da Villa e termo de Torres
Vedras”, de Manoel Agostinho Madeira Torres, obra a editar por “Cabral & Irmão",
e informava sobre as condições de assinatura para aquisição dessa obra, a
tratar na “Tabacaria Havaneza Torreense’’. Pelo que sabemos, aquela obra nunca
conheceu a anunciada terceira edição, a não ser a que saiu há pouco mais de dez
anos, por iniciativa da Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras.
O primeiro livro comprovadamente editado em Torres Vedras foi a obra de
Júlio Vieira, “Torres Vedras Antiga ê Moderna”, editada em 1926 pela Livraria
da Sociedade Progresso Industrial - Victor Fonseca & Almeida, Limitada”.
No Arquivo Municipal (3), a primeira tipografia registada que
encontrámos foi a de António Augusto Cabral, em 17 de Fevereiro de 1900, como “tipografia
com venda de papel”, e “papelaria” a partir do ano seguinte. Com base noutros documentos,
nomeadamente fotografias antigas e anúncios publicitários publicados na
imprensa local, podemos afirmar, com alguma segurança, que a “Typografia e
Papelaria Cabral” foi o primeiro estabelecimento a funcionar como livraria em
Torres Vedras, a partir de 1893, data exacta da fundação dessa loja.
Com base na bibliografia citada, em anúncio de jornais, na indicação
dois editores de vários folhetos (4), em folhas de recibo e mesmo em recolha oral,
foi-nos possível elaborar o Quadro I, evidentemente incompleto, mas que pode
servir como esboço de um primeiro registo histórico da actividade tipográfica e
livreira em Torres Vedras. Limitámos esse quadro ao período anterior ao 25 de
Abril. A História mais recente, bem como o importante papel desempenhado peias
livrarias de Torres Vedras, será abordado em futuro Suplemento.
Venerando Aspra de Matos
(1) VIEIRA, Júlio. Torres
Vedras, Antiga e Moderna, T. Vedras, 1926.
(2)ANNUÁRIO DO COMÉRCIO
- PROVÍNCIA, 1891 ANNUÁRIO - ALMANACH COMERCIAL E INDUSTRIAL PARA... 1893,1895,
1896.
(3)“REGISTO DE LICENÇAS
DE ESTABELECIMENTOS CONCEDIDAS PELA CÂMARA” (VÁRIOS VOLUMES), Arquivo Municipal
deT.V.
(4)ALMANACH DA “FOLHA DE
TORRES VEDRAS" PARA-1904,1906
—
- ANNUÁRIO DA REGIÁO DE TORRES VEDRAS. 1907
- “A União”, nº único 1968
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