sábado, 27 de junho de 2009

Numa Feira Torriense de há Cem Anos

Na sua obra "Pelos Suburbios e Vizinhanças de Lisboa", publicada em 1910, Gabrial Pereira descreve o ambiente de uma feira torriense, uma "Feira Franca", que decorreu em Agosto de 1904.
Não sabemos se ele se referia à chamada Feira Nova, que se realizava por essa altura,ou ao mercado mensal da então vila.
Contudo, o ambiente aí descrito não seria muito diferente do que se vivia na então Feira de S. Pedro.
É com o objectivo de perceber qual era o ambiente numa feira torriense há cem anos que transcrevemos de seguida:
"FEIRA FRANCA
“(21 de Agosto de 1904)

“Na grande várzea em parte arborisada faz-se esta feira muito concorrida pela gente d’aquelles sítios; a região de Torres Vedras é bastante povoada; aldeias e logarejos, boas quintas, casaes, matizam os campos accidentados, as collinas entremeadas de valles e várzeas férteis.
“Este rocio onde se faz a feira tem ao lado a casaria da villa, ao norte o monte onde se ergue ocastello, entre olivedo e paredões negros alveja a egreja de Santa Maria, muito caiada; mais longee mais alto o monte de S. Vicente; a poente do rocio a serra do Varatojo, vestida de vinhedos. Na parte arborisada enfileiram-se barracas e tendas, no rocio nú é a feira de gados e a corredoura.
“As barracas de ourivesaria agrupam-se com as dos utensílios de arame, cobre, ferro estanhado, latoaria. As dos vidros estão perto do grande estendal de louças brancas e vermelhas.
“A louça ordinária, popular, provém das differentes olarias do termo de Mafra, a branca vem de Alcobaça.
“A notar um especialistas de buzinas de moinhos de vento, aquellas vasilhas de barro, que assobiam e zumbem quando o vento apressa o movimento das quatro velas triangulares.
“Vende-se calçado grosso, bastante correaria, não faltando as sogas ornadas, bordadas a pita colorida.
“Pequenas quinquilherias, modestas roletas variadas formam uma rua, leiloeiros de varias qualidades chamam a grito a attenção do povinho, perto das barracas de tiro ao alvo.
“Num espaço grande estão as madeiras; o que mais dá na vista é o material vinario; é natural, estamos numa grande região vinhateira.
“Cubas, tonéis, balseiros, barris, celhas, tinas em abundância; de castanho, as mais; algumas de pinho da terra, género barato. Carros para bois, e também de pequenas dimensões e de construcção mais leve para burricos. Há especialistas em arcos, e negociantes de varedo, assim como de crivos e peneiras.
“Menos importante a feira do gado; bastantes porcas com leitões, poucas juntas de bois, pouco inferior o gado cavallar e asinino.
“Pareceu-me em geral mal tratado o gado, tanto na feira como no que observei fora.
“É mais a pancada que a alimentação regular.
“Já se vê não faltavam as barracas de comer e beber, com os seus fritos alourados, e constante freguezia.
“Comia-se bem, bebia-se melhor; homens e mulheres espatifavam acerejadas gallinhas, consumiam patos com arroz cheirando que era uma delicia, e sorviam as talhadas dos sumarentos e aromáticos melões, atirando as cascas aos porcos e leitões grunhindo pela gulodice.
“A impressão geral é de atrazo, de educação nulla ou rudimentar; de trabalho mau com inferior alfaia, todavia gosto de ver o povo rural nestas feiras; é naturalmente são; um tanto brutal nos costumes, se ninguém trata d’elle! Mas de bom fundo
“Estamos longe d’aquelles campónios insolentes, trubulentos, cupidos, eivados d’alcoolismo, devastados por seitas ferozes, que preoccupam em Alemanha, na Itália, na França a gente que pensa e vê alguma cousa”

Gabrial Pereira, “Pelos Suburbios e visinhanças de Lisboa”,Livraria Clássica Editora, Lisboa,1910, pp.303 a 305

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