quinta-feira, 11 de junho de 2009

No primeiro dia da pandemia - recordando a pnaumónica de 1918 no concelho de Torres Vedras

A “pneumónica” de 1918 no Concelho de Torres Vedras

Segundo Oliveira Marques[1] um dos motivos para a eclosão das grandes epidemias de 1918-1919, com destaque para a pneumónica, foi o “estado débil dos organismos entre as classes pobres”, as “mais afligidas pela escassez e penúrias dos géneros de primeira necessidade”.
A primeira vaga de epidemias registou-se entre Junho e Julho de 1918, entrando rapidamente em declínio e tendo um impacto pequeno. Mas uma segunda vaga iniciou-se nos arredores do Porto em Agosto, disseminando-se lentamente durante os meses seguintes, atingindo o sul e o seu clímax em Outubro, continuando a fazer sentir o seu efeito até Dezembro de 1919.
Em Torres Vedras a doença “começou a fazer-se sentir nos lugares situados ao norte do concelho”, propagando-se “assustadoramente” a todo o concelho, provocando “grande miséria” nos lugares “onde a epidemia tem feito mais estragos”, pelo que se aguardava “a vinda de algum açúcar, cuja falta é enorme”, ao que parece por ser necessário para o fabrico de remédios farmacêuticos. Foi igualmente criado um hospital provisório “para os doentes atacados de epidemia”.[2]
Neste concelho o período mais crítico decorreu entre 27 de Setembro e 31 de Outubro de 1918, obrigando ao encerramento de estabelecimentos e paralisando momentaneamente a vida política, social e económica de Torres Vedras.
Durante esse período morreram no país 31785 pessoas, sendo a região de Lisboa uma das mais atingidas. Em Torres Vedras morreram 861 pessoas, numa percentagem de 2,2% da sua população, tomando como referência os censos de 1911, percentagem ligeiramente inferior, 2,1%, se a base de referência for a população do concelho em 1916 segundo dados não oficiais.
Em termos nacionais e apenas em relação àquele período, a epidemia matou cerca de 0,6% da população nacional.
Torres Vedras registou assim uma mortalidade quase quatro vezes superior à média nacional.
O impacto da pneumónica não foi o mesmo em todas as freguesias do concelho.
Como é óbvio, a vila foi das mais afectadas pela propagação da doença e pelo seu efeito, contando 226 mortes, 2,73% da população das freguesias urbanas, situação que se ficou a dever, não só à facilidade de propagação num meio urbano, servido de transportes, com uma actividade comercial assinalável, mas também porque nele estavam centralizados os principais serviços de saúde (hospital, lares, etc.).
Outras três freguesias destacaram-se pela elevada mortalidade, quer em termos numéricos quer em termos percentuais:
- Ramalhal, com 67 mortos, 3,71% da sua população;
- Maxial, com 69 mortos, 2,62% da sua população;
- Dois Portos, com 82 mortos, 2,08% da sua população.
A freguesia de Ponte do Rol, embora tivesse contado com um reduzido número de óbitos, 26, mercê da sua reduzida base demográfica, obteve uma percentagem elevada, 2%.
Pelo contrário, a freguesia de S. Pedro da Cadeira, apesar de ter registado o maior número de falecimentos a seguir à vila, 91 mortos, registou uma percentagem baixa, devido á sua enorme base demográfica.
As freguesias que no concelho registaram a mais baixa percentagem de mortalidade foram as freguesias da Carvoeira (0,87%), Matacães (0,94%) e Ventosa (1,01%).
Não deixa de ser significativo o facto de três das quatro freguesias rurais onde existiam estações ferroviárias terem sido das mais atingidas (Ramalhal, Maxial – estação do Outeiro da Cabeça -, e Dois Portos).
A situação nestas três freguesias mereceu mesmo a atenção da imprensa nacional. Para o Ramalhal e o Maxial (designado “Ameixial”) a “Obra de Assistência 5 de Dezembro” enviou, em finais de Outubro, açúcar, arroz e medicamentos “para as famílias atacadas pela gripe pneumónica”.[3]
Referindo-se à situação em Dois Portos, podia ler-se que aí grassava a epidemia com “terrível intensidade”, morrendo muitos dos seus habitantes “sem assistência médica e à míngua de recursos de toda a natureza, pois que tudo falta, pão, arroz, açúcar, petróleo, medicamentos”.[4]
Quanto àquelas que registaram uma mortalidade mais baixa tinham em comum o facto de o consumo médio de trigo, por parte dos seus habitantes, ser sempre superior ao consumo de milho, rondando o consumo daquele cereal mais de 900 litros por habitante (995 litros na Ventosa, 1196 na Carvoeira e 1482 em Matacães).
Curiosamente e por contraste, as freguesias onde se registou uma maior percentagem de óbitos em relação à sua população eram as que apresentavam os níveis mais baixos de consumo de trigo por família, abaixo dos 800 litros (Ramalhal, 299 litros; Dois Portos, 713; Maxial, 728).
Os outros dois casos que referimos, Ponte do Rol e S. Pedro da Cadeira, estavam igualmente entre as freguesias que registavam menores níveis de consumo de trigo (S. Pedro da Cadeira com 321 litros e Ponte do Rol com 569 litros).

[1] MARQUES, A . H. de Oliveira Marques, História da 1ª República Portuguesa – As Estruturas de Base, Iniciativas Editoriais, [1978], Capítulo I – “A População”, pp. 1 a 48.
[2] O Século, 10 de Outubro de 1918.
[3] O Século, de 23 de Outubro de 1918.
[4] O Século, 30 de Outubro de 1918.

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