segunda-feira, 20 de julho de 2009

A História das Termas dos Cucos

6– A Mudança

O ano de 1851 foi um ano que marcou a mudança. Nesse ano João Vitorino Pereira da Costa, cirurgião da Câmara e do Hospital Civil de Torres Vedras, publicava "Breves notícias das águas termais dos Cucos, seguido de uma relação da maior parte dos doentes que delas fizeram uso nos meses de verão de 1850", nas páginas do "Jornal da Sociedade Farmacêutica Lusitana". Nessa obra "apontava a necessidade de mudar o álveo do rio Sizandro de forma a retirá-lo da proximidade imediata dos banhos e de captar melhor as nascentes"[1], recomendação que sensibilizaria João Gonçalves Neiva, que se havia tornado proprietário da Quinta da Macheia e dos banhos dos Cucos nesse ano.
Com o novo proprietário inicia-se uma nova etapa na história dos Cucos. Devem-se a João Neiva as primeiras obras de vulto no local:
" (...) melhorou as modestas instalações balneares, mandou fazer uma muralha para segurar as águas do rio nas suas arremetidas invernais e fez construir uma série de nove pequenas casas para habitação, comunicando entre si e com cavalariças ao fundo - as ainda existentes casinhas dos Cucos. tais instalações já permitiram que o Marquês do Lavradio, da Quinta da Conceição, aí se instalasse para com mais comodidade e repouso fazer tratamento" [2].
Os anotadores de Madeira Torres, na segunda edição, inédita até hoje, da parte económica da monografia de Madeira Torres, cujo original se encontra na Biblioteca Municipal de Torres Vedras, escreviam, por volta de 1862, sobre os Cucos:
"A concorrência dos enfermos a estes banhos tem sido grande n'estes ultimos annos, não só das Comarcas visinhas, mas também da Capital e Províncias (...).
"O numero dos banhos tomados nos ultimos 10 annos foi de mil em cada ano; e paga-se por cada hum 120 reis, dando-se porem d'esmolla a quem os pede, huma vez que apresente attestação de pobreza passada pelo respectivo Parocho, e de Facultativo sobre a necessidade, que d'elles tem; mas o numero d'estes não entra na conta assima dita, e calcula-se em huma quinta parte em relação ao numero dos pagos. Talvez tenha concorrido para a maior frequencia d'estes banhos, alem do annuncio mandado fazer todos os annos nos jornaes pelo actual proprietário d'elles João Gonçalves Dias Neiva, o outro publicado pelo pharmaceutico Francisco Fortunato d'Assis, assistente em Lisboa na rua do Alecrim nº 51e 52 , pelo qual tem anunciado não só venda na sua Pharmacia d'esta agoa engarrafada, mas tambem em resumo as suas virtudes (...).
" Para uso dos banhos das pessoas que residem, ou vem residir nesta villa há desde o anno de 1860, a comodidade das carroagens, que a Companhia da Diligencia da mesma villa para a Alhandra alluga para esse fim".
João Dias Neiva faleceu a 20 de Fevereiro de 1868, mas a sua acção em prol da melhoria das instalações nos Cucos contribuiu, de forma decisiva, para chamar a atenção de muitos especialistas para o valor daquelas águas.
Na década de 70 do século XIX surgem vários estudos sobre as águas minerais do reino e de propaganda ao termalismo, então em plena expansão. É dessa altura a publicação de uma obra fundamental de divulgação, da autoria de Ramalho Ortigão, publicada em 1875 e intitulada "Banhos de Caldas e Água Minerais", onde tece grandes elogios às qualidades terapêuticas das águas dos Cucos, chamando a atenção para a necessidade de melhorar as condições de alojamento deste lugar.
O aparecimento em 1885 do primeiro orgão de comunicação social de Torres Vedras, "O Jornal de Torres Vedras" contribuiu para alertar a opinião pública local e principalmente os responsáveis locais, para a importância do aproveitamento convenientemente do local. Logo a 26 de Março desse ano o citado periódico publicava um extenso artigo sobre as "Thermas dos Cucos", chamando a atenção para os frequentes "resultados maravilhosos obtidos pelo uso d'estas águas thermaes no tratamento das diversas formas de rheumatismo" mas queixando-se o articulista de, apesar desses resultados, "aos banhos dos Cucos recorrem relativamente mui poucos doentes" em comparação com outras termas então mais famosos (Caldas da Rainha, Taipas, Vizela, Moledo, S. Pedro do Sul), mas onde os doentes não encontravam os mesmos resultados que podiam obter nos Cucos. E o articulista procurava as causas para essa baixa frequência das águas dos Cucos, em primeiro lugar no facto de alguns médicos e cientistas desvalorizarem aquelas águas e em segundo lugar "no desfavor da apresentação".
Nos periódicos locais, herdeiros de "O Jornal de Torres Vedras", vamos continuar a encontrar várias referências á necessidade de melhorar a propaganda e as instalações daquele sítio.
O Jornal "A Semana" foi dos que mais se bateu por esses melhoramentos. Em 12 de Julho de 1888 esse jornal chamava a atenção para a "grande conveniencia e maior necessidade que há de construir um edíficio, apropriado e decente, onde os doentes de rheumatismo gottoso possam vir receber, com commodidades e asseio, os manifestos benefícios das nossas especialissimas águas dos Cucos.
"Aquillo que hoje lá existe, considerado como estabelecimento Thermal, é um péssimo documento da nossa orientação económica, que estamos apresentando aos forasteiros, deixando abandonado um precioso elemento de vida commercial de Torres Vedras (...). "As toscas locandas estão apinhadas de gente; as pessoas que se installaram pelas hospedarias da villa, quando vão tomar o banho, ao sair, não teem um quarto confortável onde demorem, acontecendo que nos dias inconstantes que tem corrido sugeitam-se até apanhar chuva, na volta ! Este é positivamente o reverso da medalha.
"Vamos, meus senhores, que tendes o nome aureolado com o fastigio da vossa fortuna: dispendei mais alguma coisa da vossa iniciativa própria, e imponde-vos á gratidão dos vossos conterraneos, porque essa gratidão é como o esmalte azul sobre o ouro". Para o crescente afluxo de forasteiros ao lugar dos Cucos terá contribuido a inauguração da linha férrea Lisboa-Torres em 1886, aberta ao serviço público em 1887. A esta situação e ao desafio lançado pela opinião pública local, o novo proprietário dos Cucos, José Gonçalves Dias Neiva, sobrinho do anterior, "decidiu-se a proceder ás obras de valorização desta estância termal. Pesaram no seu espírito, ao tomar esta decisão, vários factos. A região atravessava uma grande crise económica, devido á destruição dos vinhos pela filóxera, e tais obras dariam trabalho a muita gente. Ao seu ânimo agradava esta obra de benemerência, criar melhores condições para dar saúde. Receava, por outro lado, que o débito da água termal não fosse sufeciente para um grande balneário e não acreditava nas vantagens económicas deste empreendimento.
“O desaterro do poço soterrado mostrou que os vários olhos de água que lacrimijavam á superfície e alimentavam os antigos banhos provinham duma única e poderosa nascente, com um débito de 259.000 litros por dia. Tal observação convenceu-o da possibilidade duma exploração termal noutra escala de grandeza, e decidiu-o a iniciar as obras"[3] .
Essas obras, que incluíram o desvio do leito do rio Sizandro mais para a sua esquerda, junto ao monte do Cabrito, foram dirigidas por António Jorge Freire e pelo mestre João José Alves, e iniciaram-se a 26 de Novembro de 1890.
O Estabelecimento termal foi aberto ao público, provisoriamente, a 11 de Julho de 1892 e a sua inauguração oficial teve lugar, como já referimos, a 15 de Maio de 1893. Dias Neiva, entusiasmado com o êxito da obra, idealizou uma vila termal que, num ofício à Câmara definia como uma "nova povoação junto do estabelecimento balnear, subordinada a um plano maduramente estudado em que se observem rigorosamente todos os princípios higiénicos tanto nos arruamentos e esgotos como nas casas de habitação"[4] .Chamar-se-ia "Vila Neiva dos Cucos" e António Jorge Freire foi encarregue de elaborar o plano. Incluía "40 moradias iguais aos actuais chalets que marginam a Avenida das Termas, albergaria com casas mais modestas, um hotel com 300 quartos, hospital termal, capela, mercado, casino, a Avenida de Torres que, vinda da Praça do Mercado cruza-a a actual Avenida das Termas, desembocar na Praça da Capela, atravessa-a o Sizandro e, depois de ladear o contraforte do Casal Cabrito, passaria por cima do túnel, para se dirigir à estação de caminho de Ferro da vila; no alto da serra de Machêa instalava-se um solário para crianças e no morro dos Cucos um pequeno chalet para repouso dos doentes; a serra seria intensamente arborizada e um parque arborizado ligava a Praça das termas a um grande lago, no sitio da antiga Azenha dos Cucos, por trás do actual Buvette" .
Deste arrojado plano "apenas" se concretizaram a construção dos balneários, da Praça das Termas e da Avenida das Termas. O Casino foi construído em 1896 e, das 40 moradias previstas, apenas se concluíram duas vivendas: "D. Feliciana" (1895) e "D. Maria" (1896). De qualquer modo aquilo que se construiu foi de tal modo importante que mereceu a visita de personagens tão ilustres como o rei D. Carlos, em 1902, e que, por essa ocasião, agraciou José Dias Neiva com o título de Conde de Machêa, como o rei D. Manuel II, por ocasião das comemorações do centenário da Batalha do Vimeiro, em 1908, como Egas Moniz, o prémio Nobel Português, que frequentou os Cucos em 1902, 1903, 1905, 1906 e 1907, ou como, em 1920, o Presidente da República António José de Almeida.
Para além de José Gonçalves Dias Neiva, proprietário do estabelecimento, e de A. Jorge Freire, engenheiro responsável pela obra, é de destacar ainda o Dr. Justino Xavier da Silva Freire, director clínico das Termas, e autor de importantes relatórios médicos entre 1893 e 1913. A esse "triunvirato" se ficou a dever tão importante iniciativa.
A José Gonçalves Dias Neiva, falecido em Fevereiro de 1929, sucedeu-lhe, à frente dos destinos das Termas, um seu sobrinho, José António Vieira, que viria a falecer em 1962 e que dirigiria as termas numa fase de certa estagnação do local. Sucedeu-lhe José António Neiva Vieira, que procurou dar um novo dinamismo ao local, apesar das dificuldades acrescidas pela poluição do rio Sizandro. A este, enquanto director clínico da Estância Termal dos Cucos, se deve o primeiro relatório entregue aos serviços técnicos de Salubridade da Direcção Geral de Saúde, em 1969, sobre os inconvenientes das descargas da indústria Calhaus e Ferreira, Ldª no rio Sizandro.
Mas o local não se ficara por aqui no que toca a atentados ao meio ambiente. Recentemente uma pedreira destruiu uma área envolvente da zona dos Cucos e em 1983 foram imensos os estragos provocados pelas cheias.
Nestas condições foi difícil a José António Neiva Vieira melhorar as termas dos Cucos. Deve-se a ele a melhor monografia sobre o local, "História das Termas do Vale dos Cucos", editada em 1964, da qual temos vindo a citar algumas passagens.
Infelizmente, numa altura em que as Termas dos Cucos começavam novamente a conhecer algum desenvolvimento, o Dr. Neiva Vieira veio a encontrar a morte de forma trágica em 28 de Agosto de 1987 na passagem de nível de Runa.


[1] VIEIRA, ob. cit. pág.16.
[2] VIEIRA, ob. cit. pág. 17.
[3] VIEIRA, ob.cit. pp. 23-24.
[4] Citado por VIEIRA, ob. cit, p. 26.

1 comentário:

Teresa disse...


CONHEÇO AS TERMAS DOS CUCOS DE LONGA DATA. TIVE O PRAZER DE CONHECER EM MIÚDA O SRº DRº JOSÉ ANTÓNIO NEIVA VIEIRA AMIGO PESSOAL DE MEUS PAIS.

ACOMPANHEI A MINHA AVÓ VÁRIAS VEZES NA SUA DESLOCAÇÃO PARA TRATAMENTO NAS TERMAS ONDE FICÁVAMOS HOSPEDADAS NO RESPECTIVO HOTEL DAS TERMAS.

PASSEI BONS MOMENTOS DE BRINCADEIRA COM OS FILHOS DO DOUTOR NEIVA VIEIRA
E TAMBÉM COM OS DE SUA IRMÃ MARIA CÂNDIDA.

ERA A ÉPOCA DOS ANOS CINQUENTA DO PASSADO SÉCULO. JÁ NÃO FALO DOS ANOS QUARENTA EM QUE OS MEUS PAIS MUITO SE DIVERTIRAM COM UM GRUPO DE JOVENS DA REGIÃO

SOU FILHA DE AUGUSTO DE OLIVEIRA BOTELHO CARNEIRO E DE MARIA ISABEL SERRÃO PESSANHA CARNEIRO QUE EM CONJUNTO COM JUVENTUDE DE TORRES (VIEIRAS, HIPÓLITOS ,FONSECAS E TANTOS OUTROS) TAMBÉM A MINHA TIA MARIA AUGUSTA CARNEIRO PEIXOTO SE DIVERTIAM ENTRE OS CUCOS E STA CRUZ.
É TERRIVELMENTE TRISTE VER UM PATRIMÓNIO DESTE CALIBRE NO QUE RESPEITA À SAÚDE E LAZER COMPLETAMENTE ABANDONADO E DESTRUÍDO DADO O BENEFICIO A TIRAR EM TERMOS DA SAÚDE PARA A POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO.


MUITAS MEMORIAS PODERIA ACRESCENTAR