terça-feira, 3 de novembro de 2009

No Bicentenário do início da construção das Linhas de Torres (3 de Novembro de 1808)



O efeito da construção das Linhas de Torres Vedras junto das populações locais




Em Abril de 1809, poucos meses antes do início da construção das Linhas de Torres, quando estas ainda nem projecto eram, já o Teneente Coronel de Engelharia Cipriano José da Silva enviava aos vereadores da Câmara de Torres Vedras uma ordem, em nome da regência, para se fortificar “provisoriamente” a vila .
Com esse objectivo pedia que lhe fossem fornecidos para a manhã do dia seguinte àquela ordem, “na meia laranja da Ponte da Mentira (…) trinta trabalhadores, dez enxadas, dez cêstos, quatro picaretas, duas paviolas” (in Livro nº24 dos Acordão da Câmara Municipal de Torres Vedras (1802-1812), sessão de 8 de Abril de 1809, ff. 193v-194, AMTV).

Só em Outubro é que Wellington se decide iniciar a construção de defesas que protejessem a cidade de Lisboa, pois o “grande objectivo em Portugal é a posse de Lisboa e do rio Tejo e todas as medidas terão de ser dirigidas com este objecto em vista”.
Existiam ainda outos dois objectivo, ”o embarque das tropas britânicas em caso de revés” e “ o de obrigar o inimigo, tanto quanto possível a realizar o seu ataque com o corpo do exército concentrado”, pelo que o exército aliado deveria “ficar em todas as posições que o terreno possa permitir, o tempo necessário para permitir que a população rural local evacue as vilas e aldeias levando consigo ou destruindo todos os meios de subsistencia e meios de transporte que não forem necessários aos exércitos aliados” (Excerto do memorando do duque de Wellington para o tenente coronel Fletcher, datado de Lisboa , a 20 de Outubro de 1809, citado por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, pp.20-21, segundo tradução de Thomas Croft de Moura).
Deslocando-se de Lisboa, Wellington havia percorrido em Otubro os terrenos a norte da capital na companhia do coronel Murray e do tenente-coronel Fletcher, deixando a este “instruções tão precisas quanto o póde dar um general chefe, para a execução do seu pensamento, que se póde resumir no seguinte: escolher uma posição suficientemente ampla para abrigar todas as tropas, quer da primeira, quer da segunda linha, das duas nações, que lhes permitisse ocupar uma situação vantajosa para cobrir Lisboa, séde dos recursos do país, e que não pudesse ser torneada nos seus flancos pelo inimigo, devendo ter uma comunicação segura com o mar, para permitir o embarque das tropas inglesas no caso de revezes sucessivos as obrigarem a êsse extremo”. (J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 341-342).



A 3 de Novembro iniciou-se a construção das linhas e, na “primavera de 1810 estava tudo em pleno andamento e a azáfama era grande”(J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 346 a 348).
Como se pode ler nas descrições sueguintes, essas obras implicaram grandes alterações numa paisagem que até então não devia ser muito diferente desde a Idade Média:

“As defesas eram de toda a espécie possível. Os rios foram represados e as vias de acesso aos sopés dos montes, numa extensão de muitos quilómetros, foram transformados em pantânos intransponíveis. As estreitas ravinas foram bloqueadas com abatis, atravessando uma grande ravina elevou-se um muro de pedra com 16 pés [ 4,9 metros] de espessura e 40 pés [12,2 metros] de altura. Ao longo do cume de um monte e por uma distancia de 3 milhas [4,8 kilómetros] amontoaram-se muros de pedra com 6 pés [1,8 metros] de altura e 4 pés [1,2 metros] de espessura. Num ponto o monte foi escarpado numa distancia de 2.000 jardas [1.328,8 metros] de modo a formar um precipício que não podia ser escalado. Num plano geral as linhas consistiam de fortificações fechadas espalhadas pelas duas cadeias de montes. Em certos locais as fortificações expandiram-se até atingir a escala de acampamentos militares sendo o todo ligado com todos os tipos de defesa. As fortificações estavam de tal modo relacionadas umas com as outras que a frente toda era varrida por fogo cruzado; e todas as aproximações da linha exterior tinham sido desnudadas de vegetação até se parecerem com uma ladeira”. (citado por A.H.Norris e R.W. Bremner, The Lines of Torres Vedras, Lisboa 1986, p.14, segundo tradução de Thomas Croft de Moura);

“Para desafrontar o campo de tiro das baterias devastou-se tudo que as podia encobrir, não ficando de pé nem casa, nem jardim, nem vinha, nem oliveira, nem arvoredo de espécie alguma. Só escaparam umas formosíssimas e velhas árvores em Tôrres Vedras, que a rôgo do Juiz de fóra e dos habitantes da vila foram deixados para o último momento, se fôsse necessário destruí-las”. (J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, p.351).

Para a construção de uma obra dessa envergadura empregaram-se “os habitantes do paiz e dois regimentos de milicias. Obtinham-se os primeiros por meio de requisições, sendo os operários da semana finda substituidos por outros na seguinte semana, tendo os milicianos o caracter de permanentes n’este serviço.” Essas requisições eram feitas “pelas capitanias móres do termo de Lisboa, Cintra, Gradil, Alenquer, Aldeia Gallega da Merceana e Torres Vedras, sendo esta villa a que quasi sempre deu o maior numero de operarios, depois que o exercito entrou nas linhas”. (Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 563-564).
A requisição de trabalhadores para as Linhas nem sempre foi fácil, como nos explica Cristina Clímaco na sua tese: “Um dos principais problemas que se colocou a Fletcher e a Jones foi o de obter trabalhadores em número suficiente e de acordo com a dimensão dos trabalhos. Sempre que um engenheiro tinha falta de trabalhadores comunicava-o a Fletcher, que por sua vez o comunicava ao governador militar do distrito onde tinham lugar os trabalhos, sendo este último encarregue de fornecer aos ingleses os homens e os materiais necessários aos trabalhos (…).
“A procura de trabalhadores aumentou todos os dias, sem discriminação de classe social ou de privilégios; segundo os ingleses a requisição devia ser imposta aos eclesiásticos e aos funcionários da administração local: (…) porque quando se trata de se defender do inimigo não há privilégios nem é justo que sómente os miseráveis que nada possuem para além da sua pessoa, venham trabalhar nas fortificações, enquanto que aqueles que têm bens a defender ou a conservar não venham (…)”.
Esta situação provocou alguns conflitos graves com os tradicionais grupos priveligiados, como aconteceu “em Mafra em Março de 1810, porque os ingleses não tomaram em conta a estrutura social do país. O Portugal de 1810 era um país de Antigo Regime, onde a clivagem social se fazia mais pelo direito aos privilégios, do que pela fortuna, sendo o padre o principal símbolo desta situação. Existiam duas classes em Portugal, aqueles que trabalhavam e aqueles que tinham direito aos privilégios, englobando-os os ingleses numa única classe e isto provocou gaves conflitos.
“(…) Os funcionários da administração local (…) recusaram-se a trabalhar nas fortificações, recusa idêntica à que teve lugar entre os eclesiásticos.
“(…) As pessoas que faltavam ao trabalho das fortificações ou que não enviavam ninguém em seu lugar não sofriam na realidade outra punição que a de verem os seus nomes inscritos numa lista que todas as semanas os governadores militares enviavam ao secretário da Guerra (…). Apesar das medidas de compromisso que não implicavam mais que a obrigação de estarem presentes fisicamente no local de trabalho ou de poderem enviar qualquer pessoa em seu lugar, as pessoas continuaram a não se apresentar ao trabalho. (…) Os que oposeram maior resistência foram os eclesiásticos (…).
“A vila de Ericeira foi o centro mais importante dessa resistência anti-inglesa e que tomou carácter de insurreição.Os eclesiásticos da Ericeira não só não enviaram qualquer pessoa em seu lugar, como impediram os outros de o fazer. Existem no Arquivo Histórico Militar listas de eclesiástico daquela vila que recusaram participar no sistema de requisições: em Março de 1810 apenas constam na lista nove nomes, mas em Maio já constam treze, entre os quais o das personalidades mais importantes da vila.
“(…) Um outro meio de obter trabalhadores para as fortificações foi o das condenações de soldados portugueses em conselho de Guerra, condenados a cumprir as suas penas nos trabalhos das fortificações(…)” (Ana Cristina Climaco Pereira, Les Lignes de Torres Vedras et Le Plan de Defense du Portugal Concu par Wellington- Invasion e Resistances (le patriotisme et le nationalisme portugais 1810-1811), tese de mestrado, Universidade de Paris, 1991, pp.66 a 72, tradução adaptada).
“Aos paizanos que eram simples trabalhadores dava-se-lhes o jornal de 120 réis, e o de 240 réis aos que eram officiaes de canteiro, pedreiro, carpinteiro, etc.; os milicianos tinham pela sua parte um terço d’estas sommas. Mais tarde o acrescimo e a duração dos trabalhos, tendo-se estes tornado quasi permanentes, o jornal elevou-se então a 200 réis para os trabalhadores e a 320 para os officiaes e vigias: os milicianos continuaram a ser pagos segundo a antiga taxa. No mez de agosto de 1810 mais de 2:500 homens, reunidos n’um só corpo, se achavam empregados nas fortificações da Alhandra.”  (Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1871, pp. 563-564).

Richard Fletcher, Jonh Jones e “mais quinze engenheiros militares andaram empregados nas Linhas, quatro dos quais eram portugueses. O trabalho manual foi executado por dois regimentos de milícias e trabalhadores recrutados na região, nas comarcas limítrofes e noutras mais afastadas, até 90 Kilómetros de distância, pois apesar da miséria ser grande, os braços eram poucos, pagando-se á razão de 200 réis por dia os cavadores e 320 os operários artifices. Quando as circunstancias determinaram que o trabalho fôsse acelerado, até as mulheres e os rapazes trabalhavam, aquelas á razão de metade e êstes á de um quarto da jorna dos homens. O número de trabalhadores chegou a 7.000, tornando-se em certos sítios necessária a intervenção da autoridade para lhes assegurar a alimentação, que escasseava. A carência de pão chegou a ponto de ser preciso fornecer a êste exército de obreiros bolachas dos navios ingleses.
“(...) Mercê tambem da boa vontade dos carreeiros, excitando á aguilhada os seus pacientes bois, é que se conseguiu levar pesadas peças de artilharia a montes altíssimos, por caminhos de pé posto, inacessíveis a cavalos. (J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 350-351).

Para além dos grandes custos humanos dessas obras, implicando o recrutamento de milhares de trabalhadores, como se leu nos documentos acima transcritos, a obra implicou igualmente grandes custos financairos.
Agostinho Madeira Torres procurou, na sua monografia, “dar uma noticia exacta da enorme despeza das Obras da Linha” no termo de Torres Vedras ”mas apenas pude achar, e verificar alguns dados para um calculo aproximado, e de proporção. taes como os seguintes: que na obra das Estradas Militares comprehendidas no Termo de Torres Vedras, em que se trabalhou effectiva, e activamente, desde a Invasão de 1810, pelos dois seguintes annos de 1811 e 1812 (continuando-se ainda depois escassamente até Julho de 1814), se empregavam, além dos Officiaes Militares Inspectores, e Directores, por semana, acima de 900 operarios das classes trabalhadoras, de artifices dos tres officios de calceteiros, pedreiros, e carpinteiros, e de lavradores, sendo essa totalidade detalhada pelas Capitanias Móres do Termo de Lisboa, Cintra, Gradil, Alemquer, Aldeia-galega da Merciana, e de Torres Vedras, da qual sempre se tirou mais effectivamente o maior numero (...): que a despeza liquida e total d’aquelles trabalhos se avalia em 171:000$000 réis; e a dos mesmos no districto da direita em 190:000$000 réis: que as obras dos Reductos novos construidos pelo mesmo tempo se avaliam pelo menos em igual importancia; e que as dos outros feitos antes de epocha da invasão deviam avultar mais; porque sómente as dos dois Fortes do Sobral, e de S.Vicente se julgam exceder a trezentos mil cruzados. Não basta porém este processo deduzido das noticias communicadas por Officiaes de distincto merecimento, empregados na direcção das mesmas Obras, para achar-se a somma aproximada da sua despeza; é preciso accumular-se mais o valor de varios objectos até agora não pagos, como grande porção de lenha para as faxinas, e muito consideravel quantidade de madeiras de pinho para estacas, vigas, e pranchas: finalmente tambem deverá entrar em conta o valor de algumas cazas demolidas, ou inutilizadas; de bastantes moinhos (a cujos dônos se pagou algum tempo uma pensão para indeminisal-os de algum modo dos interesses diarios) que soffreram igual sorte; e de muitos pinhaes cortados para desafrontar os reductos, vindo a ter a mesma sorte o arvoredo dos passeios proximos á Villa (...).”(Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.74 a 76).

O exército aliado chegou às Linhas no dia 9 de Outubro de 1810, perseguido de perto pela cavalaria francesa. “Lord Wellington, com a sua grande serenidade e previdência, ordenára que alguns oficiais e soldados da guarnição das Linhas, a cavalo, esperassem as diferentes unidades, afim de as guiarem ás obras ou localidades que lhes eram destinadas. E assim como se tinha providenciado para que não houvesse confusão á chegada de tantos milhares de homens, assim tambem se cuidára de tudo o que o exército carecia: as guarnições já exercitadas ocupavam os seus postos; acumulavam-se provisões de boca e de guerra em sítios préviamente indicados; cascos embargados nas adegas estavam, cheios de água, em todas as obras: abarracamentos para 35.000 homens, conforme se ordenára, achava-se distribuido pelos seus distritos”. (J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 413-414).
Madeira Torres lamenta-se do efeitos da chegada dessas tropas para o bem estar da população, já que “a copiosa chuva, que cahio desde 7 para 8 do mez d’Outubro, obrigou” os militares “ a buscar arrebatadamente o abrigo das casas, que pela maior parte estavam abandonadas; então se perderam, e foram preza dos soldados nacionaes, e alliados, os fructos não só pendentes, e mal começados a colher, como vinho e azeite, mas os mesmos recolhidos nos celleiros publicos e particulares, que não eram guardados immediatamente por seus donos, e munidos de sentinellas, chegando o excesso a serem a maior parte das casas despejadas dos seus moveis, quasi todos os cartorios publicos, e particulares parcialmente roubados, e o do Escrivão das Sizas, e de um da Correição totalmente destruidos”. (Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p. 178).
O grosso das tropas francesas foi chegando frente às linhas nos dias seguintes, cuja existência desconheciam: “Vinha á frente, comandando a cavalaria de reserva, o general Montbrun, que na manhã de 11, depois de na véspera á tarde ter repelido as últimas fracções do exército anglo-luso, sob o comando de Craufurd (…), mandára reconhecer a estrada em direcção de Vila Franca. O encarregado desta missão, o brigadeiro Pedro Soult, veio imnformá-lo dos fortes entricheiramentos que vira em Alhandra. A exploração feita na direcção do Sobral, Arruda e Zibreira trouxe-lhe notícias análogas, o que levou o Aludido general, por sua vez, a informar o comandante chefe, então ainda longe, á rectaguarda, de que tinha na sua frente uma linha contínua de fortes entricheiramentos e estendendo-se até um ponto, para oeste, que não podia ainda precisar.
“Os reconhecimentos continuaram nos dias 12 e 13, ocasionando escaramuças, algumas de certa importância, como a que se travou na vila do Sobral (…) “ . (J.J. Teixeira Botelho, História Popular da Guerra da Península, Porto, 1915, pp. 415-416).
As tropas francesas mantiveram-se estacionadas frente às linhas até à madrugada de dia 15 de Novembro, retirando-se durante a noite, a coberto do nevoeiro.

As privações dos habitantes da região não terminaram com a retirada das tropas. Como consequência da “immundice (…) n’algumas terras onde os franceses tinham residido” (Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, pp. 271-472), grassou na vila de Torres Vedras “ e muito mais nas suas visinhanças, um contagio, que foi quasi geral, sendo mais mortifero nas terras invadidas, e nos emigrados por serem mais incommodados, e menos socorridos. Contaram-se tantos mortos, que foi preciso designar-se um amplo cemiterio juncto á Igreja de S. Miguel, e ainda este teve de ampliar-se além dos seus primeiros limites. Pela vigilancia do governo e da Policia determinaram-se socorros para supprir á miseria e indigencia, que justamente se entendia ser o principal motivo do contagio” (Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p. 179).
Quase “todos os doentes morriam do quinto para o sexto dia, sendo acommetidas, não sómente as pessoas pobres e expatriadas, mas igualmente as bem tratadas. Dois cirurgiões havia n’aquella villa, que sendo n’ella sufficientes em caso ordinario, não o eram depois que taes molestias se engravesceram, circumstancia que deu logar a que o intendente geral da policia mandasse indagar em Lisboa onde estavam os dois medicos do partido que n’ella havia, Manuel Tavares de Macedo, empregado no hospital militar da Junqueira, e Joaquim José Durão, para os fazer recolher a ella, devendo levar comsigo um enfermeiro do hospital de S.José, por terem adoecido todos os que havia em Torres. (Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal- segunda epocha- guerra peninsular, tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1874, pp. 271-472),
Segundo Ana Cristina Clímaco, os “doentes entrados no hospital” [da Misericórdia de Torres Vedras]“eram oriundos das aldeias das redondezas da vila, tais como de Fonte Grada, Paul, Vila Facaia, Amial, Bordinheira, Dois Portos, Orjariça, mas sobretudo das regiões invadidas, S.Martinho, Leiria, Obidos, Torres Novas, Porto de Mós, Pombal, Coimbra… A partir de Outubro de 1811, a epidemia começou a fazer menos estragos, os doente eram agora quase exclusivamente refugiados”. (Ana Cristina Climaco Pereira, Les Lignes de Torres Vedras et Le Plan de Defense du Portugal Concu par Wellington- Invasion e Resistances (le patriotisme et le nationalisme portugais 1810-1811), tese de mestrado, Universidade de Paris, 1991, p.187, tradução adaptada).

Para obstar ás dificuldades económico-socias provocadas nas zonas sujeitas a à movimentação de tropas e às operações militares, foi distribuído um “donativo da Nação Britânica” que agraciou também a região da comarca de Torres Vedras. Esta “apezar de não ter sido a maior parte d’elle invadido, se achava comtudo nas mesmas, e talvez em peiores circunstancias do que algumas terras, que o foram, como fiz palpavelmente conhecer á juncta incumbida de o distribuir. Em consequencia d’esta representação, receberam-se por vezes até a quantia de 8:200$000 rs. além de trezentos pares de cobertores, com o que se soccorreo ás maiores necessidades “. Madeira Torres foi “incumbido pela Juncta dos Socorros da subscrição Britanica de distribuir aquella somma, (…) repartidas, confórme as instrucções da mesma Juncta. Foi o primeiro donativo 1:000$000 réis metalicos, para se repartir pelos habitantes pobres, e necessitados das Freguezias d’este districto, e de 400$000 réis para o Hospital da Misericordia da Villa [de Torres Vedras] exausto de meios, pelas excessivas despezas accrescidas, e falencia das cobranças; outros 400$000 réis para o curativo do hospital de Aldêa-galega da Merceana, e 600$000 para o da Arruda.Tendo esta primeira distribuição sido approvada, repetio-se outro donativo mais amplo de 4:000$000 réis metalicos, dos quaes se applicaram 880$000 réis aos infelizes habitantes da Villa de Arruda, e 270$000 réis aos do lugar do Pêro Negro, Freguezia da Çapataria, que tinham ficado em total desamparo; o restante foi todo applicado dentro no Termo. Ultimamente houve mais dois donativos especialmente destinados para os orfãos desamparados: o primeiro de 800$000 réis, e o segundo de 1:000$000 réis, dos quaes se tem conferido penções para o ensino de alguns Orphãos a officios mecanicos, e para a criação e educação d’outros infelizes, supprindo-se já por uma vez com o auxilio de 200$000 réis á consideravel despesa do estabelecimento da roda dos Expostos, como a Juncta insinuou no seu Officio datado de 10 de Junho de 1813. Além d’este donativo, tambem recebi tres moios de trigo, que me foram mandados n’aquelle tempo pelo Ex.mo e Rev.mo Bispo Patriarcha Eleito, a fim de serem distribuidos para sementes pelos lavradores mais necessitados.” (Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp. 179-180).

Nunca esta região tinha conhecido um tão amplo movimentos de gentes e tropas, ou uma alteração tão profunda da sua paisagem rural.
A população de Torres Vedras entrava assim, de forma violenta e dramática, na época Contemporânea, e a vila ganhava fama mundial graças ao esforço de tanta gente na construção do sistema defensivo imortalizado com a designação de “Linhas de Torres Vedras”.


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