sábado, 30 de maio de 2009

30 de Maio de 1834 . decreto de extinção das Ordens Religiosas - Recordando os Conventos Torrienses - Convento de Penafirme

Ruinas do "Convento Velho" de Penafirme.

Igreja do "Convento Novo" de Penafirme


Jorge Cardoso, autor do “Agilogio Lusitano” atribui a fundação do Convento de Penafirme a um eremita germânico, Santo Ancirado, no ano de 850, data discutível, se tivermos em conta que esse eremita faleceu nesse mesmo ano.
Diz a lenda que existia por esses tempos um convento junto a Torres Vedras, nas margens do rio Sizandro mas, porque não podia pagar os impostos devidos aos árabes, que então dominavam este território, eram frequentemente maltratados por estes.
Aquele eremita, então em peregrinação por esta região, conseguiu convencer os religiosos que habitavam esse convento a abandonarem-no e a fundarem outro em local mais seguro.
Escolheram então um local junto ao Oceano e perto da foz do rio Alcabrichel para construírem uma capela de invocação a Nossa Senhora da Graça, que deu origem ao primeiro convento instalado junto ao lugar de Penafirme.
Foi o primeiro agostiniano fundado em Portugal, segundo a opinião dos vários cronistas da Ordem dos Agostinhos Calçados. Contudo esta opinião é discutível, já que “desde os primeiros séculos do cristianismo foram aparecendo pequenas comunidades e conventos de frades eremitas sem se regerem por regras próprias e aprovadas, acontecendo que a partir de certa altura alguns deles adoptaram o nome genérico de “Agostinhos”, mas cujas observâncias eram variadissimas - não significando, portanto, a existência dessa ordem religiosa”.
Só em 1255 é que o Papa Alexandre IV unificou as várias congregações de frades eremitas “de que resultou o código uniforme da Ordem dos Eremitas de St.º Agostinho”(1).
Vários autores, entre os quais Frei Jerónimo Romano, autor de “Centurios da Ordem Agostiniana”, afirmam que o duque de Aquitânia, passando por aquele mosteiro por volta de 1140, em peregrinação para Santiago de Compostela, gostou tanto dele e do lugar onde estava, que por lá ficou alguns anos, mandando reconstruí-lo.
A primeira referência documental à existência desse convento data de 1226. Trata-se de uma doação da câmara de Torres Vedras, citada por Madeira Torres.
Frei António da Purificação, autor de uma das crónicas da ordem de Stº Agostinho, descrevia do seguinte modo o primitivo convento:
“(...) Todo elle é mais pequeno que o mais limitado mosteiro de padres capuchos d’este reino. As cellas não teem de largo mais do que dez palmos craveiros”(2)”, e as janelinhas mais parecem portinholas de navio que janellas. O tecto de cada uma é tão baixo, que eu, com ser de pequena estatura, lhe chego com a mão, posto com os pés no pavimento. O dormitório é tão estreito, que não é capaz de mais passagem, que de duas pessoas somente. A claustra mui estreita, de um só andar e térrea. A igreja e todo o mais edifício em proporção ao que temos representado. E, finalmente, tudo tão tosco e humilde, que tirando os tectos da igreja e sacristia, todos os demais foram de telha vã até ao anno de 1575, rm que o prior, que então era, quiz forrar as cellas e dormitórios, para que os religiosos que estivessem no Verão mais reparados das calmas, e no inverno dos frios” (3).
As precárias condições de vida existentes no primitivo convento levaram os frades a iniciar a construção de um novo edifício em 1597, mas foi só em 15 de Agosto de 1638 que se celebrou missa, pela primeira vez, na nova igreja.
Sobre este segundo convento escreveu Vilhena Barbosa : “ a sua fábrica não tinha sumptuosidade, nem se fazia notar por sua vastidão, antes pelo contrário, era modesta nas proporções e simples na architectura. Porém comparada com a do velho conventinho poderia chamar-se-lhe grandioso”(4). Este segundo convento é o que actualmente se encontra em ruínas, julgando-se que o que está à mostra é apenas o segundo andar do edifício, estando soterrados o rés-do-chão e o primeiro andar, opinião que aguarda a confirmação de um trabalho de pesquisa arqueológica no local.
O período áureo da história de Penafirme parece corresponder ao período de ocupação deste segundo convento, pois foi entre os séculos XVI e XVII que o habitaram alguns frades de renome, como, entre outros, o frei Tomé de Jesus, o frei João Bom, o frei Agostinho da Graça, o frei António de S.tª Maria, o frei João de Estremoz ou o frei Gaspar das Chagas.
Atribui-se geralmente o abandono e ruína deste segundo convento ao terramoto de 1755. Confirmando esta hipótese, refere-se a existência, ainda hoje visível, de uma cruz no topo do monte, a norte das ruínas desse velho convento, que, segundo a voz comum, testemunha “ a morte de um frade que na manhã do Terramoto terá conseguido subir o monte, mas que terá morrido de cansaço ao atingir o cimo”(5).
Se esse convento ainda era habitado à data do terramoto, o seu estado de degradação já era evidente, como é testemunhado, quer por Madeira Torres, ao indicar a fundação do novo convento, o de terceira fundação, num ano entre 1735 e 1755, isto é, antes daquela catástrofe, quer pelo padre António Duarte na sua resposta ao inquérito paroquial de 1758.
Este, na parte em que refere os estragos provocados na freguesia de A-Dos-Cunhados pelo terramoto, afirma que o “ Convento de Pena Firme ficou inabitável, e hum novo, que os Religiosos edificarão junto ao lugar da Póvoa(onde fizerão um hospício em que morão) ficou tão arruinado que he preciso tomar dos fundamentos no que já se trabalha”(6).
Ficamos assim a saber que, quando se deu o terramoto, o convento quinhentista ainda era habitado, tendo ficado destruído nessa ocasião, mas também que já então estava em construção o novo convento, que ficou igualmente destruído.
O avanço natural do areal e o próprio envelhecimento do edifício já tinham iniciado aquilo que o terramoto completou.
O terceiro convento “deveo o seu principio ao provincial Frei António de Souza da Casa de Távora, que por duas vezes foi promovido a esse emprego, e ultimamente ao Bispado do Porto. Apenas se edificou um único dormitório, pelo qual se vê a grandeza, e que a sua fábrica fora desenhada ao gosto d’um fundador capaz de maiores projectos. A igreja aparta-se da architectura ordinária, pois no interno representa um octogono, e apesar de haver sido cortado para limitar despesa, com isso não lhe diminuiu a capacidade, mas sómente a belleza, e regularidade. Sua porta principal é uma obra bem acabada no seu género, e realmente excessiva na perfeição e segurança, e muto mais na somma, que n’ella se diz dispendida”(7).
Poucos anos antes da extinção das ordens religiosas, Madeira Torres descrevia as propriedades do Convento por volta de 1819: “Este Convento tem por património um vasto terreno de legua de comprimento, e quase meia de largura, povoado de varios casaes d’onde recebe rendas e pensões, e tambem cultiva alguns terrenos especialmente de vinhos, resultando-lhe de tudo um rendimento proporcionado a subsistencia de maior Comunidade e susceptivel de grande melhoramento” (8).
Com a extinção das ordens religiosas em 1834, o Convento de Penafirme foi vendido “em hasta pública, passando à posse de estranhos, entre eles, o Vice-almirante inglês Jorge Rosa Sertorius, que depois recebeu o título de conde de Penafirme” (9). Também foi seu proprietário José Avelino Nunes de Carvalho, negociante de Torres Vedras, ficando o edifício ao abandono e o seu património sujeito a sucessivos saques.
Mais tarde o edifício foi adquirido pelo pároco de A- Dos- Cunhados José Jorge Fialho e no final dos anos 50 deste século foi restaurado e aumentado com mais um andar “e vários melhoramentos com vista ao seu aproveitamento para a instalação de um seminário menor”(10).
No verão de 1959 foi oficializada a criação do “Seminário-Liceu de Penafirme”, a funcionar nas instalações do convento, tendo-se iniciado o primeiro ano lectivo em Outubro desse ano (11). Em 1975 esse seminário passou a funcionar como externato semi-oficial, sendo hoje uma das escolas mais prestigiadas neste concelho do ensino básico e secundário.
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(1)VITAL, Angelo, “O enigma de Penafirme ou a história do seu convento”, 3 partes, in Badaladas, 9-2-1978,16-2-1978, 23-2-1978.
(2)Dez palmos craveiros correspondem a 2,2 metros, Vital, ob.cit, 16-2-1978.
(3)PURIFICAÇÂO, frei António da, Chronica da Antiquíssima Provincía de Portugal da Ordem dos Erimitas de Stº Agostinho (...), Lisboa 1642 e 1656.Esta obra não está em condições de ser consultada na Biblioteca Nacional, pelo que recorremos à leitura de Vilhena Barbosa, em obra citada na nota 4, p.349.
(4)BARBOSA, J. Vilhena, Estudos Históricos e Arqueológicos, tomo II, ed. 1875, p.351.
(5)VITAL,ob.cit.,23-2-1978.
(6)DUARTE, António, resposta ao inquérito paroquial de 1758,in MATOS, Venerando Aspra de, “Torres Vedras e o seu concelho em 1758 (VII parte) - A-Dos-Cunhados (I)”, in Badaladas, 19-1-1990.
(7)TORRES, Manoel Agostinho Madeira, Descripção historica e economica da villa e termo de Torres Vedras, 2º ed., Coimbra 1862 (edição fac-similada, editada pela Santa Casa da Misericórdia de Torres Vedras em 1988),p.134.
(8)TORRES, ob.cit, p.135.
(9)ANACLETO, Pedro Garcia, “As fontes termais do convento de Penafirme”,in Badaladas, 1-10-1958.
(10)VITAL,ob.cit.,23-2-1978.
(11)Badaladas, 1-7-1959.

Factos curiosos

“Sómente os frades de Penafirme tinham direito de fornecer o peixe a El-Rei quando ele visitasse esta região” (ANACLETO, Pedro Garcia, “As fontes termais do convento de Penafirme”, in Badaladas, 1-10-1958)

“Nas Termas do Vimeiro, as antigas Fontes de Penafirme, uma das nascentes é dedicada à Rainha Santa (...). A outra nascente tem actualmente a designação de “Fonte dos Frades”, em homenagem aos beneméritos monges Agostinhos, seus primeiros possuidores”(ANACLETO, Pedro Garcia, “As fontes termais do convento de Penafirme”,in Badaladas, 1-10-1958).

No adro do actual convento de Penafirme existe um cruzeiro com a data de 1787

“Frei António da Purificação refere-se (...) à realização, no Convento de Penafirme, “ainda em 1642 e desde tempos imemoráveis”, da festa “da Santíssima Assunção a 15 de Agosto”,
acrescentando que “desta invocação há no altar-mor uma imagem sua, antiga (...) a qual é muito venerada pelos povos circunvizinhos. que todos os anos vêm a este mosteiro celebrar a sua festa com grande devoção e todo o aparato, principalmente os lugares de Rendide, Aldeia Gavinha e Merceana”.(PURIFICAÇÂO, frei António da, Chronica da Antiquíssima Provincía de Portugal da Ordem dos Erimitas de Stº Agostinho (...), Lisboa 1642 e 1656).

Nota: posteriormente à elaboração deste texto, surgiu um estudo mais actualizado e fundamentado sobre este convento, da autoria do Dr. Carlos Guardado Silva:
SILVA, Carlos Guardado da, “O Mosteiro de Penafirme – Das origens ao Século XVI”, in Turres Veteras II – Actas de História Moderna, CMTV, sem data (2000?).



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