Quando se deu o golpe militar do 28 de Maio, a câmara de Torres Vedras era dominada pelos monárquicos.
Publicavam-se então dois periódicos locais, "A Nossa Terra" e "O Correio de Torres".
"A Nossa Terra", fundado em 1924 como órgão da Associação Regionalista de Torres Vedras, alterou esse objectivo em 31 de Janeiro de 1926, passando a designar-se "Semanário Republicano do Concelho de Torres Vedras", sendo dirigido por Justino de Moura Guedes. Essa mudança parece estar relacionada com divergências no interior daquela associação, que se acentuaram após as eleições municipais de 1925, quando essa associação e o jornal apoiaram uma "lista do concelho" contra a lista monárquica. Monárquicos e republicanos entraram então em ruptura no interior da Associação, com reflexos no próprio jornal, como se comprova numa carta assinada pelo monárquico António Teixeira de Figueiredo, colaborador desse periódico, assumindo a sua ruptura com "A Nossa Terra" , devido ao facto de ter tomado parte numa lista ( a monárquica) "combatida pelo jornal onde eu escrevia", pelo que "nem mais um momento posso continuar nesse jornal, por solidariedade com os meus colegas candidatos da mesma lista e por solidariedade para comigo mesmo" (1).
Progressivamente, ao longo de 1926, esse periódico aproximou-se das teses políticas da recém criada União Liberal Republicana, surgida de uma cisão no Partido Nacionalista, dirigida por Cunha Leal, o que parece indicar a adesão do director do jornal, Moura Guedes, àquela corrente política.
Entretanto, a 10 de Janeiro de 1926, iniciava a sua publicação um novo periódico regional, o primeiro a assumir-se como monárquico durante a 1ª República, intitulado "O Correio de Torres", dirigido por António Teixeira de Figueiredo, dissidente d' "A Nossa Terra". As frequentes citações e referências às opiniões da Acção Realista Portuguesa, organização partidária de D. Manuel II, mas divergindo do liberalismo monárquico, parecem indicar a sua proximidade a esta organização, dirigida por Alfredo Pimenta.
É através das páginas destes dois periódicos que podemos conhecer as posições de parte da elite política local em relação à instauração da ditadura militar a 28 de Maio de 1926, sendo significativo que os dois únicos periódicos que então se publicavam em Torres Vedras representassem duas das tendências mais conservadoras, então existentes, quer entre republicanos quer entre monárquicos.
Ambos os jornais apoiaram com entusiasmo o golpe militar do 28 de Maio.
"O Correio de Torres", pela pena de Teixeira de Figueiredo, num artigo intitulado "Atitude Clara", congratulava-se com "o Exercito" que "acordou, emfim, do seu longo letargo". E acrescentava: "Incarnando a alma da nação, O Exercito, repositario das energias viris da Raça, levantou-se digna e pundonorosamente, e dispõe-se a fazer entrar nos eixos a desconjuntada nau do Estado"(2) .
Por sua vez "A Nossa Terra", num texto intitulado "Pela Pátria! Pela Republica!", saudava o movimento militar, "fazendo justiça ás nobres intenções do sr. comandante Mendes Cabeçadas", que saudava como "o grande patriota e o ilustre republicano, ao qual "fora dos partidos, mas respeitando os que honradamente se teem batido no campo da politica pelo resurgimento da sua Patria", assistia "o dever de repelir as baixas intrigas dos pescadores d'aguas turvas"(3).
O mesmo periódico, nessa sua primeira edição após o 28 de Maio, fazendo desde logo frente à tentativa de aproveitamento político desse movimento militar por parte dos monárquicos, publicava um artigo de opinião de Justino de Moura Guedes, intitulado "Distingamos", no qual se podia ler:
"Um grande numero de individuos que teem passado a vida a fazer política, movendo uma guerra de morte a tudo quanto não esteja pintalgado de azul e branco, verificando mais uma vez a impossibilidade de uma restauração monarquica, lança aos ventos incertos da hora que passa este brado na aparencia tão sincero: guerra a todos os políticos!
"Como se não fossem tambem politicos, no limite das forças que lhes é talhado pela cobardia reles de sempre, esses hipocritas puritanos de pacotilha.(...) Ha apenas que distinguir entre homens honrados e homens que o não são. Mais nada. Políticos são todos aqueles que se interessam e tentam intervir na marcha dos destinos da sua Patria".
E num tom que parece denotar um certo desejo de ver limitado o papel político do exército, concluía:
"(...) Aprovamos a intervenção do exercito em momentos de crise como a que atravessamos. Aprovámo-la e louvámo-la. mas nem por isso lhe reconhecemos o direito de lançar sobre todos os que não vestem uma farda, o labeu de malandros" (4).
À data do 28 de Maio, mais do que o dilema "democracia – ditadura", era o dilema "república - monarquia" que mais preocupava os republicanos torrienses, pois este concelho vivia há quase 4 anos sob domínio administrativo dos monárquicos, o que levou muitos republicanos de vários quadrantes políticos a receber de braços abertos a nova situação política, que viam como uma solução que, em termos locais, podia contribuir para acabar com o domínio local dos monárquicos.
É neste sentido que se podem interpretar algumas preocupações manifestadas nas páginas d' "A Nossa Terra", acerca da formação de uma nova comissão administrativa para gerir os destinos do município neste novo momento político.
Assim aquele periódico alertava para o facto de constar "que varias facções trabalham activamente para que os seus apaniguados tenham assento na Camara Municipal, como membros da proxima futura Comissão Administrativa. Assim, dizem-nos que já há uma lista composta por nacionalistas e monarquicos, e outra por esquerdistas e monarquicos tambem.
"Que os nacionalistas se liguem aos monarquicos, banindo do seu contacto os demais republicanos, está certo.Teriamos pura e simplesmente a continuação da regedoria monarquica na Camara Municipal, atenta a maviosidade inconsistente das convicções nacionalistas.
"(...) Porém (...) não entendemos como os monarquicos se possam ligar aos esquerdistas, à massa mais irrequieta, irreverente e revolucionaria da Republica.
"(...) Já a quando das ultimas eleições camararias, se verificou o deshonesto conubio entre monarquicos e esquerdistas (...)" (5).
Movimentavam-se assim as várias forças políticas locais com vista a pressionarem e influenciarem a constituição da nova câmara.
A 5 de Julho de 1926 era dada posse ao novo administrador do concelho, o tenente da "Infantaria 5" António Victorino França Borges (6), nomeado por circular do Governo Civil de 1 de Julho (7) substituindo o último administrador da 1ª República, o capitão- médico Aurélio Ricardo Belo.
Coube a França Borges a responsabilidade de nomear a nova comissão administrativa, a primeira do novo regime.
No acto de posse, realizado a 30 de Julho, usaram da palavra Justino Freire de Moura Guedes, da União Republicana Liberal, e Victor Cesário da Fonseca, do Partido Nacionalista.
Presidindo a essa comissão Silvério Botelho Moniz de Sequeira, entre os nomeados, 7 efectivos e 7 suplentes, não se incluía nenhum monárquico. Grande parte desses nomeados tinha em comum terem pertencido à Associação Regionalista (6 dos 7 efectivos e 4 dos 7 suplentes).
O presidente desta comissão tinha sido escolhido para presidir ao senado eleito em 1925, representando a "Lista do Concelho" .À "Lista do Concelho" eleita em 1925 tinham pertencido também dois dos suplentes desta comissão, enquanto dois dos efectivos tinham feito parte da comissão de apoio a essa lista .
Entre os efectivos, apenas três tinham um passado político marcante:
- Silvério Botelho de Sequeira ,"viticultor- proprietário" de 60 anos, da Feliteira - Dois Portos, "Secretário Geral da Associação Central da Agriculrura Portuguesa e Director da União dos Vinicultores de Portugal"(8). Teve uma intensa actividade jornalística, anterior à República. Ex-director da "Folha de Torres Vedras", quando este estava próximo dos "franquistas", ex-redactor do periódico "franquista" "O Português" até ao 5 de Outubro, colaborando ainda activamente em jornais como o "Ecos de Torres", próximo dos "democráticos" e do regionalista "A Nossa Terra". Politicamente parece ter estado próximo do "franquismo" nos finais da monarquia, e do PRP em 1917, tendo, como já vimos, sido eleito presidente do senado em 1925, pela "Lista do Concelho", numa coligação de "democráticos", "nacionalistas" e monárquicos moderados. Manteve-se como vereador e Presidente da Câmara até 1931;
- João dos Santos Ghira, engenheiro e "viticultor-proprietário"(8) de 35 anos, da Carvoeira , mas vivendo na vila. Tinha sido eleito para o senado em 1922 pela lista de "conjunção republicana", uma coligação entre "reconstituintes" e "democráticos", embora o seu nome constasse igualmente da lista "liberal" concorrente às mesmas eleições administrativas. Eleito 1º secretário, manteve-se como vereador até finais de 1928;
Mas a figura com maior experiência política nesta comissão era José Anjos da Fonseca. Este comerciante e proprietário de Torres Vedras, então com 54 anos, era um republicano histórico que tinha pertencido ao PRP entre 1907 e 1912. Aderiu então ao Centro Republicano Torreense, ligando-se depois ao Partido Evolucionista. Em 1915 foi nomeado para fazer parte da efémera administração nomeada pela ditadura de Pimenta de Castro, ocupando novamente posição de destaque no município como presidente da primeira comissão administrativa "sidonista", voltando a exercer funções de vereador nas duas comissões administrativas nomeadas após a morte de Sidónio Pais e durante o episódio da "Monarquia do Norte". Em 1919, então como representante do Partido Unionista, pertenceu ao Comité de Defesa da República, aderindo nesse mesmo ano ao Partido Liberal. Desconhecemos qual era a sua posição política em 1926, mas tinha apoiado a "Lista do Concelho" em 1925.No início dos anos 30 veio a aderir à "União Nacional", tendo-se mantido como vereador da câmara até 1933.
Com uma actividade política menos conhecida, faziam ainda parte desta comissão:
- Como vice-presidente, o Dr. António Manuel Figueira Freire, médico e "viticultor-proprietário"(8) de Torres Vedras. Pertencia em 1924 à Associação Regional, fazendo parte da comissão de apoio à "Lista do Concelho de 1925".Abandonaria as suas funções municipais em Agosto de 1930, aderindo então à Liga Republicana, movimento de oposição à ditadura militar;
- Como 2º secretário, João Germano Alves, "viticultor-proprietário"(8) de Torres Vedras, de 42 anos. Tinha sido sócio fundador do Sindicato Agrícola, apoiante das candidaturas agrícolas de Tiago Sales em 1919 e 1921, membro da comissão local do Partido Regionalista em 1922 e da Associação Regionalista de T.Vedras em 1924, foi vereador até 1933 ,
- António Rodrigues Venâncio, farmacêutico e "viticultor-proprietário"(8), da Ribaldeira - Dois Portos, com 42 anos, de quem apenas se conhece a sua ligação, em 1924, à Associação Regionalista, vindo a aderir nos anos 30 à "União Nacional", exercendo funções executivas até Janeiro de 1929.
- Dr. Artur de Castilho, "engenheiro-agrónomo, director do Posto Agrário de Dois-Portos (...) deixou de tomar posse, por motivos que não foram comunicados, tendo sido já tarde preenchida a sua vaga pelo Sr. José Augusto de Almeida Trigueiros, comerciante e industrial, sob nomeação do Sr. Governador Civil"(8).
Este José Trigueiros, que tomou posse a 8 de Abril de 1927, tinha sido candidato à câmara na lista "democrática" nas eleições de 1917, tendo pertencido também à Associação Regionalista, mantendo-se como vereador até finais de 1931, apesar de ter pertencido à Liga Republicana em 1930.
Em 1928 os membros desta comissão referiam-se a si próprios como "o grupo de homens que, integrados, sem hesitações nem desfalecimentos, nas aspirações da Ditadura Militar moralisadora da administração pública e dos costumes, assumiu com sacrifício, com dedicação e com fé, as responsabilidades administrativas do seu Concelho."
E prosseguindo o seu auto-elogio, acrescentavam:
"Todos êsses homens compreenderam que, tendo falido estrondosamente os bons intuitos do Constitucionalismo, falseado por uma libertinagem inepta, e o parlamentarismo dessorado numa vacuidade estéril, só feita de colmilhos vorazes da riqueza pública, chegára o momento de esmagar os interêsses partidários para robustecer o desinterêsse patriótico".
E concluíam:
"Todos êsses homens formaram decididos e aprumados ao lado da disciplina, donde nasce a ordem, que está bafejando o mapa da Europa, numa reacção vigorosa e firme contra a defecção social, e que tem o seu mais alto simbolo no brioso General Carmona, em Portugal, no General Rivera, em Espanha, em Mussolini na Itália e em Baldwin na Inglaterra (primeiro-ministro e líder do Partido Conservador britânico) "(8).
Refira-se que, quanto aos suplentes dessa comissão administrativa, três pertenciam ao Partido Nacionalista, um era ex -"sidonista " outro ex-"democrático", e os restantes dois não tinham filiação política anteriormente conhecida. Apesar de terem sido nomeados suplentes, nenhum deles assumiu funções efectivas. Sempre que foi necessário recorrer à substituição de vereadores, nomearam-se outros indivíduos não pertencentes à lista de suplentes.
Num questionário dactilografado não datado nem assinado, mas que estava junto do exemplar do acima citado relatório da comissão administrativa, existente no AMTV, encontrámos duas interessantes respostas a um inquérito confidencial, que retractava o modo como se implantou a nova Câmara.
Questionando-se na primeira pergunta sobre o estado em que "se encontrava o concelho antes da Revolução Nacional", os autores da resposta (que tudo leva a crer terem sido os membros da comissão administrativa) responderam:
"Atravessou o Concelho alguns períodos agitados.
"Entretanto, o Concelho, inegavelmente, de estrutura nacionalista, fazia vingar em 1923 o seu rumo para as direitas. Assim, a vigorosa mentalidade de Alvaro Galrão, presidindo à Camara, gisou as fecundas directrizes que, em muitos aspectos, ainda hoje são seguidas(..)".
Questionando-se no mesmo inquérito sobre "as dificuldades que se levantaram, para dar inicio à nova politica de realizações", respondiam:
"Nos primeiros tempos da actual Situação, é natural que alguns movimentos de Lisboa tivessem ligação com alguns elementos do concelho.
"Entretanto, o elemento nacionalista conseguiu dominar o meio, fazendo retomar a obra da Revolução Nacional".
Note-se que o tom da resposta escamoteia o facto da primeira comissão administrativa ter sido elaborada contra os interesses monárquicos, representando uma vitória dos republicanos conservadores (ou "nacionalistas") sobre aqueles. Pelo contrário os seus autores parecem não renegar, em termos municipais, a nova situação saída da "revolução nacional" como sendo herdeira da câmara monárquica eleita em 1923, que estava em funções a 28 de Maio. Talvez porque então já não se colocasse a questão do regime ou porque, citando um artigo publicado anos depois no porta-voz local da "União Nacional", "Hoje os homens dividem-se não já em republicanos e monarquicos, mas em nacionalistas e internacionalistas"(10).
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(1) A Nossa Terra, 6 de Dezembro de 1925.
(2) O Correio de Torres, 1 de Junho de 1926.
(3) A Nossa Terra, 3 de Junho de 1926.
(4) A Nossa Terra, 3 de Junho de 1926.
(5) A Nossa Terra, 8 de Julho de 1926.
(6) O Correio de Torres, 11 de Julho de 1926.
(7) Livro de Actas da Câmara , nº40(1920-1928), sessão de 7 de Julho de 1926,AMTV.
(8) Relatório da Comissão Administrativa Municipal relativo à sua gerência de 30 de Julho de 1926 (sua posse) a 31 de Março de 1928
(9) Caixa de da Correspondência Antiga, 1926-1928, AMTV.
(10) Alta Extremadura, 10 de Abril de 1933.
Publicavam-se então dois periódicos locais, "A Nossa Terra" e "O Correio de Torres".
"A Nossa Terra", fundado em 1924 como órgão da Associação Regionalista de Torres Vedras, alterou esse objectivo em 31 de Janeiro de 1926, passando a designar-se "Semanário Republicano do Concelho de Torres Vedras", sendo dirigido por Justino de Moura Guedes. Essa mudança parece estar relacionada com divergências no interior daquela associação, que se acentuaram após as eleições municipais de 1925, quando essa associação e o jornal apoiaram uma "lista do concelho" contra a lista monárquica. Monárquicos e republicanos entraram então em ruptura no interior da Associação, com reflexos no próprio jornal, como se comprova numa carta assinada pelo monárquico António Teixeira de Figueiredo, colaborador desse periódico, assumindo a sua ruptura com "A Nossa Terra" , devido ao facto de ter tomado parte numa lista ( a monárquica) "combatida pelo jornal onde eu escrevia", pelo que "nem mais um momento posso continuar nesse jornal, por solidariedade com os meus colegas candidatos da mesma lista e por solidariedade para comigo mesmo" (1).
Progressivamente, ao longo de 1926, esse periódico aproximou-se das teses políticas da recém criada União Liberal Republicana, surgida de uma cisão no Partido Nacionalista, dirigida por Cunha Leal, o que parece indicar a adesão do director do jornal, Moura Guedes, àquela corrente política.
Entretanto, a 10 de Janeiro de 1926, iniciava a sua publicação um novo periódico regional, o primeiro a assumir-se como monárquico durante a 1ª República, intitulado "O Correio de Torres", dirigido por António Teixeira de Figueiredo, dissidente d' "A Nossa Terra". As frequentes citações e referências às opiniões da Acção Realista Portuguesa, organização partidária de D. Manuel II, mas divergindo do liberalismo monárquico, parecem indicar a sua proximidade a esta organização, dirigida por Alfredo Pimenta.
É através das páginas destes dois periódicos que podemos conhecer as posições de parte da elite política local em relação à instauração da ditadura militar a 28 de Maio de 1926, sendo significativo que os dois únicos periódicos que então se publicavam em Torres Vedras representassem duas das tendências mais conservadoras, então existentes, quer entre republicanos quer entre monárquicos.
Ambos os jornais apoiaram com entusiasmo o golpe militar do 28 de Maio.
"O Correio de Torres", pela pena de Teixeira de Figueiredo, num artigo intitulado "Atitude Clara", congratulava-se com "o Exercito" que "acordou, emfim, do seu longo letargo". E acrescentava: "Incarnando a alma da nação, O Exercito, repositario das energias viris da Raça, levantou-se digna e pundonorosamente, e dispõe-se a fazer entrar nos eixos a desconjuntada nau do Estado"(2) .
Por sua vez "A Nossa Terra", num texto intitulado "Pela Pátria! Pela Republica!", saudava o movimento militar, "fazendo justiça ás nobres intenções do sr. comandante Mendes Cabeçadas", que saudava como "o grande patriota e o ilustre republicano, ao qual "fora dos partidos, mas respeitando os que honradamente se teem batido no campo da politica pelo resurgimento da sua Patria", assistia "o dever de repelir as baixas intrigas dos pescadores d'aguas turvas"(3).
O mesmo periódico, nessa sua primeira edição após o 28 de Maio, fazendo desde logo frente à tentativa de aproveitamento político desse movimento militar por parte dos monárquicos, publicava um artigo de opinião de Justino de Moura Guedes, intitulado "Distingamos", no qual se podia ler:
"Um grande numero de individuos que teem passado a vida a fazer política, movendo uma guerra de morte a tudo quanto não esteja pintalgado de azul e branco, verificando mais uma vez a impossibilidade de uma restauração monarquica, lança aos ventos incertos da hora que passa este brado na aparencia tão sincero: guerra a todos os políticos!
"Como se não fossem tambem politicos, no limite das forças que lhes é talhado pela cobardia reles de sempre, esses hipocritas puritanos de pacotilha.(...) Ha apenas que distinguir entre homens honrados e homens que o não são. Mais nada. Políticos são todos aqueles que se interessam e tentam intervir na marcha dos destinos da sua Patria".
E num tom que parece denotar um certo desejo de ver limitado o papel político do exército, concluía:
"(...) Aprovamos a intervenção do exercito em momentos de crise como a que atravessamos. Aprovámo-la e louvámo-la. mas nem por isso lhe reconhecemos o direito de lançar sobre todos os que não vestem uma farda, o labeu de malandros" (4).
À data do 28 de Maio, mais do que o dilema "democracia – ditadura", era o dilema "república - monarquia" que mais preocupava os republicanos torrienses, pois este concelho vivia há quase 4 anos sob domínio administrativo dos monárquicos, o que levou muitos republicanos de vários quadrantes políticos a receber de braços abertos a nova situação política, que viam como uma solução que, em termos locais, podia contribuir para acabar com o domínio local dos monárquicos.
É neste sentido que se podem interpretar algumas preocupações manifestadas nas páginas d' "A Nossa Terra", acerca da formação de uma nova comissão administrativa para gerir os destinos do município neste novo momento político.
Assim aquele periódico alertava para o facto de constar "que varias facções trabalham activamente para que os seus apaniguados tenham assento na Camara Municipal, como membros da proxima futura Comissão Administrativa. Assim, dizem-nos que já há uma lista composta por nacionalistas e monarquicos, e outra por esquerdistas e monarquicos tambem.
"Que os nacionalistas se liguem aos monarquicos, banindo do seu contacto os demais republicanos, está certo.Teriamos pura e simplesmente a continuação da regedoria monarquica na Camara Municipal, atenta a maviosidade inconsistente das convicções nacionalistas.
"(...) Porém (...) não entendemos como os monarquicos se possam ligar aos esquerdistas, à massa mais irrequieta, irreverente e revolucionaria da Republica.
"(...) Já a quando das ultimas eleições camararias, se verificou o deshonesto conubio entre monarquicos e esquerdistas (...)" (5).
Movimentavam-se assim as várias forças políticas locais com vista a pressionarem e influenciarem a constituição da nova câmara.
A 5 de Julho de 1926 era dada posse ao novo administrador do concelho, o tenente da "Infantaria 5" António Victorino França Borges (6), nomeado por circular do Governo Civil de 1 de Julho (7) substituindo o último administrador da 1ª República, o capitão- médico Aurélio Ricardo Belo.
Coube a França Borges a responsabilidade de nomear a nova comissão administrativa, a primeira do novo regime.
No acto de posse, realizado a 30 de Julho, usaram da palavra Justino Freire de Moura Guedes, da União Republicana Liberal, e Victor Cesário da Fonseca, do Partido Nacionalista.
Presidindo a essa comissão Silvério Botelho Moniz de Sequeira, entre os nomeados, 7 efectivos e 7 suplentes, não se incluía nenhum monárquico. Grande parte desses nomeados tinha em comum terem pertencido à Associação Regionalista (6 dos 7 efectivos e 4 dos 7 suplentes).
O presidente desta comissão tinha sido escolhido para presidir ao senado eleito em 1925, representando a "Lista do Concelho" .À "Lista do Concelho" eleita em 1925 tinham pertencido também dois dos suplentes desta comissão, enquanto dois dos efectivos tinham feito parte da comissão de apoio a essa lista .
Entre os efectivos, apenas três tinham um passado político marcante:
- Silvério Botelho de Sequeira ,"viticultor- proprietário" de 60 anos, da Feliteira - Dois Portos, "Secretário Geral da Associação Central da Agriculrura Portuguesa e Director da União dos Vinicultores de Portugal"(8). Teve uma intensa actividade jornalística, anterior à República. Ex-director da "Folha de Torres Vedras", quando este estava próximo dos "franquistas", ex-redactor do periódico "franquista" "O Português" até ao 5 de Outubro, colaborando ainda activamente em jornais como o "Ecos de Torres", próximo dos "democráticos" e do regionalista "A Nossa Terra". Politicamente parece ter estado próximo do "franquismo" nos finais da monarquia, e do PRP em 1917, tendo, como já vimos, sido eleito presidente do senado em 1925, pela "Lista do Concelho", numa coligação de "democráticos", "nacionalistas" e monárquicos moderados. Manteve-se como vereador e Presidente da Câmara até 1931;
- João dos Santos Ghira, engenheiro e "viticultor-proprietário"(8) de 35 anos, da Carvoeira , mas vivendo na vila. Tinha sido eleito para o senado em 1922 pela lista de "conjunção republicana", uma coligação entre "reconstituintes" e "democráticos", embora o seu nome constasse igualmente da lista "liberal" concorrente às mesmas eleições administrativas. Eleito 1º secretário, manteve-se como vereador até finais de 1928;
Mas a figura com maior experiência política nesta comissão era José Anjos da Fonseca. Este comerciante e proprietário de Torres Vedras, então com 54 anos, era um republicano histórico que tinha pertencido ao PRP entre 1907 e 1912. Aderiu então ao Centro Republicano Torreense, ligando-se depois ao Partido Evolucionista. Em 1915 foi nomeado para fazer parte da efémera administração nomeada pela ditadura de Pimenta de Castro, ocupando novamente posição de destaque no município como presidente da primeira comissão administrativa "sidonista", voltando a exercer funções de vereador nas duas comissões administrativas nomeadas após a morte de Sidónio Pais e durante o episódio da "Monarquia do Norte". Em 1919, então como representante do Partido Unionista, pertenceu ao Comité de Defesa da República, aderindo nesse mesmo ano ao Partido Liberal. Desconhecemos qual era a sua posição política em 1926, mas tinha apoiado a "Lista do Concelho" em 1925.No início dos anos 30 veio a aderir à "União Nacional", tendo-se mantido como vereador da câmara até 1933.
Com uma actividade política menos conhecida, faziam ainda parte desta comissão:
- Como vice-presidente, o Dr. António Manuel Figueira Freire, médico e "viticultor-proprietário"(8) de Torres Vedras. Pertencia em 1924 à Associação Regional, fazendo parte da comissão de apoio à "Lista do Concelho de 1925".Abandonaria as suas funções municipais em Agosto de 1930, aderindo então à Liga Republicana, movimento de oposição à ditadura militar;
- Como 2º secretário, João Germano Alves, "viticultor-proprietário"(8) de Torres Vedras, de 42 anos. Tinha sido sócio fundador do Sindicato Agrícola, apoiante das candidaturas agrícolas de Tiago Sales em 1919 e 1921, membro da comissão local do Partido Regionalista em 1922 e da Associação Regionalista de T.Vedras em 1924, foi vereador até 1933 ,
- António Rodrigues Venâncio, farmacêutico e "viticultor-proprietário"(8), da Ribaldeira - Dois Portos, com 42 anos, de quem apenas se conhece a sua ligação, em 1924, à Associação Regionalista, vindo a aderir nos anos 30 à "União Nacional", exercendo funções executivas até Janeiro de 1929.
- Dr. Artur de Castilho, "engenheiro-agrónomo, director do Posto Agrário de Dois-Portos (...) deixou de tomar posse, por motivos que não foram comunicados, tendo sido já tarde preenchida a sua vaga pelo Sr. José Augusto de Almeida Trigueiros, comerciante e industrial, sob nomeação do Sr. Governador Civil"(8).
Este José Trigueiros, que tomou posse a 8 de Abril de 1927, tinha sido candidato à câmara na lista "democrática" nas eleições de 1917, tendo pertencido também à Associação Regionalista, mantendo-se como vereador até finais de 1931, apesar de ter pertencido à Liga Republicana em 1930.
Em 1928 os membros desta comissão referiam-se a si próprios como "o grupo de homens que, integrados, sem hesitações nem desfalecimentos, nas aspirações da Ditadura Militar moralisadora da administração pública e dos costumes, assumiu com sacrifício, com dedicação e com fé, as responsabilidades administrativas do seu Concelho."
E prosseguindo o seu auto-elogio, acrescentavam:
"Todos êsses homens compreenderam que, tendo falido estrondosamente os bons intuitos do Constitucionalismo, falseado por uma libertinagem inepta, e o parlamentarismo dessorado numa vacuidade estéril, só feita de colmilhos vorazes da riqueza pública, chegára o momento de esmagar os interêsses partidários para robustecer o desinterêsse patriótico".
E concluíam:
"Todos êsses homens formaram decididos e aprumados ao lado da disciplina, donde nasce a ordem, que está bafejando o mapa da Europa, numa reacção vigorosa e firme contra a defecção social, e que tem o seu mais alto simbolo no brioso General Carmona, em Portugal, no General Rivera, em Espanha, em Mussolini na Itália e em Baldwin na Inglaterra (primeiro-ministro e líder do Partido Conservador britânico) "(8).
Refira-se que, quanto aos suplentes dessa comissão administrativa, três pertenciam ao Partido Nacionalista, um era ex -"sidonista " outro ex-"democrático", e os restantes dois não tinham filiação política anteriormente conhecida. Apesar de terem sido nomeados suplentes, nenhum deles assumiu funções efectivas. Sempre que foi necessário recorrer à substituição de vereadores, nomearam-se outros indivíduos não pertencentes à lista de suplentes.
Num questionário dactilografado não datado nem assinado, mas que estava junto do exemplar do acima citado relatório da comissão administrativa, existente no AMTV, encontrámos duas interessantes respostas a um inquérito confidencial, que retractava o modo como se implantou a nova Câmara.
Questionando-se na primeira pergunta sobre o estado em que "se encontrava o concelho antes da Revolução Nacional", os autores da resposta (que tudo leva a crer terem sido os membros da comissão administrativa) responderam:
"Atravessou o Concelho alguns períodos agitados.
"Entretanto, o Concelho, inegavelmente, de estrutura nacionalista, fazia vingar em 1923 o seu rumo para as direitas. Assim, a vigorosa mentalidade de Alvaro Galrão, presidindo à Camara, gisou as fecundas directrizes que, em muitos aspectos, ainda hoje são seguidas(..)".
Questionando-se no mesmo inquérito sobre "as dificuldades que se levantaram, para dar inicio à nova politica de realizações", respondiam:
"Nos primeiros tempos da actual Situação, é natural que alguns movimentos de Lisboa tivessem ligação com alguns elementos do concelho.
"Entretanto, o elemento nacionalista conseguiu dominar o meio, fazendo retomar a obra da Revolução Nacional".
Note-se que o tom da resposta escamoteia o facto da primeira comissão administrativa ter sido elaborada contra os interesses monárquicos, representando uma vitória dos republicanos conservadores (ou "nacionalistas") sobre aqueles. Pelo contrário os seus autores parecem não renegar, em termos municipais, a nova situação saída da "revolução nacional" como sendo herdeira da câmara monárquica eleita em 1923, que estava em funções a 28 de Maio. Talvez porque então já não se colocasse a questão do regime ou porque, citando um artigo publicado anos depois no porta-voz local da "União Nacional", "Hoje os homens dividem-se não já em republicanos e monarquicos, mas em nacionalistas e internacionalistas"(10).
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(1) A Nossa Terra, 6 de Dezembro de 1925.
(2) O Correio de Torres, 1 de Junho de 1926.
(3) A Nossa Terra, 3 de Junho de 1926.
(4) A Nossa Terra, 3 de Junho de 1926.
(5) A Nossa Terra, 8 de Julho de 1926.
(6) O Correio de Torres, 11 de Julho de 1926.
(7) Livro de Actas da Câmara , nº40(1920-1928), sessão de 7 de Julho de 1926,AMTV.
(8) Relatório da Comissão Administrativa Municipal relativo à sua gerência de 30 de Julho de 1926 (sua posse) a 31 de Março de 1928
(9) Caixa de da Correspondência Antiga, 1926-1928, AMTV.
(10) Alta Extremadura, 10 de Abril de 1933.
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