sábado, 30 de maio de 2009

30 de Maio de 1834 . decreto de extinção das Ordens Religiosas - Recordando os Conventos Torrienses - Convento do Varatojo

(Fotografia pertencente à Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, da autoria de Mário Novais)


O Convento do Varatojo foi inaugurado em 4 de Outubro de 1474.
A iniciativa de o fundar pertenceu a D. Afonso V, que em 1470, tomou essa decisão, escolhendo o lugar do Varatojo porque o monarca aí possuía uma Quinta que adquiriu por 35$000 réis.
Em Fevereiro de 1470 aí se deslocou aquele monarca em procissão solene, para o lançamento da primeira pedra do convento.
Ficou como responsável pela obra e pela sua inspecção Diogo Gonçalves Lobo, que tinha sido vedor da rainha D. Leonor, ao qual o monarca ordenou “que pusesse toda a eficácia (...) sahindo do Real Erário todas as despesas da mesma: Para effeito de se pôder concluir a obra o mais depressa, e com mais suavidade, e também para que os lavradores mais facilmente, e mais gostosos concorressem para ella com seus carros, lhes fez o Rei sempre generoso a grande mercê de alivia-los em grande parte do oneroso tributo, que pagavão chamado jugada, em quanto durasse a obra” (1).
A jugada era um tributo que os lavradores do concelho pagavam, um moio de trigo por cada junta de bois.
O mesmo Gonçalves Lobo representou o rei à data da inauguração, por impossibilidade da sua presença nessa ocasião, dando posse do convento aos 14 religiosos vindos de Alenquer na companhia do Vigário Provincial dos Religiosos Franciscanos. Frei João da Póvoa, e nomeando Fr. Alvaro de Alenquer primeiro guardião do convento.
D. Afonso V reservou para si um modesto aposento, ao qual se recolhia frequentemente, passando aqui grande parte dos seus últimos anos de vida, [faleceu em 1481] assistindo à missa de uma tribuna junto ao coro, quase em frente ao púlpito. No final dos seus dias entregou o governo ao seu filho D. João, “com tenção de viver em Varatojo, no humilde estado de irmão leigo” (Frei Manuel de Maria Santissima) e só por acaso não veio a falecer neste convento (faleceu em Sintra).
Manuel Clemente afirma que “o conventinho inicial mal daria para albergar vinte e cinco frades. No século seguinte, D. João III teve de o acrescentar e a sua esposa D. Catarina construiu uma nova capela-mor na igreja inicial. Assim já pôde albergar cinquenta religiosos, com estudos de filosofia e teologia até 1680”, acrescentando aquele historiador torriense que, “durante este primeiro período, de 1470 a 1680, a estação evangélica do Varatojo chamava gente grada a ouvir os frades e a aprender com eles. Não foi por acaso que as primeiras habitações à volta do convento tenham sido exactamente as desses ouvintes discípulos” (2). Dessas habitações ainda hoje é possível observar as ruínas do paço brasonado dos Andrades.
Em 1680 Frei António das Chagas fundou, neste convento, um seminário.
Vários cronistas da ordem de S. Francisco apontam a existência de um primitivo convento daquela ordem já no século XIII, entre Torres Vedras e a encosta do Varatojo, na várzea do Alpilhão, junto à muralha da vila, conhecido por Ermida de S. Francisco, hipótese até hoje impossível de confirmar.
Em 1834, os frades deste convento conheceram o destino de todos os regrantes do país. Em 1861 seria recuperado pelos franciscanos como seminário, tendo funcionado como escola de instrução primária, a primeira do concelho, para voltar a ser encerrado e nacionalizado em 1910, funcionando aí, até 1928, um asilo de inválidos. Neste ano voltou a ser entregue aos franciscanos, sendo o único convento desta ordem, de todos os encerrados desde 1834, a regressar às suas funções iniciais, sendo hoje o único convento do concelho habitado por frades.

Descrição geral do convento

Foi ampliado ao longo dos séculos.
Já neste século, entre 1903 e 1906, construiu-se um novo andar.

Janela de Canto
Segundo a tradição era desta janela que o rei D. Afonso V falava aos pobres.
Contudo essa janela é obra mais tardia, posterior ao reinado de D. João II.

Capela de Nª Senhora do Sobreiro
Á entrada, do lado esquerdo, em frente à entrada da Igreja.
Foi construída em 1777.
Deve o seu nome ao facto de a Imagem da Senhora ter sido descoberta, segundo reza a tradição, na cavidade de um robusto sobreiro, na mata do convento.
Talha dourada , mármores e colunas, fazem parte do seu interior.
No coro alto destacam-se os azulejos com molduras roxas e amarelas, com cenas da vida da Virgem até ao nascimento de Cristo, num conjunto de seis painéis.
Nas paredes, duas telas do século XVIII: Assunção e Coroação da Virgem.

Igreja
No portal gótico:
- à direita, o rodízio de D. Afonso V, cercado pelo cordão franciscano. O rodízio de tirar água significa que um monarca deve movimentar-se continuamente ao serviço da nação.
- À esquerda, um baixo relevo gótico de mármore, com as armas do reino sustentadas por dois anjos.
Igreja de uma só nave.
A sua estrutura geral é do século XVII.
As paredes são revestidas por azulejos do século XVIII e nichos para confessionários, cujos azulejos se compõem de motivos alusivos à confissão. Um deles retrata o inferno, representando o estado de um penitente que se confessa bem ,em contraste com o penitente que se confessa bem..
Altares laterais – talha barroca.
Lado do evangelho (à esquerda de quem entre):
- Altar dedicado ao Senhor Crucificado, cuja imagem foi substituída pela do Coração de Jesus em 1883.
Lado da epístola (à direita de quem entra):
- Capela de S. José (?)
- Altar de Nª Srª da Conceição ( ou da Imaculada Conceição) – interessante imagem esculpida
- Capela de Nossa Senhora das Dores – fundada em 1740; painéis de azulejos setecentistas; altar de talha rocaille, com bonitas e pequenas imagens, sobressaindo a de Nossa Senhora das Dores em alto relevo. É nesta capela que, debaixo da mesa do altar, se venera, desde 1870, “em urna de cristal, todo o esqueleto do mártir S. Benedicto, artisticamente composto em cera, e vestido com ricos brocados de cera, oferta da princesa de Portugal, a Infanta D. Isabel Maria (...) filha de D. João VI, ao seu confessor, o conhecido Padre Fr. Agostinho da Anunciação (...) a qual por sua vez a tinha recebido por gentileza do Papa Pio IX, na terceira e última visita que aquela Infanta fizera a Roma” (3)
Púlpito – setecentista, em mármore (em frente ficava a tribuna de onde D. Afonso V ouvia missa).

Capela-Mor:
Abóboda de berço com caixotões
Forro de azulejos do século XVIII com cenas da vida de Stº António, representando alguns dos seus milagres.
Em cima : quatro tábuas do final do século XVI : “Anunciação”, “Adoração dos Reis Magos”, “Adoração dos Pastores”, “Aparição de Cristo”, atribuídos a Grão Vasco.
Ao fundo : retábulo de talha em branco e ouro, com as colunas decoradas com aves, vides e anjos.
Ao centro : tela, da autoria do pintor italiano Braccarelli – “Stº António Perante a Virgem que lhe Entrega o Menino”.

Sacritia
Foi inaugurada em 1732.
Duas tábuas do século XVII: “Milagre da Mula (Santo António)” e “Pentecostes(descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos)”, quadros atribuídos a Grão Vasco.
Silhares de azulejos do século XVIII, cópia das estampas do livro “Escuela del Corazon”, alegoria dos vários estados de alma nas suas ascensões para Deus, legendados com várias quadras.
Armários de parede e grande arcaz setecentista.

Claustro
De tipo gótico.
Arcada ogival assente sobre colunas chanfradas.
O tecto é decorado com o rodízio de D. Afonso V.
Na ala norte, porta manuelina, que dá acesso à capela do Senhor Jesus, forrada com azulejos de ponta de diamante. Aqui encontra-se o panteão da família Soares de Alarcão, que dominaram a alcaiadaria de T. Vedras nos séculos XVI e XVII, para o qual se entra por um magnífico pórtico manuelino. Destaca-se a lápide sepulcral de Gomes Soares, que foi conselheiro de D. Afonso V, D. João II e D. Manuel..
Nicho de Stº António, com azulejos policromados representando o Santo.
Sala do capítulo: azulejos albarrados do século XVIII ; várias telas com retratos dos priores e figuras ilustres do convento, com destaque para a de “Frei António das Chagas”, tela do final do século XVII.

Cela de Fr. António das Chagas
Tem um pequeno altar, onde se conservam relíquias do santo (?) e vários papéis com a sua assinatura.

Mata
“A cerca do Convento é espaçosa, e comprehende uma boa mata, horta, e vinha povoada de muitas arvores das milhores castas de peras, maças, ameixas, ginjas, e pêcegos, e tambem comprehende diversos taboleiros de pomares d’espinho, sendo bastante conhecidas, e estimadas as limas, que d’elles se colhem” (4).
Nela existem duas capelinhas, uma no sítio do primitivo forno de cal, que funcionou para a construção do convento no século XV, a gruta do “Ecce Homo”, forrada a azulejos, e a primitiva capela da Senhora do Sobreiro, adornada com quatro pequenos painéis que figuram monges em estudo e em contemplação, onde, segundo a lenda, foi descoberta a Imagem de Maria Santíssima com o menino, na cavidade de um centenário sobreiro, escondida aí desde o tempo de D. Afonso Henriques, para escapar á perseguição dos mouros.
“Reconhece-se que não foi plantada esta matazinha, mas fôra um pedaço de monte, cujo mato e arbustos cresceram á mercê da sua natureza, formaram selva, mais ao diante aproveitada para uso dos animais domésticos do primeiro colono, que na encosta daquele monte arroteou e semeou; e mais tarde transformada em recreio do primeiro senhor que ali instituiu Quinta para sua morada” (5).
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(1) Frei Manoel Maria Santíssima, História do Varatojo, 1º volume, 1799
(2) P. Manuel Clemente, “Uma página da história torrense – Varatojo: Centro de Irradicação”, in Badaladas, T. Vedras, 5 de Outubro de 1984.
(3) Frei Bartolomeu Ribeiro, “Os Franciscanos em Torres Vedras”, in Badaladas, 1953e 1954, ed. Fac-similada.
(4) P. Manoel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica (...) de Torres Vedras, 2ª ed., Coimbra, 1862, p.139
(5) Frei Bartolomeu Ribeiro, “Os Franciscanos em Torres Vedras”, in Badaladas, 1953e 1954, ed. Fac-similada.

Para Saber mais:
SILVA, Carlos Guardado da, Torres Vedras Antiga e Medieval, ed. CMTV/Colibri, Lisboa 2008

Ver mais fotografias em http://www.pbase.com/diasdosreis/torres_mosteiro_varatojo

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